Violência contra a mulher

Distrito Federal registra quatro feminicídios nos primeiros 19 dias do ano

Número de casos desse tipo de crime este ano equivale ao total registrado no primeiro trimestre de 2022. Especialistas avaliam a necessidade de um atendimento mais humanizado a vítimas de agressões e falam do perfil dos criminosos

Ana Maria Pol
Amanda Sales
Ellen Travassos
postado em 20/01/2023 05:46 / atualizado em 20/01/2023 05:47
Fernanda Letícia da Silva, Mirian Nunes, Jeane Sena da Cunha Santos e Giovana Camilly foram vítimas de feminicídio  -  (crédito: Fotos: Redes sociais e material cedido ao Correio)
Fernanda Letícia da Silva, Mirian Nunes, Jeane Sena da Cunha Santos e Giovana Camilly foram vítimas de feminicídio - (crédito: Fotos: Redes sociais e material cedido ao Correio)

Em apenas 19 dias do ano, ocorreram quatro casos de feminicídio no Distrito Federal, a mesma quantidade registrada entre os meses de janeiro e março de 2022. O avanço desse tipo de barbárie preocupa. 

Todos esses crimes têm um ponto em comum: histórico de agressão, conforme destaca Manon Garcia, advogada e sócia-fundadora do Instituto Retomar — de combate e prevenção à violência contra a mulher. "Isso só confirma como o feminicídio não acontece de uma hora para outra, é uma construção de mini-ataques", afirma.

Para ela, as ocorrências ilustram claramente como o ciclo da violência e a dependência psicológica funcionam. "Começa com pequenos atos e pode acabar em uma fatalidade. Quando tem um conflito entre o casal em que há uma prevalência de poder e a mulher passa a ter medo do que vai falar, a ter ansiedade, é preciso ligar o alerta", observa.

A especialista explica que, em vários casos, as mulheres não conseguem se libertar desse processo porque não o identificam. Além disso, destaca que muitas vítimas têm dependência financeira e psicológica dos abusadores. "Hoje, a informação chega mais fácil, mas é preciso ampliar esse trabalho para que mais mulheres saibam sobre o ciclo. O ideal seria que falassem sobre isso nas escolas, acho que quanto mais cedo essa informação chegar às pessoas, melhor", complementa.

O último caso ocorreu na quarta-feira (18/1), quando Giovana Camilly, 20 anos, levou dois tiros no rosto do companheiro Wellington Rodrigues, em Ceilândia Sul. O velório da jovem está marcado para as 14h desta sexta-feira (20/1), no Cemitério de Taguatinga, e o sepultamento será às 16h.  As outras três vítimas de feminicídio este ano foram Fernanda Letícia da Silva, 27, Mirian Nunes, 26, e Jeane Sena da Cunha Santos, 42.

Perfil dos agressores

O comportamento do agressor, em geral, é o mesmo em relação a todas as mulheres, mesmo que sejam a mãe, uma irmã ou filha. "São controladores, acham que as mulheres não têm direitos, devem servir ao homem. Têm traços de personalidade narcisista, controladora e também manipuladora. Costumam controlar a roupa, fiscalizar redes sociais, têm ciúmes até mesmo de familiares da vítima", enumera Mariana Nery, advogada especializada em direito da mulher.

Esses traços de personalidade se sobressaem em ocasiões como festas, encontros com amigos, férias, ingestão de bebida alcoólica. "Os agressores veem as mulheres como posses. Por exemplo, em momentos de grandes transições, como quando há trocas de governo, e de ânimos exaltados, o homem vai descontar em casa, porque vê a mulher como um elo frágil, um saco de pancada", resume.

Falta sensibilidade

Muitas vítimas buscam ajuda nas delegacias especializadas em atendimento à mulher. Mas a advogada Mariana Nery relata que há limitação, tanto nas unidades policiais quanto no Judiciário. "O que ajudaria, além de políticas públicas, que devem ser restabelecidas nesse novo governo, é a lei ser fiscalizada e efetiva", analisa.

A advogada também aponta para a importância de um atendimento mais humanizado nos órgãos que compõem o sistema de Justiça. Para ela, falta sensibilidade. "Atuar como promotora é difícil, pois, ao acompanhar as vítimas, vejo que elas se sentem agredidas ao fazerem a denúncia na delegacia e também nas audiências", revela.

Medidas protetivas são emitidas em até 48 horas quando solicitadas e atendidas pela Justiça. Porém, Mariana chama a atenção para as fragilidades desse instrumento legal. "Muitas vezes, não passam de um papel. Nas regiões onde existe policiamento, a medida protetiva é eficaz, porque a vítima pode acionar a polícia e ela age de forma rápida. Onde não há policiamento, acaba não funcionando", lamenta.

Quem são as vítimas

Fernanda Letícia da Silva, 27 anos

Assassinada pelo companheiro, Maxwel Lucas Rômulo Pereira de Oliveira, 32. Em 1º de janeiro, Fernanda foi à residência do namorado, em Ceilândia, e o convidou para sair. O homem não aceitou, o que gerou uma discussão e agressões físicas entre eles. O autor, que se entregou no dia seguinte, afirmou que, durante a discussão, Fernanda pegou uma faca e o atingiu no pescoço e no rosto, momento em que ele conseguiu tomar a arma, imobilizar e apertar o pescoço da vítima.

Mirian Nunes, 26 anos

Enforcada em 2 de janeiro. O crime aconteceu em Ceilândia, na frente do filho do casal, um bebê de apenas um mês. O autor foi o companheiro da vítima, André Luiz Muniz Dos Santos, 51. O casal se relacionava há cerca de um ano e tinha histórico de violência doméstica. Em novembro de 2022, Mirian procurou a Polícia Civil e o denunciou. À época, foi encaminhada à Casa Abrigo, para ficar em segurança, mas, após sair do local para dar à luz, optou por reatar o relacionamento. André foi preso quatro dias depois.

Jeane Sena da Cunha Santos, 42 anos

Recebia ameaças constantes de morte do ex-companheiro João Inácio dos Santos, 54, e solicitou medidas protetivas contra ele, em outubro passado, depois de registrar ocorrência policial. Em 17 de janeiro, foi assassinada por ele com um tiro, no Setor de Mansões do Park Way. Após o crime, o feminicida tirou a própria vida.

Giovana Camilly Evaristo Carvalho, 20 anos

Dolis disparos de arma de fogo no rosto resultaram na morte de Giovana Camilly Evaristo Carvalho. O crime foi cometido pelo marido, Wellington Rodrigues Ferreira, após uma discussão do casal, na noite de 18 de janeiro, em Ceilândia. Giovana foi levada ao Hospital Regional de Ceilândia (HRC), mas não resistiu aos ferimentos. Wellington foi encontrado pela polícia horas depois, em um estacionamento público, com sangue da vítima na roupa.

Onde pedir ajuda

» Ligue 190: Polícia Militar

» Ligue 197: Polícia Civil

» E-mail: denuncia197@pcdf.df.gov.br

» WhatsApp: (61) 98626-1197

» Site: pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher

» Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias

Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias

» Deam 1: atende todo o DF, exceto Ceilândia.

» Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.

» Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673.

» E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br.

Deam 2: atende apenas Ceilândia.

» Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia.

» Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438.

Secretaria da Mulher do DF

» Whatsapp: (61) 99415-0635.

Promotorias nas regiões administrativas do DF

Endereços disponíveis no site do Ministério Público: mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justica-nas-cidades.

Defensoria Pública do DF

» Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)

» Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103-1765.

» WhatsApp (61) 999359-0032.

» E-mail: najmulher@defensoria.df.gov.br.

Núcleos do Pró-Vítima

Há oito unidades de atendimento: Brasília, Ceilândia, Guará, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Itapoã e Taguatinga.

Os endereços podem ser consultados no site da Secretaria de Justiça: sejus.df.gov.br/pro-vitima/.

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