
Todo mundo merece uma segunda chance. Esse ditado faz ainda mais sentido quando falamos sobre a reinserção social de detentos e egressos do sistema prisional. Segundo dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, em 2024, 3.793 dos 16.128 que estavam cumprindo pena por algum delito no Distrito Federal estavam estudando e/ou trabalhando, ou seja, 23,5% da população prisional.
A especialista em política social na área de violência e vulnerabilidades, Erci Ribeiro, afirmou que esse percentual é pequeno, perto do conjunto de pessoas que estão cumprindo pena. De acordo com ela, o cenário da reinserção social no DF ainda é muito limitado. "Primeiro por conta do estigma e o processo seletivo que o mercado de trabalho vem acentuando, cada vez mais, desde as qualificações como também a questão da escolaridade", pontuou.
Segundo Erci, a pessoa que cumpre pena e está na condição de reeducando, em prisão domiciliar ou aquela que é egressa do sistema prisional, enfrenta uma série de dificuldades. "Embora dentro do sistema prisional ela receba qualificação para o mundo profissional, essa pessoa precisa ter oportunidade de estágios, de projetos ou de programas, que vislumbrem o primeiro emprego após o cumprimento da pena", comentou a especialista.
Ela ressaltou que as pessoas que estão cumprindo pena são sujeitos de direitos. "A sociedade precisa entender que, embora tenham cometido algum tipo de delito, elas precisam retomar ou fortalecer os vínculos sociais para não reincidir no mesmo delito ou em outros", alertou.
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População prisional
Balanço de 2024
Fechado — 8.406
Semiaberto — 5.241
Provisórios — 2.393
Internação — 87
Aberto — 1
Total — 16.128
Fonte: Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional
Dignidade
Ao Correio, o secretário de Administração Penitenciária (Seape-DF), Wenderson Teles, disse que o trabalho e a educação têm sido os principais caminhos para promover a reinserção social de pessoas privadas de liberdade. "Por meio de programas que aliam capacitação, produção e prestação de serviços à comunidade, ampliamos as oportunidades para custodiados que desejam reconstruir suas trajetórias longe do crime", detalhou.
De acordo com Teles, ao oferecer trabalho, educação e dignidade às pessoas privadas de liberdade, a Seape não está apenas cumprindo uma obrigação legal, mas construindo caminhos reais para a reinserção social. "Nossos programas mostram que é possível transformar trajetórias marcadas pelo crime em histórias de superação e contribuição social", afirmou. "A Seape está comprometida em ampliar essas iniciativas, garantindo mais oportunidades de capacitação e inclusão, com foco na redução da reincidência e na valorização do ser humano", garantiu.
Outra iniciativa voltada ao atendimento de pessoas egressas e pré-egressas do sistema prisional, com atendimentos voltados à reinserção no mercado de trabalho e ao acesso a políticas públicas, é o Escritório Social do Distrito Federal. O suporte é gratuito e alcança também os familiares. A equipe é formada por uma coordenadora, duas assistentes sociais, uma assistente jurídica e um colaborador administrativo, que é reeducando.
A coordenadora do Escritório Social, Maldaildes Divina de Jesus, explica que a iniciativa realiza encaminhamentos às políticas públicas disponíveis, como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), a Defensoria Pública, abrigos, comunidades terapêuticas "Tudo conforme as necessidades individuais de cada pessoa atendida", explicou.
Não há uma meta numérica de atendimento. "Tudo é realizado de forma contínua, conforme a demanda espontânea dos usuários", ressaltou. "A principal referência são os retornos espontâneos dos egressos e seus familiares, que expressam reconhecimento e continuidade no vínculo com o serviço", acrescentou a coordenadora.
Rótulo eterno
Para a especialista em política social na área de violência e vulnerabilidades Erci Ribeiro, o principal desafio da reinserção social é o rótulo que define as pessoas que estão na condição de egressas do sistema prisional. "São necessárias políticas públicas e sociais, que sejam assertivas no processo pedagógico e político da sociedade, para entender como acontece o mecanismo do cumprimento da pena", argumentou.
A lei de execução traz a coparticipação da sociedade e a atenção em relação às pessoas que estão cumprindo pena, que concluíram o seu tempo ou estão de domiciliar. "O fato é que ainda é preciso aprofundar, problematizar e tornar público dados, inclusive, os condicionantes que hoje atravessam essas pessoas e impedem que elas consigam justamente superar a condição que levaram a cumprir um delito", avaliou a especialista.
De acordo com a Seape, entre as iniciativas voltadas ao trabalho, destacam-se os programas Mãos Dadas, Reformando Vidas e Costurando o Futuro, que utilizam a mão de obra dos reeducandos e oferecem a chance de aprender uma nova profissão ou de colocar em prática conhecimentos adquiridos anteriormente.
Artigo — Ação coordenada para a ressocialização
Por Mariana Madera Nunes, advogada, mestre em direito constitucional e professora da Universidade Católica de Brasília (UCB)
Antes de se questionar se egresso do sistema prisional possui condições de retornar ao convívio social, é preciso repensar se a ressocialização ainda é uma finalidade da pena. Sabe-se que as sanções penais compreendem a retribuição do Estado ao indivíduo ante o mal causado à vítima, aos seus familiares e à coletividade em decorrência da prática do delito. A pena, que pode ser de privação de liberdade, de restrição de direitos ou de multa, tem como finalidade a readaptação do condenado ao convívio social e a prevenção de novos delitos, mediante o oferecimento de condições de estudo, trabalho, lazer e assistência familiar e religiosa.
Com isso, é preciso questionar se o Estado oferece condições para a concretização desses objetivos, e os dados revelam que somente em parte. Segundo o relatório “Reincidência Criminal no Brasil”, de 2022, produzido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o indicador de reincidência genérico é de 37,6%. De acordo a Secretaria Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), entre julho e dezembro de 2024, a população prisional era de 670.265 pessoas. No entanto, o sistema penitenciário tinha, na mesma data, somente 494.379 vagas. O total de presos trabalhando era de 170.415, enquanto o total de presos em ensino formal era de 151.536.
Se apenas uma pequena parcela da população prisional tem acesso a mecanismos que possibilitam a sua ressocialização, pode-se afirmar que somente parte dos egressos pode voltar à sociedade. Entretanto, com o lançamento do Plano Nacional Pena Justa, já é possível presenciar uma virada de chave no sistema penitenciário por meio de investimentos e melhorias com foco na segurança pública e na reintegração social de detentos e egressas.
Assim, somente através de uma ação coordenada dirigida a aperfeiçoar os mecanismos existentes e garantir o efetivo cumprimento da Constituição Federal e da Lei de Execução Penal é que serão plantadas as condições para se colher menores índices de reincidência e, portanto, melhores indicativos de ressocialização, ofertando-se possibilidades para que o cidadão faça as suas escolhas de vida com base em oportunidades reais.
Programas no DF
Mãos Dadas — Um dos projetos pioneiros voltados à revitalização de espaços públicos no DF. Com a atuação de custodiados do regime semiaberto, o programa realiza serviços como limpeza de bueiros, conservação de parques, praças e demais áreas urbanas
Reformando Vidas — Focado em ações de infraestrutura urbana e manutenção de espaços públicos, contando com mão de obra especializada. Os reeducandos atuam em atividades como serralheria, marcenaria e pintura. Além do benefício da remição de pena, os custodiados também são remunerados por meio de contratos firmados entre a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) e a Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap).
Costurando o Futuro — Voltado ao público do regime fechado, o programa ocorre dentro das unidades prisionais e capacita internos em modelagem e costura. Somente em 2024, a Seape doou mais de 2,5 mil peças produzidas por reeducandos ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib) e à Campanha do Agasalho, promovida pelo GDF.
Fábrica Social de Pré-Moldados — Instalada no Complexo Penitenciário da Papuda, no ano passado, a iniciativa transformou um pavilhão desativado em um centro produtivo com estrutura profissional, empregando custodiados do semiaberto na fabricação de meios-fios, tampas de bueiros e pisos intertravados. A fábrica abastece obras públicas em diversas regiões do DF.
Programa de Capacitação Profissional e Implantação das Oficinas Permanentes — Os internos têm acesso a cursos profissionalizantes e saem com certificados reconhecidos.
Educação de Jovens e Adultos para Pessoas Privadas de Liberdade — Iniciativa por meio da qual os custodiados podem concluir a educação básica.
Fonte: Seape
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