
"Ele era casado com a arte". Foi assim que Aldanei Menegaz, mãe de dois filhos de Francisco Galeno, definiu o artista plástico, sepultado sob aplausos e gritos de "Viva Galeno!", na tarde dessa quinta-feira (5/6), na Ala dos Pioneiros do Cemitério Campo da Esperança.
A despedida emocionada reuniu filhos, ex-companheiras, amigos, admiradores e autoridades, que celebraram a vida e o legado de um dos nomes mais importantes da arte popular brasileira.
Galeno morreu na última segunda-feira (2/6), aos 68 anos, em sua residência-ateliê, no Delta-Parnaíba, no Piauí, onde nasceu e para onde havia retornado nos últimos anos de vida. Sua partida comoveu profundamente o meio cultural brasiliense, que compareceu em peso para prestar as últimas homenagens. Em vida, ele construiu uma obra reconhecida tanto no Brasil quanto no exterior, marcada por cores vibrantes, formas lúdicas e símbolos da cultura popular nordestina e da infância em Brazlândia, onde ele cresceu e por lá ficou.
Nascido no Piauí, o curumim arteiro, como era conhecido, chegou ao Distrito Federal aos 8 anos e se radicou em Brazlândia, onde construiu sua identidade como artista. Ao longo da carreira, desenvolveu um estilo singular, que mesclava pintura, escultura e objetos do cotidiano como baladeiras, lamparinas e peões, elementos que marcaram sua infância e que passaram a figurar como signos da brasilidade em sua arte.
Amigos próximos de décadas também estiveram presentes. Zacarias José Soares, 53, conheceu Galeno há mais de 35 anos em Brazlândia. "Ele era simples, generoso e brincalhão. A gente jogava futebol juntos, cada um montava seu time e era uma festa. Mesmo depois que ele foi morar em Parnaíba, me visitava sempre que voltava. Era um amigo de verdade, com um coração muito bom", disse, emocionado, ao Correio.
Afetividade
Entre os mais emocionados na despedida estavam os filhos do curumim arteiro. João Galeno, 35, descreveu a relação com o pai como intensa e próxima. "Além do meu pai, eu enterrei meu melhor amigo. Ele era alguém com quem eu resolvia problemas, batia papo, recebia ligações no meio da noite. Um cara do bem, extrovertido, que deixa um legado de leveza e alegria sem fazer mal a ninguém", declarou.
O filho mais velho, Diego Galeno, 45, relatou uma convivência mais distante, no entanto de extrema admiração. "Em minha vida, ele foi um pouco ausente, mas com o tempo, entendi que não dava para cobrar tanto dele. Passei a separar o artista da pessoa. Sempre admirei a criatividade dele, o jeito de criar sem julgamentos", explicou.
"Ele teve muitas mulheres, muitos filhos, mas se casou mesmo foi com a arte. Não parava nunca, nem para tirar férias. Era um apaixonado pelo que fazia e deixou um legado de beleza, cultura popular e alegria. Ele deixa essa alegria de viver, essa alegria que está presente na obra dele e o mundo precisa dessa alegria presente nas obras dele", ressaltou a ex Aldanei Menegaz, 61.
Reconhecimento
O poeta Nicolas Behr destacou que Galeno era um artista único. "Ele não matou a sua criança interior. Essa criança era o maior aliado dele, seu maior amigo. Foi ela que deu a ele a espontaneidade, a criatividade, o lúdico. Ele trouxe pra arte esse universo infantil que ele carregou, que nunca renegou. Galeno e sua criança eram a mesma coisa, e isso fazia dele o grande artista que foi", afirmou.
A historiadora da arte Graça Ramos, amiga de Galeno desde os anos 1980, acompanhou de perto sua produção. "Ele tinha um talento impressionante, pintava com a cor e a cultura no coração. Um menino travesso, um artista gigante. Nos falamos pela última vez na quinta passada, quando ele me mandou um versinho de São João. Nossa relação era profunda e afetuosa", relembrou a amiga de infância.
Onice Moraes de Oliveira, dona da Galeria Referência, resumiu o legado de Galeno como intenso e rico. "Ele foi um modelo de artista muito íntegro e que sabia o valor de sua obra. Não se interessou por modismos e nem por viver em grandes centros de mercado que poderiam facilitar sua produção e sua comercialização", pontuou.
O empresário Paulo Octavio lembrou com emoção o primeiro encontro com o artista há 30 anos, em Brazlândia, no ateliê onde o piauiense dava vida a sua arte. "Era um homem de bem, que pintava com uma alegria extasiante e com o coração aberto, ele refletia em suas obras o que ele sentia no mundo", disse. Segundo ele, Galeno deixou sua marca não apenas na Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, mas também em cidades como Ceilândia, Taguatinga e até em galerias internacionais, em Nova York, Miami e países da Europa. "Era um herói brasiliense que nos deixa cedo demais", lamentou.
O ex-governador do DF José Roberto Arrud destacou que Galeno era conhecido pelo talento e simplicidade, e é como se lembrará dele. "Conheci o Galeno lá em Brazlândia, há muitos anos. Tenho algumas telas dele em casa. Era uma figura humana maravilhosa, um verdadeiro craque. Ao mesmo tempo em que era um grande artista, era uma pessoa muito simples. Vai deixar saudades", lamentou.
Galeno teve seis filhos de três relacionamentos, Diego e Arthur (com Cleo Guiana), Pedro e Lucas (com Theodora), João e Calou (com Aldanei Menegas). A causa da morte será esclarecida pela necropsia, mas existe a suspeita de que seja em decorrência da dengue.
Saiba Mais
Herança artística
Galeno deixou sua marca na Igrejinha da 308 Sul, onde pintou uma obra em homenagem à Virgem Maria, com uma pipa no lugar das mãos, referência ao trabalho do modernista Alfredo Volpi, que havia pintado originalmente o interior da igreja, apagado posteriormente por reação conservadora. Desde 2009, os azulejos de Athos Bulcão dividem espaço com a obra do piauiense no espaço sagrado. A trajetória do artista também ganhou projeção internacional. Em 2012, a então presidente Dilma Rousseff presenteou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, com uma obra de Galeno, gesto que simbolizou o reconhecimento global de sua arte. Um dos últimos trabalhos que fez foi o painel que está instalado no Salão Nobre do Palácio do Planalto e se chama Quatro estações, que são representadas pelo jogo de cores, na forma de signos da vivência de menino que nasceu na Parnaíba, com pequenos objetos de madeira ao centro (baladeiras, carretéis, lamparinas, peões).
Cidades DF
Cidades DF
Cidades DF
Cidades DF