
Por Jorge Henrique Cartaxo e Lenora Barbo — "O herói, que foi um enigma para os seus contemporâneos pela circunstância claríssima de ser um excêntrico entre eles, será para a posteridade um problema insolúvel pela inópia completa de atos que justifiquem tão elevado renome... Cresceu, prodigiosamente, à medida que prodigiosamente diminuiu a energia nacional. Subiu, sem se elevar — porque se lhe operara em torno uma depressão profunda. Destacou-se à frente de um país, sem avançar — porque era o Brasil que recuava... E foi assim — esquivo, indiferente e impassível — que ele se penetrou na História". As palavras de Euclides da Cunha no seu artigo O Marechal de Ferro, publicado no jornal O Estado de São Paulo em 29 de junho de 1904, resumem bem o caráter e a personalidade de Floriano Peixoto.
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Ele substituiu Deodoro da Fonseca em 1891 e governou, ilegitimamente, até a eleição de Prudente de Morais, em janeiro de 1894. Nunca morou no Palácio — sempre na sua casa no subúrbio —, nunca se apresentou como presidente da República, mas antes como vice-presidente, e, manu militari, desrespeitou a Constituição impedindo a convocação de uma nova eleição para a sucessão do presidente renunciante. Como Deodoro havia deixado o governo antes de completar dois anos no mandato, a Constituição determinava a convocação de uma nova eleição e não a posse definitiva do vice-presidente do momento.
No dia três de novembro de 1891, vinte dias antes da renúncia, Deodoro tomou duas decisões que implodiriam o seu governo, já bastante desgastado: mandou fechar o Congresso e instaurou o estado de sítio, suspendendo todas as garantias e direitos individuais previstos na Constituição. "Não posso por mais tempo suportar esse Congresso; é de mister que ele desapareça para a felicidade do Brasil. Prepare o decreto da dissolução", vociferou e ordenou Deodoro ao seu ministro Barão de Lucena, perfilando todo o seu autoritarismo e imprudência.
Os opositores foram para a cadeia, dentre eles, o emblemático republicano Quintino Bocaiúva. A Câmara e o Senado foram cercados pela cavalaria armada. Em poucos dias, os protestos espalharam-se pelo país. Amedrontados, os governadores afastaram-se de Deodoro. No Rio Grande do Sul, o líder positivista Júlio de Castilhos — defensor da "ditadura científica" — foi deposto. A reação implacável, entretanto, veio da Marinha, sempre desconfortável com a república e saudosista da monarquia. Brandindo pela renúncia de Deodoro, o almirante Custódio José de Mello apontou os canhões dos encouraçados sob o seu comando para a cidade do Rio de Janeiro. Comprovava-se, não por armas estrangeiras, mas pela anarquia interna, as impropriedades geopolíticas daquela capital à beira-mar, sempre levantadas pelos permanentes defensores da mudança da capital para o interior do país.
Atordoado, prisioneiro do caos que inspirou, Deodoro não tinha outro caminho a não ser a renúncia. "Assino o decreto de alforria do derradeiro escravo do Brasil. Não quero aumentar o número de viúvas e órfãos em meu país. Mandem chamar o Floriano. Não sou mais presidente da República e vou pedir a minha reforma", lamuriou em demagogias o velho marechal ao marcar seu garrancho na renúncia presidencial. Deodoro faleceria meses depois, e Floriano iniciaria um sinistro, violento, implacável, sombrio e regressivo período da sempre claudicante República brasileira.
Foi nesse cenário de crise institucional que o Congresso Nacional iniciou o debate para a regulamentação e o cumprimento do dispositivo constitucional que determinava a definição do local, no Planalto Central, para a edificação da nova capital do país. Já no dia 22 de junho de 1891, a Comissão de Obras Públicas e Colonização se manifestaria contrária aos requerimentos dos engenheiros Guilherme Greenhalgh e Thomaz Bezzi; e da Agência Construtora do Banco Impulsor, então representada pelos senhores Pedro Caminha e Franklin Washington. Ambos, com termos distintos, queriam definir o local da nova capital, edificar a cidade e o monopólio dos serviços urbanos: água, energia, transporte, desapropriações etc.
Em 30 de julho de 1891, o deputado Nogueira Paranaguá apresentou o Projeto n.º 71/1891, que não só autorizava as despesas necessárias para a demarcação dos 14.400 quilômetros quadrados no Planalto Central do Brasil, como determinava o início imediato da construção da nova capital: "Art. 2º — Aprovados pelo governo os trabalhos da comissão, e escolhida a área em que deva ser construída a cidade que será a capital federal, abrirá o mesmo governo imediatamente concorrência, no país e no estrangeiro, a proposta para a construção dos edifícios públicos necessários à instalação da nova capital, contratando afinal, depois de maduro exame das respectivas propostas, com quem mais vantagens oferecer; contando que seja empresa nacional legalmente constituída, ou estrangeira autorizada a funcionar no país, e ofereça quer uma, quer outra, todos os requisitos de idoneidade".
A proposta de Nogueira Paranaguá foi amplamente debatida, quando foram consideradas as conveniências financeiras, a exegese exata do Art. 3º da Constituição, bem como da conveniência de se iniciar as edificações da nova capital, tão logo fossem concluídos os trabalhos da comissão exploratória e demarcatória. Naquele momento, também, observou-se a primeira contestação na, até então unânime, decisão de se mudar a capital do Brasil para o Planalto Central. "Notei, Sr. Presidente, que essa ideia de mudança da capital não tinha fundamento senão no ardor de reformar-se, que tanto animava nessa ocasião aos dignos membros do Congresso Constituinte, pois que a capital devia e deve continuar a ser a cidade do Rio de Janeiro, que não só é a mais populosa, mais civilizada da República, como também é o foco da civilização e do progresso da América do Sul", disse o deputado Henrique de Carvalho (MA), naquele momento expressando, também, algumas outras vozes dentro do Congresso Nacional, na sessão do dia 14 de agosto de 1891.
Concluídos os debates, a Comissão de Obras Públicas e Colonização aprovou, no dia 20 de outubro de 1891, o substitutivo n.º 71-B, relativo às propostas 71 e 71 — A, do deputado Nogueira Paranaguá, com a seguinte redação: "Art. 1º — Fica o Poder Executivo autorizado a despender a quantia de 150.000$ para mandar explorar e demarcar no Planalto Central do território da República, na conformidade do Art. 3º da Constituição, a superfície de 14.400 quilômetros quadrados, que devem pertencer à União, para o estabelecimento da sua nova capital; Art. 2º — O Poder Executivo dará à comissão que tiver que executar os trabalhos de exploração e demarcação as necessárias instruções; Art. 3º — A mudança oportuna da capital será deliberada pelo Congresso, em vista dos estudos e dos trabalhos definitivos da comissão; Art. 4 — O Poder Executivo providenciará desde logo quanto à salvaguarda das terras devolutas e matas do novo Distrito Federal". Subscreveram o parecer e o decreto os deputados Antão Faria, Gabino Besouro, José Bevilaqua, Pedro Velho, F. Schmidt, Alfredo Ellis e Domingos da Rocha.
No dia 17 de maio de 1892, na gestão do ministro Antão Gonçalves de Faria, foi constituída a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil e nomeado como seu diretor Luíz Cruls, então diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro. Foram designados ainda para integrar a Comissão Cruls: J. Oliveira Lacaille, astrônomo; Henrique Morize, astrônomo; Antônio Martins de Azevedo Pimentel, médico-higienista; Pedro Gouveia, médico; Celestino Alves Bastos, ajudante; Augusto Tasso Fragoso, ajudante servindo de secretário; Hastímphilo de Moura, ajudante; Alípio Gama, ajudante; Antônio Cavalcanti de Albuquerque, ajudante; Alfredo José Abrantes, farmacêutico; Eugênio Hussak, geólogo; Ernesto Ule, botânico; Felicíssimo do Espírito Santo, auxiliar; Antônio Jacinto de Araújo Costa, auxiliar; João de Azevedo Peres Cuiabá, auxiliar; José Paulo de Melo, auxiliar; Eduardo Chartier, mecânico; Francisco Souto, ajudante-mecânico; Pedro Carolino Pinto de Almeida, comandante do contingente; Joaquim Rodrigues de Siqueira Jardim, alferes do contingente; e Henrique Silva, alferes do contingente.
No dia 9 de junho, a Comissão iniciou seu percurso com destino a Uberaba, de trem. Dali, com tropa e montaria, seguiram no dia 29 com destino a Pirenópolis, onde chegariam no dia 1º de agosto. Iniciava-se, então, a grande compreensão e demarcação do que ficou conhecido, posteriormente, como o Quadrilátero Cruls.
Jorge Henrique Cartaxo é jornalista e Diretor de Relações Institucionais do IHGDF
Lenora Barbo é arquiteta e Diretora do Centro de Documentação do IHGDF
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