Lei Seca

Mais de 27 mil motoristas foram flagrados bêbados no ano passado

No ano passado, o número de autuações superou 27 mil. Em 2020, foram 21.847. Feriado de carnaval terá força-tarefa para coibir a alcoolemia ao volante no DF, e equipes de inteligência monitoram as redes sociais para descobrir festas clandestinas

Guilherme Marinho
Adriana Bernardes
postado em 25/02/2022 06:00
 (crédito: Editoria de Arte)
(crédito: Editoria de Arte)

A cada três horas, em média, um motorista é pego dirigindo alcoolizado pelas ruas do Distrito Federal. A conduta ilegal acende o alerta para as forças de segurança, que planejam os últimos detalhes da operação para coibir o aumento de casos durante o feriadão de carnaval. Para o governo local, mesmo com a proibição da folia em locais públicos ou com cobrança de ingressos, a expectativa é de que mais pessoas se arrisquem ao volante bêbadas, aumentando o risco de acidentes e mortes no trânsito.

Os eventos festivos autorizados pelo Governo do Distrito Federal (GDF) estão mapeados. Assim como as quadras comerciais, especialmente aquelas com alta concentração de bares e restaurantes, de todas as regiões administrativas. Equipes de inteligência estão monitorando as redes sociais para descobrir onde haverá festas privadas ou folias clandestinas. O conjunto dessas informações é o ponto de partida para fechar o cerco aos infratores.

Diretor de Policiamento e Fiscalização do Departamento de Transito (Detran), Glauber Peixoto informou que as ações serão integradas, ou seja, além dos agentes de trânsito da própria autarquia; do Departamento de Estradas de Rodagem (DER); policiais do Batalhão de Trânsito da Polícia Militar e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). "A fiscalização começa nesta sexta-feira (25/2) e ocorrerá de forma integrada. A meta é abordar o maior número possível de condutores, evitando que eles dirijam alcoolizados e provoquem acidentes. Ano passado, mesmo sem a folia, tivemos aumento de alcoolemia ao volante. Por isso, vamos intensificar ainda mais este ano", reforçou.

Na avaliação de Glauber Peixoto, com o avanço da vacinação, as pessoas se sentirão mais seguras para participar de eventos, ainda que familiares, e, consequentemente, beber e dirigir. "Ano passado, o brasiliense não tinha se vacinado ainda e estava mais contido. Este ano, com o avanço da imunização, temos elementos para acreditar que haverá mais gente na rua e, os imprudentes estão entre eles", avaliou.

Portanto, enfatiza Glauber, quem está com planos de aproveitar o feriado bebendo — uma taça ou uma caixa de bebida alcoólica — se organize para não pegar o volante. "Não pense que por estar em uma festa privada vai ter impunidade. Há muitas opções para se divertir sem infringir a lei e sem colocar a própria segurança e a dos outros em risco. Tem o amigo da vez, motorista de aplicativo, ônibus ou metrô", sugere Peixoto.

Sem carteira

A proibição de dirigir alcoolizado está no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) há, pelo menos, meio século. Mas somente após a alteração da lei, em junho de 2008, é que o tema ganhou destaque e virou assunto nas mesas de bar e churrascos de família. Apesar da ampla divulgação das normas, a quantidade de brasilienses com a Carteira Nacional de Habilitação Suspensa (CNH) por dirigir alcoolizado não para de crescer.

No ano passado, 4.729 condutores foram proibidos de pegar o volante durante um ano por ter sido pego bêbado ao volante. O número é 207,8% maior do que no mesmo período de 2020, primeiro ano da pandemia. E é praticamente igual ao de 2019, anterior à crise sanitária.

Dono de uma loja de informática no Plano Piloto, Gustavo (nome fictício a pedido da fonte), 35 anos, está entre os que tiveram a licença para dirigir suspensa. "Fui a um baile de carnaval perto de Brazlândia, bebi e voltei dirigindo. Eu tenho consciência de que estava bem para pegar o volante. Eu me conheço. Mas, enfim, qualquer valor (no bafômetro) dá multa", relata.

Gustavo não recorreu do processo de suspensão, concluído em junho do ano passado. Neste período admite ter pegado o volante mesmo sem o documento. E não procurou a Escola Pública de Trânsito do Detran para fazer as aulas de reciclagem e a prova, uma exigência para reaver a permissão para pegar o carro. "É impossível ficar sem dirigir em Brasília. Sei que tenho que fazer as aulas, mas, não tenho tempo", justifica. 

A multa e todas as punições previstas em lei é o que menos deveria importar. Há casos, em que o condutor alcoolizado provoca sinistros de trânsito e mata. Foi o que aconteceu em 28 de novembro do ano passado, em Taguatinga. Alcoolizado e dirigindo na contramão da via, um motorista de 23 anos matou Fábio Freire Pontes, 38. O teste do bafômetro acusou 0,57 miligramas de álcool expelido dos pulmões. Fábio era casado e deixou dois filhos órfãos.  

As abordagens nas vias do DF revelam que cerca de 85% a 90% dos condutores pegos alcoolizados ao volante são do sexo masculino. Entre eles, a faixa etária mais comum é dos 25 aos 35 anos e a partir dos 50 anos. "Os jovens recém-habilitados são menos imprudentes e mais conscientes sobre o risco da mistura de álcool e volante", avalia Glauber Peixoto, do Detran, com a ressalva de que os dados do perfil dos flagrantes de alcoolemia são baseados na percepção do trabalho na rua e não estão tabulados com metodologia estatística.

Doutora em transportes e professora da Universidade de Brasília (UnB) dos cursos de engenharia civil e do Programa de Pós-Graduação em Transportes,Michele Andrade ressalta que beber e dirigir é uma questão comportamental e que há dispositivos para conscientizar a população sobre os perigos de conduzir alcoolizado um automóvel."Os pilares são pautados na educação, com o processo de formação de condutores e campanhas constantes. Trabalhar esse temos nas escolas desde os anos iniciais é importante, mas pode causar um choque geracional. Essa medida terá efeitos a longo prazo. A criança vai saber que o comportamento é incorreto e questionar os pais, mas o exemplo acaba tendo uma força muito grande. Temos que saber que o resultado é a longo prazo. A curto prazo, precisamos agir em cima dos adultos, com formação de condutores e companhas", detalha.

Michele critica a demora entre o motorista cometer a infração e receber a multa, que leva, em média, seis meses. "Esse período tem um papel fundamental na mudança comportamental. Mas o dispositivo mais forte que temos é, sem dúvida, a fiscalização e a punição", finaliza a professora.

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Uma dose pode ser fatal

"Uma dose de álcool já começa a fazer efeito no cérebro e é o suficiente para prejudicar algumas habilidades que são importantes para a direção, como a atenção e os reflexos, que são fundamentais para situações inesperadas, como alguém ou um animal atravessando a rua do nada. Nós temos aquela ideia que o álcool só faz efeito quando estamos trocando as pernas ou desorientados, e não é assim que funciona. Outra coisa de destaque é que, às vezes, uma mesma quantidade de álcool pode agir diferente, depende da velocidade que a pessoa consome, se ela está com o estômago vazio. Não é seguro tomar apenas uma cerveja.

A população mais jovem tem o padrão de beber em "binge", aqueles que bebem em grandes quantidades — cinco doses ou mais, no caso de homens; quatro doses ou mais, no das mulheres — em um intervalo de duas horas. Mesmo que uma vez na semana, é um uso que pode ter consequências graves, gerando um efeito mais intenso do álcool, e esse padrão é o suficiente para que a pessoa corra perigos como acidentes no trânsito, afogamento, ser vítima de violência ou ser um agressor.

Nem todo mundo que dirige por efeito do álcool é alcoólatra. Então, a pessoa não precisa ser viciada para se expor a problemas. A Lei Seca trouxe um choque de realidade, de que não há necessidade de ter uma grande quantidade álcool para gerar prejuízos."

Helena Moura, psiquiatra especialista em dependência química e professora da Faculdade de Medicina da UnB

 

Tolerância zero

Em 18 de junho, a Lei Seca completa 14 anos. Desde então, as punições para quem dirige bêbado estão mais rígidas e, hoje, a tolerância para a combinação álcool e volante é zero, independentemente da quantidade ingerida. Quando o bafômetro acusa até 0,29 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões, o condutor é multado em R$ 2,7 mil e responde a processo administrativo de suspensão do direito de dirigir por 1 ano. O processo dura, em média,seis meses e, após concluído, a pessoa só pega a CNH de volta, depois de frequentar a Escola Pública de Trânsito, onde fará um curso de reciclagem com 32 horas de duração, divididas em oito encontros. Matérias de legislação, direção defensiva, relações interpessoais e primeiros socorros. No fim do curso, tem uma prova. Se houver reincidência no prazo de até 12 meses, o infrator paga a multa em dobro e responderá a processo de cassação da CNH por dois anos. O infrator precisará refazer todo o processo para obter uma habilitação.

A um gole do crime

Se o teste do bafômetro acusar um índice superior a 0,29 miligramas de álcool por litro de expelido dos pulmões, o motorista comete crime de trânsito e, além das punições administrativas, ele responde a processo judicial. Em caso de condenação, a pessoa perde a condição de réu primário. Por conta da margem de erro do etilômetro, estabelecida na Resolução 432/13, do Conselho Nacional de Trânsito, o crime de trânsito fica caracterizado com 0,34 miligramas de álcool por litro de expelido dos pulmões.

Atitude que mata

Veja o número de flagrantes de motoristas embriagados pelas ruas do DF

Autuações realizadas com base no artigo n° 165 do CTB (dirigir sob efeito de álcool)

2018: 21.763 multas
2019: 22.856 multas; variação de 5%
2020: 21.847 multas, variação de -4,4%
2021: 27.334 multas, variação de 25,1%

CNH suspensa por alcoolemia ao volante

2018: 2.575 suspensões
2019 4.952 suspensões; variação de 92,3%
2020 1.536 suspensões; variação de -68,9%
2021 4.729 suspensões; variação de 207,8%

Outros carnavais

Acidentes e mortes durante o feriado de carnaval
2018: 0 acidentes
2019: 5 acidentes (5 mortes), sendo 2 vítimas com teste positivo para álcool
2020*: 3 acidentes (3 mortes)
2021*: 2 acidentes (2 mortes)

*Nos anos de 2020 e 2021, o Detran não recebeu dados de exames toxicológicos realizados nas vítimas pelo IML.

Fonte: Detran/DF

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