
A tragédia envolvendo dois servidores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mortos ao tentar combater um incêndio florestal nas proximidades do Residencial Tororó, BR 251 km 06, em São Sebastião, virou prioridade para a Polícia Civil. Investigadores da 30ª Delegacia de Polícia abriram um inquérito e colheram depoimentos na tarde de ontem. Preliminarmente, os policiais constataram que as vítimas, Valmir de Souza e Silva e Manoel José de Souza Neto, ambos de 65 anos, não usavam equipamentos de proteção durante a operação. Ontem, familiares deram adeus a um deles: Valmir foi enterrado à tarde no Cemitério Jardim Paraíso, na Cidade Ocidental (GO). José será sepultado na manhã de hoje, em Taguatinga.
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Os dois trabalhadores atuavam na brigada ambiental do IBGE e eram lotados na Reserva Ecológica do órgão, distante a poucos metros do local do incêndio. Segundo relatos de testemunhas, eles perceberem a ameaça de que as chamas invadissem a reserva e resolveram agir: saíram em um caminhão-pipa com outro servidor, que dirigia o veículo. Ao Correio, um funcionário do IBGE relatou que Valmir e Manoel conseguiram apagar parte das chamas e estavam em um ponto da mata onde não havia mais fogo. "Não sabemos o que de fato ocorreu. Se as chamas invadiram o outro lado e os cercaram. O motorista estava posicionado na ponta da mangueira e saiu ileso", detalhou.
Colegas de trabalho relataram que os dois tinham mais de quatro décadas de experiência em ações de combate a incêndios florestais. Mesmo assim, o fogo, imprevisível e cruel, surpreendeu. "O que aconteceu, eu não sei dizer. O fogo não respeita experiência. Você nunca sabe para onde ele vai. Na hora, perde o rumo, o ar, se desespera, tenta achar uma saída e não consegue", disse, emocionado, um amigo brigadista que preferiu não se identificar. Valmir morava na Cidade Ocidental (GO). Manoel vivia na Ponte Alta Norte do Gama. Ambos deixam esposas, filhos e netos.
No começo da tarde de ontem, amigos e familiares reuniram-se para dar adeus a Valmir. O morador da Cidade Ocidental foi sepultado no cemitério da cidade. A cerimônia de despedida de Manoel será às 9h de hoje, no Cemitério Campo da Esperança de Taguatinga.
Em nota oficial, a presidência do IBGE lamentou profundamente a perda. "Dois servidores do IBGE, participantes da brigada de incêndio do órgão, faleceram durante o combate ao fogo em uma área externa à Reserva Ecológica do IBGE. A direção do Instituto está prestando apoio às famílias e tomando todas as medidas necessárias."
O fogo
O incêndio começou por volta de 13h e espalhou-se rapidamente pela vegetação. João Vaz de Melo, 56 anos, morador do residencial, presenciou os momentos de desespero. Acostumado a atuar como voluntário no enfrentamento a incêndios na área, ele ajudava a conter as chamas quando foi abordado pelo motorista do caminhão do IBGE. "O motorista desceu do veículo aflito, perguntando se eu tinha visto os dois servidores. Saí correndo para ajudar a procurar. Infelizmente, encontrei os corpos. Um estava a cerca de 100 metros do outro", relatou.
O presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), Rôney Nemer, destacou que não era registrado incêndio no local havia quatro anos. Na semana passada, órgãos do DF chegaram a montar um aceiro, espécie de desbaste no terreno para impedir a propagação das chamas, como parte de uma ação preventiva. A escolha do aceiro naquela área foi por justamente estar há anos sem registrar incêndios. "Priorizamos áreas onde tem tempo que não pega fogo, pois a tendência é ter mais material de combustão. Uma área atingida no ano passado, por exemplo, ainda está se recompondo e as chances são menores", explicou.
João Morita, coordenador de prevenção e combate a incêndios do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destacou a importância da capacitação contínua e dos cuidados essenciais durante as ações de brigadas em áreas de risco. "Esse caso mostra, mais uma vez, que o combate ao incêndio pode custar vidas. Por isso, todo cuidado é pouco. É uma atividade de risco, que exige treinamento constante e o uso de equipamentos de qualidade. O uniforme precisa ser adequado, desde o tecido da calça, das luvas, da balaclava e o brigadista deve estar sempre hidratado, com cantis apropriados", reforça Morita.
Segundo o especialista, o treinamento precisa ser atualizado regularmente, a cada três anos, mesmo que pareça repetitivo. "É uma profissão perigosa. Não dá para relaxar. O preparo salva vidas", enfatiza. Morita também chama atenção para um aspecto fundamental antes de qualquer ação: a definição de uma rota de fuga. "Existe todo um protocolo dentro de um combate. Traçar e delimitar rotas de saída é indispensável. Ninguém está ali para ser herói, estamos todos como profissionais. Não vale a pena arriscar a vida."
Para ele, a ansiedade e a euforia são grandes armadilhas durante os combates. "É comum ver brigadistas se deixarem levar pela vontade de resolver logo, de apagar tudo de uma vez. Mas essa pressa pode ser fatal. Entrar em áreas perigosas sem rota de fuga, confiar demais na própria experiência, enfrentar chamas maiores do que o necessário, tudo isso coloca a vida em risco. É sempre necessário ter medo. O medo, nesse caso, é o que nos mantém vivos", conclui.
Investigação
Ao longo da tarde de ontem, a polícia colheu o depoimento de testemunhas e funcionários do IBGE, incluindo o motorista. Abalado, o trabalhador preferiu não conceder entrevista. Os investigadores avaliam possíveis falhas que podem ter resultado na tragédia. Entre elas, a falta de equipamento de proteção por parte das vítimas.
A origem do incêndio também será investigada e não é descartada a possibilidade de uma ação criminosa. "Estamos no aguardo dos resultados da perícia para sabermos se foi acidente ou partiu de uma conduta criminosa. Nossa equipe também fez a perícia no caminhão-pipa", afirmou o delegado-adjunto da 30ª DP, Ronney Matsui.
Pesar
O presidente Lula (PT) expressou suas condolências. "Minha solidariedade e meu abraço às famílias, aos colegas de trabalho e a todos que se dedicam diariamente à proteção do meio ambiente. Esses trabalhadores estavam cumprindo sua missão com coragem e comprometimento", diz Lula em nota.
O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) prestou homenagem aos dois brigadistas do IBGE. "Homens que colocaram a missão acima do medo, e que honraram, até o fim, o compromisso com a preservação da vida e do meio ambiente. Aos familiares, amigos e companheiros de trabalho, nossa solidariedade e respeito. Que o exemplo de dedicação e coragem desses profissionais jamais seja esquecido", destaca a corporação.
O Jardim Botânico de Brasília lamentou o falecimento dos servidores. "Manoel e Valmir atuavam na brigada de incêndio do IBGE e tentavam conter as chamas para evitar que o fogo atingisse a reserva. Ambos eram servidores dedicados, com décadas de atuação pública voltada à conservação do meio ambiente. A APA Gama-Cabeça de Veado é uma área protegida de grande relevância ecológica, cuja preservação conta com a atuação conjunta da Fazenda Água Limpa (UnB), do IBGE e do Jardim Botânico de Brasília, instituições que, juntas, trabalham pela proteção do Cerrado e da biodiversidade local."
Projeto sem fogo
O combate aos incêndios florestais no Distrito Federal conta com uma aliada de peso: a Inteligência Artificial (IA). Há dois anos, o projeto Sem Fogo-DF disponibiliza tecnologia de ponta ao Corpo de Bombeiros, ajudando na identificação precoce e no combate mais eficiente às queimadas, o que contribui diretamente para a preservação do meio ambiente.
Com auxílio de quatro câmeras de alta precisão instaladas na Torre de TV Digital, no Setor Habitacional Taquari, a ferramenta monitora em tempo real um raio de 15km a 25km. Ao menor sinal de fumaça ou fogo, as imagens são enviadas imediatamente aos bombeiros, permitindo uma resposta rápida e precisa.
O programa é fruto de uma parceria entre o Departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), a associação filantrópica Giga Candanga e conta com financiamento da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP-DF), com investimento de R$ 700 mil.
De acordo com a coordenadora do projeto, professora Priscila Solis, do Departamento de Ciência da Computação da UnB, a IA foi adaptada ao bioma do Cerrado para realizar a detecção precoce de fumaça, um dos primeiros sinais de incêndio. "A ferramenta acelera muito o trabalho dos bombeiros. Antes, os chamados eram feitos apenas por pessoas, muitas vezes sem precisão do local. Agora, com as câmeras ativas 24 horas por dia, conseguimos mostrar exatamente onde o fogo está, facilitando a visualização e a tomada de decisão da equipe", explicou a professora. Novas câmeras serão instaladas em outras regiões do DF.
Uma luta diária
Um incêndio de média proporção atingiu, na tarde de ontem, uma área de vegetação nas proximidades do setor de inflamáveis, próximo à Cidade Estrutural. As chamas avançaram rapidamente e chegaram a se aproximar de residências. O Corpo de Bombeiros (CBMDF) foi acionado para conter o fogo e evitar que as casas fossem atingidas. Não houve registro de feridos.
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Uma luta diária
Um incêndio de média proporção atingiu, na tarde de ontem, uma área de vegetação nas proximidades do setor de inflamáveis, próximo à Cidade Estrutural. As chamas avançaram rapidamente e chegaram a se aproximar de residências. O Corpo de Bombeiros (CBMDF) foi acionado para conter o fogo e evitar que as casas fossem atingidas. Não houve registro de feridos.
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