
Os temporais que vêm atingindo o Distrito Federal nos últimos dias deixam rastros de destruição em diversas regiões, como em Ceilândia, Planaltina, Gama, Arniqueira e Guará. Os moradores dessas cidades relataram ao Correio as perdas materiais e os danos emocionais que as inundações têm causado em suas vidas. Além disso, eles cobram ações imediatas do poder público para prevenir mais tragédias e transtornos.
Segundo a Subsecretaria do Sistema de Defesa Civil (Sudec), o DF tem 36 áreas de risco distribuídas por 19 regiões administrativas. Esses locais são monitorados continuamente devido a ameaças como alagamentos, declives acentuados, proximidade de córregos e infraestrutura de drenagem insuficiente.
Desde o início do período chuvoso, foram atendidas 16 ocorrências relacionadas aos temporais, sem registro de vítimas. A Defesa Civil do DF segue orientando a população sobre os riscos das inundações e disponibilizando alertas de temporais por SMS. Os brasilienses que desejam se cadastrar, precisam enviar o CEP da área de interesse para o número 40199.
Perdas
Rita Maria Gomes, 80 anos, pensionista e moradora do condomínio Cecília Meireles, no Guará Park, há duas décadas, descreveu o drama vivido durante a última inundação em 12 de janeiro. "Estávamos em casa quando a água começou a entrar de repente. O portão não abria por causa da força da enxurrada, e precisei pular com a ajuda de uma escada. Perdi tudo. É a segunda vez em dois anos. Estou exausta e emocionalmente derrubada", lamentou ao Correio.
Vizinha de Dona Rita, Dorcila Maria da Silva, 76, vive uma situação semelhante. "Ano passado, perdemos tudo e, agora, aconteceu de novo. Além dos prejuízos materiais, o emocional vai embora. Somos idosas, não podemos abandonar nossas casas, mas também não aguentamos mais. Precisamos de ajuda urgente", desabafou.
Ela ainda fez um apelo as autoridades públicas. "Pelo amor de Deus, façam algo. Não podemos vender nossas casas e passar esse problema para outra família. Só queremos uma solução porque nós todos estamos muito cansados. Queremos sentir paz e alegria novamente", enfatizou Dorcila Maria.
No Guará 2, a rua do Conjunto J e uma quadra esportiva ficaram submersas após a forte chuva. Moradores reclamam que o problema é recorrente e apontam o descarte irregular de lixo como principal causa. "Todo dia que chove mais forte, isso acontece. O problema é o lixo jogado nos bueiros, que entope tudo. Os catadores bagunçam o lixo e não arrumam. A água dos prédios também desce toda para cá, formando esses buracos enormes", afirmou Osana Favacho, 64 anos.
"Durante a noite, fica impossível passar por aqui. Pois, as luzes dos postes não funcionam e a rua alagada está cheia de buracos. Esses dias eu fui passar com o carro e a água estava tampando os bancos da quadra", apontou César Fernando, 64.
O artista plástico Eduardo Alexandre de Carvalho, 51, conhecido como "Vento Leve", chegou ao comércio da região há três meses e ficou surpreso com a situação. "Nunca vi algo assim. A chuva foi muito violenta, e está difícil até de passar por aqui", lamentou.
A Novacap informou que o local foi vistoriado e a limpeza da boca de lobo incluída no cronograma.
Projetos
O secretário de Obras do DF, Valter Casimiro destacou que a pasta tem desenvolvido projetos de drenagem em diversas regiões administrativas, mas reconheceu que ainda há desafios a serem superados. "Temos criado soluções para ampliar a capacidade de drenagem em cidades, como Taguatinga e Ceilândia. O método não destrutivo (subterrâneo), utilizado no plano piloto, é mais caro, mas ele é essencial em áreas consolidadas. Nas regiões que tiveram o crescimento desordenados, como Sol Nascente e Arniqueira, usaremos o método tradicional (acima do solo)", explicou ao Correio.
Em relação aos problemas enfrentados pelos morados do Guará, o secretário disse que há um projeto de drenagem específico para a região. A proposta está em fase de licitação e não há previsão de entrega e nem de valor investido.
Especialista
Para Francisco Jácome Sarmento, 60, doutor em Engenharia Civil, a impermeabilização descontrolada dos solos urbanos é um dos principais fatores que agravam os alagamentos. "A urbanização sem controle adequado sobrecarrega os sistemas de drenagem existentes, comprometendo a capacidade de vazão. Além disso, com as mudanças climáticas, eventos hidrológicos tendem a se intensificar, aumentando ainda mais os problemas em áreas vulneráveis", ressaltou.
O especialista ainda avaliou que o crescimento urbano sem planejamento sobrecarrega os sistemas de drenagem. "Com o aumento das áreas impermeabilizadas, a água das chuvas não consegue infiltrar no solo, causando enchentes", destacou.
*Estagiária sob supervisão de Márcia Machado