
É frequente a visão de que fé e diversidade andam sempre em lados opostos. No entanto, essa maneira de encarar o mundo não poderia estar mais distante da realidade. Por trás dos muros da Arena Apostólica Church, na CSE 6, Lote 4, em Taguatinga, cultos são embalados por louvores e lágrimas. Não apenas pelas músicas, mas pelas histórias que ali se cruzam. Pessoas que enfrentaram o preconceito. Em comum, o desejo de viver uma fé que não condena, mas acolhe.
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Foi para eles que o pastor Chlisman Toniazzo atendeu ao chamado que, segundo ele, veio direto de Deus: ressignificar a fé e a sexualidade. “Como uma pessoa gay, passei por processos de tentativa de cura da homossexualidade, o que só me levou à frustração e à dor”, conta. Depois de romper com a teologia tradicional, mergulhou nos estudos bíblicos e entendeu que “a exclusão nunca foi um princípio do Evangelho de Jesus”.
A missão da Arena é clara: restaurar aquilo que foi perdido ou arrancado por anos de discursos violentos em nome da religião. “Nosso chamado é curar as feridas da exclusão religiosa. Jesus não apenas inclui, Ele chama, capacita e envia pessoas LGBTQIA+ para viverem plenamente o Reino de Deus”, afirma o pastor.
O resultado é uma caminhada que começa em dores carregadas por quem atravessa a porta da igreja pela primeira vez, mas que se curam ao longo do tempo. “As pessoas trazem rejeição familiar, traumas religiosos, medo do inferno, crises de identidade e tentativas de suicídio. Muitas foram proibidas de cantar, batizar ou simplesmente amar”, relata. É nesse cenário que o acolhimento vira testemunho. Em cada culto, há uma chance de recomeço.
O templo comporta 250 pessoas sentadas e recebe fiéis de outros estados. Para além dos cultos, a arena realiza ações sociais voltadas à população trans em vulnerabilidade, promove retiros espirituais, rodas de conversa e estudos bíblicos com interpretação inclusiva — um dos pilares do ministério.
Florescer da aceitação
Nascido em um lar evangélico tradicional, Bruno Araújo, 31 anos, desde cedo, respirava fé. Mas bastou se assumir gay para que tudo desmoronasse. Durante anos, ele ouviu que sua orientação sexual anulava a graça de Deus sobre sua vida. “Diziam que eu precisava lidar com esse ‘espinho na carne’ para ser aceito. Ou seja, nunca poderia viver um relacionamento homoafetivo.”
O reencontro com a espiritualidade veio de forma inesperada, quando Bruno conheceu a Arena. O que mais o marcou foi algo simples, mas profundamente transformador: a liberdade. “Não há liberdade quando somos aprisionados por um sistema religioso que diz que aquilo que somos é abominável. Poder adorar a Deus do jeitinho que eu nasci para ser foi realmente libertador.”
Hoje, Bruno se sente parte de uma família espiritual que o acolheu por inteiro. Ele cita com emoção o Salmo 68:6: “Deus faz com que o solitário viva em família”. Rejeitado no passado, hoje encontrou apoio e amor em cada gesto dentro da igreja. Sua vivência ativa na comunidade é ampla: é colíder do ministério de surdos, professor de Libras, atua na intercessão e nas decorações da igreja, além de participar dos grupos de conexão (células) nos lares dos irmãos. “Aqui, eu sirvo com alegria. Sinto que minha fé floresceu novamente.”
Jornada de fé
Larissa Figueiredo é uma das fiéis que carrega um testemunho que atravessa estados, dúvidas e promessas cumpridas. Foi na adolescência que ela começou a se aproximar da fé cristã evangélica — primeiro por meio de uma igreja tradicional, depois, por um convite inesperado com o nome “Arena Digital”. “Algum tempo antes, eu tinha visto um vídeo sobre a igreja, me inscrevi num link e acabei esquecendo”, conta. Foi apenas quando enfrentava uma fase difícil que Deus, como ela diz, lhe trouxe uma família da fé.
Para Larissa, não foi surpresa descobrir que Deus a aceitava como ela é. “Eu já sabia que Ele me amava. Quando encontrei a Arena, eu só tive certeza.” O momento mais marcante foi o batismo. Aos 18 anos, a jovem viajou sozinha pela primeira vez até Brasília para declarar publicamente sua fé. “Fui a primeira pessoa da Arena Digital a ser batizada. Eu e o apóstolo Chlisman choramos de alegria. Foi no dia do aniversário dele. Um dia inesquecível”, relembra.
Hoje, além de frequentadora da igreja, Larissa atua como diretora de artes e colíder do ministério de comunicação da igreja. A jovem carioca acredita que o maior erro é procurar respostas apenas na religião. “Não se aproximem da religião. Se aproximem do Deus que é Pai. Ele nunca te descartou.” E completa, com o versículo que a guia: “Ainda que o seu pai e a sua mãe o abandonem, o Senhor o acolherá” (Salmos 27:10).
Lar na igreja
Durante anos, Brendo Brandão atuou ativamente em uma igreja evangélica, mas ao se assumir bissexual, as portas se fecharam. “Mesmo quando eu dizia que estava em ‘luta’ contra minha sexualidade, eu era tratado com rejeição. Havia sempre olhares, acusações veladas, suspeitas constantes. Eu me tornei apenas tolerado”, relembra.
O rompimento com a igreja tradicional veio quando decidiu viver plenamente quem é — e assumir seu relacionamento afetivo. “Não havia mais espaço para mim ali. A mensagem era clara: ou nega sua verdade ou não pertence mais.” O reencontro com a fé veio um ano depois, quase por acaso.
Um amigo o convidou para conhecer a Arena Apostólica Church. A recepção foi o primeiro milagre: “A forma como me trataram foi leve e bonita. Um carinho genuíno. Pela primeira vez, meu relacionamento não era visto como um desvio, mas como algo digno de respeito”.
Hoje, ele lidera o ministério de louvor da igreja e participa do processo de integração de novos membros. A maior transformação, no entanto, é íntima. “Vivo minha espiritualidade com liberdade. Participo dos cultos, sou acompanhado pastoralmente, sou convidado para eventos de casais e ações da igreja. Não sou um erro que precisa ser corrigido. Sou parte do corpo. E isso muda tudo.”
Parada LGBT+
Começa neste domingo (5/7) a Parada do Orgulho LGBT+ de Brasília. A concentração está prevista para as 14h, no Congresso Nacional, na Esplanada dos Ministérios. A iniciativa é promovida pelo coletivo Brasília Orgulho, que atua na inclusão, visibilidade e mobilização da comunidade LGBT na capital. Para Igor Albuquerque, cocoordenador do Brasília Orgulho, é essencial visibilizar as causas LGBTQIAP em Brasília, que é lar da política nacional. "Estamos no coração do Brasil, em frente ao Congresso Nacional e subindo a Esplanada dos Ministérios, demandando mais direitos à comunidade diretamente ao Legislativo e Executivo Federais", ressalta. Segundo Igor, a manifestação deste ano deve ser ainda maior e mais significativa. "Nossa expectativa é que seja a maior parada da história da cidade, pois temos cinco atrações nacionais se apresentando e também será a primeira vez que teremos o transporte público gratuito", prevê.
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