Quase dois meses após o apartamento onde morava Zely Curvo, 94 anos, pegar fogo, o laudo da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) concluiu, ontem, que o incêndio foi criminoso e teve como foco a maca em que a idosa, morta pelas chamas, passava o tempo inteiro deitada. Lauro Estevão Vaz, 64, filho de Zely, foi indiciado por feminicídio triplamente qualificado — por motivo torpe, uso de fogo, e por recurso que impossibilitou a defesa da vítima — e fraude processual.
A PCDF destacou que ele está preso temporariamente e foi apresentado o pedido para a conversão em preventiva. De acordo com a delegada-chefe adjunta da 21ª DP, Elizabeth Cristina Frade, caso seja condenado, Lauro pode pegar até 30 anos, pelo crime de feminicídio, acrescido de um terço da pena, por se tratar de uma vítima maior de 60 anos, além de mais dois anos, por fraude processual.
"Dentre outros elementos, foram analisadas as imagens do dia dos fatos, sendo possível constatar que Lauro sai da residência em horário coincidente com aquele que vizinhos do apartamento afirmam que teria iniciado o cheiro de fumaça, às 8h", afirmou a delegada. Durante as investigações, testemunhas relataram que o ex-médico deixava, constantemente, a idosa sozinha, durante longos períodos de tempo, e não arcava com os custos de uma cuidadora — Zely era acamada, incapaz de se movimentar, desde que sofreu um AVC.
Testemunhas também afirmaram à polícia que Lauro Estevão, enquanto era responsável por gerir os recursos financeiros da mãe (R$ 12 mil mensais), gastava os valores com suas próprias despesas pessoais. "Lauro parou de ter acesso aos valores neste ano, por isso, acredita-se que o crime possa ter motivação financeira", destacou a delegada-chefe adjunta da 21ª DP. À reportagem, a defesa de Lauro, o advogado Daniel Pessoa Paccini Vaz, informou que não vai se manifestar neste momento.
Fraude
A investigação da Polícia Civil apontou que Lauro retornou ao apartamento, enquanto o local estava isolado e aguardava por perícia, em pelo menos três oportunidades. No mesmo dia do incêndio, em 31 de maio, à noite, o autor compareceu à residência, e retirou diversos objetos do local. Em 1º de junho, o ex-médico foi novamente ao local do crime, segundo a PCDF, onde permaneceu por cerca de uma hora e meia e retirou mais objetos. No dia seguinte, 2 de junho, foi impedido pelo síndico de acessar o apartamento, mas, em 3 de junho, ele conseguiu entrar novamente no imóvel, promovendo alterações na cena do crime, de acordo com as investigações.
Lauro foi preso temporariamente em 14 de junho, duas semanas após o incêndio. Na época, o Correio teve acesso, com exclusividade, à decisão judicial que culminou na prisão de Lauro. O documento, assinado pelo desembargador Mário-Zam Belmiro, revelava os motivos da detenção e confirmava que o ex-médico saiu do imóvel da mãe cinco minutos antes do incêndio.
A Justiça considerou que o suspeito estaria atrapalhando a colheita de provas e, possivelmente, "ocultando elementos necessários ao deslinde da apuração, retornando ao apartamento mesmo durante o período em que isolado o local pela perícia criminal".
O Correio também apurou que, em depoimento prestado no dia da autuação por fraude processual, Lauro contou à polícia que, no momento do incêndio, estava em outra região em busca de uma cuidadora para prestar serviços à mãe. Mas, essa não foi a única versão dele. "Lauro apresentou informações contraditórias sobre o que estaria fazendo após sair da residência, o que confirmaria sua intenção de desviar o curso da apuração. Destaca-se que os fatos são graves, haja vista que o crime tem como vítima uma mulher idosa de 94 anos que se encontrava acamada, portanto, vulnerável, bem como são contemporâneos", afirmou o desembargador Mário-Zam.
Saiba Mais
Memória
O incêndio no apartamento ocorreu em 31 de maio. A idosa, identificada como Zely Curvo, 94 anos, estava sozinha no momento. O tenente-coronel Paulo Roberto, do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), disse, na época, que o socorro foi acionado por volta das 9h. As chamas ficaram restritas a um dos quartos do apartamento. O militar disse ainda que, após o combate às chamas, foi possível visualizar o corpo de uma senhora em meio aos escombros, já sem vida. O fogo chegou a sair pela janela do imóvel e quebrar os vidros das janelas dos apartamentos do terceiro andar, mas as chamas não chegaram a atingir outros imóveis do residencial.
Agravante
Quando falamos de local de crime, ele deve ser preservado para que se tenha a perícia, que é fundamental para apontar, com exatidão, se houve uma ação humana (crime doloso) ou se foi algo acidental. Ninguém pode entrar, a não ser o próprio perito ou uma pessoa autorizada por ele. Enquanto não houver a perícia no local do crime, que está isolado, qualquer pessoa não autorizada que invadir a cena, pode responder por fraude processual.
No caso do Lauro Estevão Vaz, o fato de ele ter invadido o local de crime, faz com que as autoridades policiais desconfiem que o acusado tenha a intenção de esconder provas que poderiam ser colhidas durante a perícia. Isso faz com que sua prisão, temporária ou preventiva, seja mantida. Se comprovado que houve a alteração ou retirada de possíveis provas, isso vai prejudicá-lo ainda mais no processo, começando pela dosimetria de pena que, ao invés de começar com 12 anos de prisão, inicie com 14 ou 15 anos, podendo chegar à pena máxima de 30 anos.
Alexandre Carvalho, advogado criminalista
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