
O crime de lesão corporal seguida de morte saltou 1.100% de 2023 a 2024 no Distrito Federal. O dado preocupante foi divulgado pela Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), ontem, na apresentação de um balanço da criminalidade na capital. Em 2023, ocorreu apenas um caso de lesão corporal seguida de morte, em contraste ao ano passado, que registrou 12 crimes desta natureza. Trata-se do maior número levantado desde 2001.
Pessoas em situação de rua, segundo o subsecretário de Gestão e Informação, George do Couto, são as principais vítimas da lesão corporal seguida de morte, com, pelo menos, quatro mortes das 12 registradas, que, por vezes, resultam de conflitos neste próprio grupo. Para Sandro Avelar, secretário de Segurança Pública, o aumento da criminalidade entre essa população tem relação com a legislação, que coíbe abordagens anteriormente feitas pela Polícia Militar.
"O morador de rua tem o direito de continuar morando nesses espaços, mas temos tentado usar os equipamentos do Estado para que essas pessoas tenham condições de ir para abrigos. É uma luta feita com muita dificuldade, mas que o GDF vem enfrentando, criando vagas para acolhê-las", destaca Avelar, que acrescenta serem frequentes os crimes por arma branca entre essa população.
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Ainda sobre a questão de lesão corporal seguida de morte, George do Couto, responsável por apresentar os dados, explica tratar-se de um crime preterdoloso: "Significa que há o início de uma lesão corporal e o resultado — não esperado, mas assumido pelo agente — é a morte. A maioria dos casos ocorreu por espancamento", informa.
Além desse tipo de violência, apresentaram alta os crimes de furto mediante fraude (golpes), importunação sexual, violência doméstica e familiar, furto em comércio, furto de veículos, tráfico de drogas e lesão corporal dolosa. A boa notícia é que outros crimes tiveram reduções consideráveis em 2024, como homicídios, feminicídios, latrocínios, roubos a coletivos, a comércios e a veículos e estupro de vulnerável. Mortes decorrentes de intervenção policial caíram 41%, a segunda menor taxa do Brasil.
Casos de feminicídio registraram queda de 26%, visto que, no ano passado, houve 23 crimes, oito a menos que 2023. Sandro Avelar ressalta que a redução deste crime se deve a maior quantidade de canais para que elas possam procurar as forças do Estado em situações de perigo. "Porém, só estaremos satisfeitos quando conseguirmos zerar essas ocorrências no DF. É uma luta que envolve o engajamento de toda a sociedade", ressalta.
Década
O balanço da criminalidade feito pela SSP-DF também contemplou dados dos últimos 10 anos. Dos 15 crimes que apresentaram alta entre 2015 a 2024, os saltos mais expressivos são de importunação sexual (1.507%), racismo (875%), furto de cabos (695%), extorsão (322%) e estelionato (237%). Tiveram reduções consideráveis os crimes de roubo em coletivos (90%), roubo em comércio (86%), latrocínio (82%), roubo de veículo (79%) e roubo em residências (77%).
Em 2024, os homicídios tiveram queda de 12% em comparação a 2023. Segundo a Subsecretaria de Gestão da Informação, sete regiões administrativas não registraram casos deste crime no ano passado, são elas: Arniqueira, Candangolândia, Cruzeiro, Jardim Botânico, Riacho Fundo, Sudoeste/Octogonal e Varjão.
Homens são maioria entre as vítimas de homicídio, totalizando 95% dos casos, e os principais instrumentos utilizados nos crimes são arma de fogo (41%) e arma branca (40%). Quanto aos locais dos crimes, 48% ocorreram em via pública e 17% em bares ou distribuidoras de bebidas. O secretário de Segurança Pública diz estudar medidas que alterem o horário de funcionamento desses estabelecimentos.
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De acordo com a comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), Ana Paula Barros, um problema enfrentado no âmbito da segurança pública no DF é a reincidência. "O homem que foi preso por agredir uma idosa recentemente, havia sido preso três vezes nos últimos meses e voltou para a rua", lembra. "Ele havia cometido crimes de menor potencial ofensivo e acabava sendo solto. De certa forma, ele estava vendo que acabava compensando", completa.
Outra notícia boa é que Brasília — comparada, no levantamento, como cidade-estado e unidade da Federação — tem a terceira menor taxa de homicídios do país. De acordo com painel público do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), o DF conquistou a terceira menor taxa de homicídios do país e teve a maior redução na quantidade de crimes desta natureza entre 2015 e 2024, com diminuição de 69% neste período. Em segundo lugar ficou São Paulo, com redução de 47%, e Santa Catarina, queda de 45%.
Golpes
A evolução tecnológica, segundo o George do Couto, influencia fortemente em crimes como estelionato, extorsão e furto mediante fraude. "Trata-se de um rearranjo da sociedade e da própria criminalidade, anterior, inclusive, à pandemia. Os criminosos migram para modalidades cada vez mais difíceis de alcançarmos", pontua. "A lógica do furto mediante fraude, por exemplo, envolve articulações nacionais, então, o combate a esses rearranjos não podem se dar apenas localmente", completa.
Quanto ao crime de importunação sexual, que teve um aumento expressivo nos últimos anos — a lei contra esse tipo de violência entrou em vigor em 2018 — o subsecretário alerta que a maior preocupação das forças de segurança está justamente no período do carnaval. "São crimes que ocorreram fora do contexto da violência doméstica e familiar. De fato, os casos têm aumentado e as ferramentas de notificação também se modificaram. Em 2020, a delegacia eletrônica foi 'destravada' e hoje registramos praticamente todos os crimes por esse meio. Então, podemos estar diante de uma correção de subnotificação, de 2018 para 2024", explica.
Novas ações
Segundo o subsecretário George Couto, é preciso consistência na construção e implementação de políticas públicas. "Não basta adotarmos determinados mecanismos que não se sustentam ao longo do tempo. A partir de uma política bem implementada, todo o plano estratégico e operacional passa a funcionar bem".
A comandante Ana Paula Barros, destaca a importância da análise dos números para a atuação ostensiva da corporação. "Os dados são importantes para podermos continuar a trabalhar, numa integração fundamental. Diante dos números, a PMDF, que é ostensiva, consegue identificar padrões e atuar de forma mais eficiente, baseada em evidências", explica.
Ela informa que está em produção um protocolo de atuação integrado para atuação com base no design de ambiente (gestão de espaços mais seguros). "Precisamos pensar, por exemplo, na iluminação pública e no envolvimento integral da população. Esse protocolo está sendo construído e temos obtido bons resultados", diz a coronel.
Para potencializar a preparação e divulgação dos dados, será lançado, em abril, o Anuário de Segurança Pública do DF, além de estar em fase final a construção do portal de dados abertos da SSP-DF.
Análise
Segundo a avaliação da presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Ana Izabel Gonçalves de Alencar, a redução de alguns crimes se deve à posse e integração de novos agentes de segurança no Distrito Federal em 2024. "Embora não tenha resolvido totalmente a insegurança, porque ainda precisamos completar o quadro deficitário de agentes da segurança pública, ajudou muito", comenta a advogada, referindo-se aos 1.260 novos policiais militares convocados em 2024.
Na avaliação da especialista, a utilização da identificação facial por meio de câmeras de segurança instaladas em vários pontos do DF poderia ajudar a diminuir a criminalidade. "Ajudaria a diminuir a sensação de insegurança da população. Isso é feito nos Estados Unidos e implementado recentemente em São Paulo", destaca.
A ferramenta de reconhecimento facial, além de identificar o indivíduo infrator, pode localizá-lo com facilidade. "Dessa forma, inibirá a prática de muitos crimes e os fugitivos poderão ser apreendidos facilmente. As câmeras de segurança, que ajudam a solucionar a autoria de vários crimes, também favorecem nos trabalhos de investigação e da inteligência", explicou Ana Izabel. "A solução é a modernização das polícias", acrescenta.
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