PANDEMIA

Covid-19: Saúde vai revisar boletins que levaram a análise equivocada de dados

Secretaria de Saúde passou a divulgar números isolados, sem considerar série histórica. Correio conversou com especialistas para entender o perigo de avaliar dados isoladamente

Ana Isabel Mansur; Ana Maria Pol
postado em 10/02/2022 17:44 / atualizado em 10/02/2022 18:49
O ideal é disponibilizar um apanhado dos dados em análises de longo prazo -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
O ideal é disponibilizar um apanhado dos dados em análises de longo prazo - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) vai revisar a apresentação de dados nos boletins epidemiológicos sobre a covid-19 que levaram a interpretações equivocadas a respeito do cenário pandêmico no DF. A informação foi confirmada pela pasta após o Correio questionar o método de divulgação do número de vacinados entre as mortes notificadas diariamente.

Os documentos em questão trazem o número de mortes por covid-19 entre vacinados e não vacinados de 1º de fevereiro a essa quarta-feira (9/2). No entanto, especialistas alertam que esse tipo de divulgação promove desinformação e leitura equivocada da real situação enfrentada pelos pacientes infectados. No fim de janeiro, 90% dos internados com covid-19 em unidades de terapia intensiva (UTI) do DF não estavam vacinados

A secretaria passou a publicar o status de imunização entre os óbitos em 1º de fevereiro. De lá para cá, são apenas sete boletins epidemiológicos, considerando que a secretaria tem publicado as informações apenas em dias úteis. Os números, porém, não podem ser analisados isoladamente nem desconsiderar o contexto da pandemia na capital federal — conforme especialistas explicaram ao Correio.

O ideal, em vez de reunir valores de apenas sete dias e apresentá-los sem nenhuma explicação que complemente a informação, é disponibilizar um apanhado dos dados em análises de longo prazo, em séries históricas. “São diversas partes de um problema que não podem ser analisadas de maneira isolada, sem considerar o cenário relativo ao fenômeno que está acontecendo”, começa Wildo Navegantes, professor de epidemiologia da Universidade de Brasília (UnB).

A fim de entender o que realmente está por trás dos resultados, o Correio buscou especialistas para alertar sobre o perigo de interpretar dados de poucos dias de maneira separada dos demais fatores epidemiológicos.

Atenção

O professor Wildo Navegantes elenca uma série de condições para analisar os quadros da maneira correta, ressaltando veementemente que não há dúvida alguma quanto à efetividade das vacinas contra a doença.

“Não se pode usar dados isolados, mas, sim, séries históricas ao longo do tempo. As evidências dos imunizantes são muito claras em relação à redução absurda dos casos graves que temos visto, não só no DF e no Brasil, mas no mundo todo. Há muito menos óbitos pela doença do que havia no passado, antes da vacina”, explica o epidemiologista.

Ao destacar, porém, que nenhum imunizante é capaz de eliminar por completo os problemas gerados pelo vírus, o professor aponta para a quantidade de pacientes com comorbidades entre os falecimentos do período. Veja mais detalhes dos números abaixo. 

Segundo o especialista, não há nenhuma outra estratégia tão efetiva quanto as vacinas. “Estamos vendo a população voltar a se adensar, com mais fluxo e mobilidade entre as pessoas. Não há outra expectativa a não ser o aumento no número de casos e a emergência de variantes”, explica, chamando a atenção para o fato de a ômicron ser mais transmissível do que as demais cepas.

“Infelizmente, uma parte das infecções pela ômicron poderá precisar de internação. O aumento dos óbitos nada mais é do que o reflexo dessa transmissibilidade”, afirma. Trazendo à memória quadros históricos, Wildo Navegantes frisa que os vírus não desaparecem da noite para o dia.

“Nenhuma epidemia de doença infecciosa e transmissível foi debelada simplesmente pelo desaparecimento do microorganismo causador, sem uso de vacinas. Não temos essa expectativa para o coronavírus. Temos de aprender a conviver com ele, dado que o comportamento humano faz com que a doença permaneça. Temos de manter a vacina como parte da rotina, como fazemos para várias outras doenças”, finaliza o professor da UnB.

Reforço

A infectologista Joana D'Arc Gonçalves concorda com o colega quanto à falsa interpretação causada pela análise isolada dos números. “Esses dados precisam ser avaliados em um contexto e comparados com outros dias. Pegar uma situação pontual é algo complexo”, destaca, chamando a atenção para a necessidade de reforçar a imunização.

“A gente já sabe que uma dose da vacina não é suficiente para evitar infecção ou agravamento. Por isso, os estudos demonstram que devem ser feitos reforços. Com a dose de reforço, o corpo tem uma resposta mais eficaz contra a variante ômicron”, continua a médica. “A titulação de anticorpos cai rapidamente. Precisamos fazer os reforços, esse vírus não dá uma imunidade duradoura ou robusta o suficiente para que tenha eficácia e diminuição de infecção”, continua.

Segundo a infectologista, todos os imunizantes reduzem a infecção e a mortalidade em mais de 70%. “Mas para isso é necessário seguir as orientações propostas pelos estudos, ou seja, o esquema vacinal completo”, reitera. “Isso corrobora o que a gente tem falado: as pessoas devem fazer o esquema vacinal completo e receber a dose de reforço. Inclusive, tem algumas pessoas que têm tomado a quarta dose, como é o caso de imunossuprimidos ou daqueles que têm anticorpos em menor quantidade”, completa.

Corroborando as explicações dos demais especialistas, Breno Adaid, pós-doutor pela UnB que acompanha diariamente com estatísticas o cenário pandêmico desde o início da crise, afirma que é preciso olhar para o quadro de saúde geral das vítimas. “Quem está vacinado tem um comportamento muito mais permissivo do que quem não está. O correto é avaliar o todo, não apenas um retrato de uma única situação. A vacina resolve para a imensa maioria da população, mas as pessoas com muitos problemas de saúde continuam vulneráveis. A vacina ajuda muito, mas não faz milagre”, finaliza.

Posicionamento

A reportagem questionou a Secretaria de Saúde sobre a real intenção de divulgar números descontextualizados e o perigo de causar interpretações equivocadas e dúvidas da efetividade das vacinas na população. Confira a resposta completa enviada pela pasta, em nota.

A Secretaria de Saúde esclarece que, devido a vacinação contra a covid-19 atualmente se configurar como uma das principais estratégias de enfrentamento da doença e influenciar diretamente no perfil epidemiológico, entende-se ser essencial a inserção das informações de doses de vacina aplicadas nos documentos de caracterização de casos e óbitos de covid-19.

Além disso, a Secretaria de Saúde tem compromisso com a transparência das informações prestadas à população. Por fim, entendendo que a divulgação de dados podem gerar interpretações errôneas, a Secretaria de Saúde está revisando os informes no intuito de mitigar os possíveis equívocos.

Entenda

Circula nas redes sociais um levantamento sobre mortes por covid-19 no Distrito Federal que questiona a eficácia dos imunizantes. A mensagem aponta a quantidade de pessoas vacinadas com ao menos uma dose entre o total de óbitos nos primeiros dias deste mês. O argumento de quem escreveu o texto é de que, por haver mais imunizados entre os falecidos, “a aplicação da vacina está tendo um efeito contrário ao pretendido.”

De 1º de fevereiro até essa quarta-feira (9/2), o Distrito Federal registrou 82 mortes em decorrência da covid-19. Dessas, 74 pessoas (90,2%) sofriam de alguma comorbidade. Levando em conta o total de infecções diárias do período (42.785), a proporção de falecimentos em relação aos casos é de pouco menos de 0,2%. Os dados são da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF).

Entre os 82 óbitos confirmados, 49 indivíduos (59,75%) haviam tomado as duas doses das vacinas e oito (9,75%) tinham recebido apenas a primeira aplicação. Outras 11 vítimas (13,4%) estavam com a dose de reforço e três pessoas (3,65%) estavam sem dose nenhuma. Não há informação sobre a imunização de 11 pacientes.

Em relação às faixas etárias, 37 cidadãos (45%) tinham 80 anos ou mais; 14 indivíduos (17%), de 70 a 79 anos; 16 pessoas (19,5%), de 60 a 69 anos; três pacientes (3,6%), de 50 a 59 anos; oito vítimas (9,7%), de 40 a 49 anos; três brasilienses (3,6%), de 30 a 39 anos; e uma pessoa (1,2%) entre 20 e 29 anos.

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