SAÚDE

Frio intenso aumenta risco de infarto e AVC, mostram estudos

Temperaturas baixas provocam alterações no organismo que favorecem doenças cardiovasculares e cerebrovasculares; especialistas alertam para prevenção e atenção aos sintomas

Com a chegada do inverno , as temperaturas mais baixas não impactam apenas o conforto diário da população do Distrito Federal, elas também representam uma ameaça silenciosa à saúde cardiovascular. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) estima que, durante o inverno, os casos de infarto aumentam até 30%. No caso dos AVCs, o crescimento gira em torno de 20%. O fenômeno está relacionado a alterações fisiológicas provocadas pelo frio, como a vasoconstrição, a contração dos vasos sanguíneos para conservar calor, elevação da pressão arterial, aceleração dos batimentos cardíacos e aumento da viscosidade do sangue.

A biomédica Mirian Gontijo, hoje com 47 anos, passou por um AVC em julho de 2011, época de baixas temperaturas. Em 24 de julho daquele ano, apenas nove dias após o nascimento de sua filha, aos 33 anos, ela sofreu um AVC hemorrágico. "Eu era uma mulher cheia de alegria, apaixonada por desafios, sempre bem-humorada. Mas depois daquele dia, muitos dos meus valores mudaram. Hoje eu entendo que o presente... é realmente um presente. A gente acordar de manhã é um privilégio e nem sempre nos damos conta disso antes de dormir."

Os primeiros sinais vieram de forma sutil, mas preocupante. "Senti uma falta de ar estranha, um desconforto que não passava. Quando cheguei ao hospital, minha pressão estava 18 por 10, algo impensável para mim, que sempre tive pressão baixa, 9 por 6, 10 por 7. Os médicos apontaram esse pico hipertensivo como uma das causas do AVC", conta Mirian. "Depois disso, comecei a vomitar, a dor de cabeça ficou insuportável, tive uma convulsão e entrei em coma."

Ela ficou 32 dias inconsciente. "Passei por várias UTIs no Hospital Santa Lúcia, da mais crítica até a que permite acompanhantes. Mas não havia sinais de melhora. Eu não falava, não andava, me alimentava por sonda, tomava banho no leito, usava fraldas. Os médicos chamaram meu marido e disseram: 'Não temos mais o que fazer. Prepare-se para levá-la para casa.'"

Diante do desespero, veio também a coragem. "Meu marido pediu cinco dias. Disse que contrataria uma enfermeira, tiraria nossa filha recém-nascida de casa para preservá-la e voltaria para me buscar. E foi nesse intervalo que aconteceu o improvável: no dia em que ele voltou ao hospital, eu acordei. Ele me contou depois. Eu não lembro. "Um mês após despertar do coma, Mirian estava dirigindo. Voltou ao trabalho. "Foi um milagre", diz ela.

Pressão arterial

A presidente da Sociedade Brasileira de Acidente Vascular Cerebral (SBAVC), Maramélia Miranda, explica que os casos de AVC, tanto isquêmicos quanto hemorrágicos, tendem a subir no frio, com destaque para o tipo hemorrágico. "As temperaturas mais baixas favorecem o aumento da pressão arterial, que é o principal gatilho para o AVC hemorrágico. Por isso, é fundamental que a população monitore a pressão com frequência, evite automedicação e mantenha o acompanhamento médico regular. A hipertensão é uma doença crônica e precisa de avaliação constante", orienta.

O empresário Roberto Carlos de Freitas, 58 anos, conhece de perto os perigos das doenças cardiovasculares. Após sofrer três infartos, o último em janeiro de 2023, ele afirma que sobreviveu por pouco. "Senti uma dor no peito e fui direto para o Hospital do Coração. Assim que entrei, apaguei. Os médicos disseram à minha família que eu fui um milagre. Hoje faço fisioterapia cardiopulmonar e sempre digo: sentiu algo diferente, procure ajuda imediatamente", relata.

Conforme apontam dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) no verão passado (de dezembro a março), 724 pessoas foram internadas por infarto agudo do miocárdio. No inverno de 2024, o número saltou para 820, um crescimento de 13,26%. 

Riscos

O neurologista Carlos Uribe, do Hospital Brasília, da Rede Américas, confirma que o frio representa um fator de risco para doenças cerebrovasculares. "A queda da temperatura provoca vasoconstrição e pode elevar a pressão arterial. Se a pessoa apresenta fatores de risco como hipertensão, colesterol alto ou diabetes , o frio pode ser o estopim para um infarto ou AVC", explica.

O especialista reforça que manter os fatores de risco sob controle é essencial em qualquer estação do ano. "É importante seguir o tratamento prescrito, manter atividade física leve a moderada, evitar o tabagismo, controlar a obesidade e o colesterol. Além disso, é essencial reconhecer os sinais de um AVC e buscar atendimento imediato, o tempo de resposta é fundamental para evitar sequelas graves."

A servidora pública Daniela Pina, 38, sofreu um AVC nove dias após dar à luz sua segunda filha, em março de 2022. Durante o atendimento no hospital, teve mais dois episódios. "Fiquei com sequelas de memória e perdi os movimentos do lado esquerdo. Consegui recuperar os movimentos com tratamento na Rede Sarah, mas ainda enfrento ansiedade, depressão e lentidão no raciocínio. Os médicos diagnosticaram a síndrome da vasoconstrição cerebral reversível, que acomete mulheres no puerpério. Hoje, não posso mais engravidar nem usar hormônios", conta.

Fluxo sanguíneo 

A cardiologista Stephanie Mares, do Hospital Brasília Águas Claras, especialista em fisiologia cardíaca, explica que o frio provoca a contração das artérias, inclusive as coronárias, responsáveis por irrigar o músculo cardíaco. "Assim como sentimos mãos e pés gelados, o miocárdio também sofre com a redução do fluxo sanguíneo. Isso pode causar isquemia, principalmente em pessoas com placas de aterosclerose", destaca.

Segundo a médica, o frio aumenta a pressão arterial e a viscosidade do sangue, elevando o risco de infartos. "O coração trabalha mais para manter a temperatura corporal e compensar a resistência aumentada nos vasos. Em pacientes com doenças cardiovasculares, esse esforço extra pode descompensar o quadro clínico", alerta.

Stephanie chama atenção para o risco durante as madrugadas frias, principalmente entre 5h e 6h, quando há pico de cortisol e adrenalina, hormônios que elevam a pressão arterial e a frequência cardíaca. "Esse é o horário com maior incidência de infartos no inverno", pontua.

Grupos de risco incluem fumantes, diabéticos, hipertensos, idosos, pessoas com histórico familiar de doenças cardiovasculares precoces, além de indivíduos com obesidade e colesterol elevado. "Atividades físicas intensas em ambientes frios sem o devido preparo também oferecem riscos. O ideal é realizar um check-up antes de iniciar qualquer rotina de exercícios", recomenda.

A jovem Priscila Figueiredo dos Santos, 21, sofreu um AVC isquêmico aos 16, após uma infecção generalizada. "Não fiquei com sequelas visíveis, mas tive dificuldades de fala, raciocínio e memória. Me sinto deslocada em ambientes sociais, principalmente com pessoas que não sabem o que aconteceu. Ainda estou em tratamento, com apoio médico e acompanhamento fonoaudiológico", relata.

O que fazer para prevenir?

Durante o inverno, aumentam significativamente os casos de infarto e acidente vascular cerebral (AVC). O frio intenso provoca a contração dos vasos sanguíneos, elevando a pressão arterial e exigindo mais do coração. Esse efeito é ainda mais perigoso em pessoas que convivem com fatores de risco, como hipertensão, diabetes, colesterol elevado, obesidade, sedentarismo e tabagismo.

Além disso, o clima frio reduz a transpiração e favorece o aumento da viscosidade do sangue, o que pode facilitar a formação de coágulos — mecanismo central no infarto e em muitos tipos de AVC. Em dias frios, muitas pessoas também deixam de praticar exercícios, pioram a alimentação e interrompem o uso regular de medicamentos, o que contribui para descompensações de doenças silenciosas, mas perigosas.

Para prevenir esses eventos, é fundamental manter hábitos saudáveis durante todo o ano. Isso inclui controlar a pressão arterial, manter o diabetes sob vigilância, praticar atividade física regular (mesmo que em ambientes fechados), ter uma alimentação equilibrada, não fumar e evitar o consumo excessivo de álcool.

O uso correto das medicações prescritas e o acompanhamento médico regular são imprescindíveis, sobretudo para quem já tem diagnóstico de doença cardiovascular ou histórico familiar. Em dias mais frios, agasalhe-se bem, especialmente ao sair de locais aquecidos, e evite exposições abruptas ao vento gelado, que podem descompensar a pressão arterial e o ritmo cardíaco.

É importante também reconhecer os sinais de alerta: dor no peito, falta de ar, tontura, dormência ou perda de força em um dos lados do corpo, dificuldade para falar ou compreender palavras. Ao perceber esses sintomas, procure atendimento médico imediatamente. Tempo é cérebro. Tempo é coração.

Prevenir é sempre o melhor tratamento — inclusive no inverno.

*Victor Hugo Espíndola Ala, neurocirurgião e neurorradiologista intervencionista. Membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, membro da Sociedade Brasileira de Neurorradiologisa, Fellow em neurorradiologista intervencionista pela Universidade de Limoges, França

 

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