
O e-commerce brasileiro deve fechar 2025 com um faturamento de cerca de R$ 234 bilhões e 3 milhões de novos compradores, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm). O crescimento do setor impulsiona a "gig economy" — economia de atividades autônomas sob demanda — e com ela um verdadeiro batalhão de trabalhadores cruciais para logística de última milha, trajeto entre o centro de distribuição até as mãos do consumidor: os entregadores de plataformas digitais.
O destaque é tão grande que o suplemento Trabalho por meio de plataformas digitais, da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), investigou, pela primeira vez, os números de pessoas que trabalham por meio de plataforma digital de serviço ou comércio como principal atividade.
Segundo o levantamento, no Distrito Federal, havia cerca de 41 mil pessoas trabalhando neste espectro. No Brasil, são 1,49 milhão de entregadores de plataformas digitais. Para entender esse universo crescente da economia, durante uma semana, o Correio percorreu as ruas de Brasília e entrevistou homens e mulheres que atuam na ponta final da cadeia de distribuição de produtos, especialistas e pesquisadores. O resultado você conhece na reportagem especial Formigas do Transporte.
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Gustavo Costa e Silva, 26 anos, morador de Ceilândia, desconhece o termo gig economy, mas dá aula quando o assunto é entrega de mercadorias. Começou como motoboy há seis anos. Em 2021, vendeu a moto, comprou uma Fiorino e viu a carreira deslanchar atuando como entregador. "Faço, em média, umas 100 entregas por dia, em uma jornada de cinco horas. Estou conseguindo realizar meus sonhos. Comprei um carro, viajei para Porto Seguro e Aracaju, lugares que eu sempre quis conhecer", celebra.
Hoje, Gustavo é influenciador digital com mais de 70 mil seguidores em uma rede social. Produziu o Manual do Entregador, uma cartilha que ajuda os trabalhadores com planejamento de rotas, cadastramento, riscos, entre outras dicas úteis.
Uma das milhares de pessoas influenciadas por ele é a moradora de Águas Lindas Érica de Brito Silva, 30. Desempregada, ela buscava uma atividade com rotina mais flexível quando viu o perfil de Gustavo nas redes sociais e resolveu encarar o desafio.
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É hora de regulamentar
Os entregadores autônomos da última milha são o elo mais visível de uma cadeia logística que movimenta bilhões de reais no Brasil e sustenta boa parte da economia digital. Estima-se que entre 1,3 e 1,5 milhão de trabalhadores atuem em plataformas de entrega no país, com uma parcela expressiva dedicada ao e-commerce. Eles são a face que o consumidor vê, mas representam apenas o desfecho de um circuito extenso e rigidamente controlado que começa nos centros de distribuição, passa por armazéns, hubs regionais e longas rotas de transporte, até chegar à porta do cliente. É nessa etapa que a promessa de rapidez e conveniência feita pelas plataformas se concretiza.
O que se vende como "eficiência logística" é, na prática, sustentado por um contingente de trabalhadores invisíveis que inclui operadores, triadores, motoristas de longa distância, técnicos e equipes de apoio. Todos submetidos a metas rígidas, jornadas extenuantes e sistemas de vigilância digital que transformam cada movimento em dado para aumentar a produtividade. Nos centros de distribuição, a pressão por velocidade é medida ao segundo; nas estradas, motoristas enfrentam mais de 14 horas de trabalho por dia; nas entregas urbanas, custos com combustível, manutenção e seguro corroem entre metade e dois terços da renda bruta.
Essa engrenagem garante a circulação de mercadorias que mantém desde pequenos comércios locais até gigantes internacionais, mas seu funcionamento depende de um modelo de negócio que transfere riscos e custos para a base da pirâmide, enquanto concentra o controle e o lucro no topo. Plataformas e grandes marketplaces mantêm o comando sobre fluxos e prazos, mas se eximem de responsabilidades trabalhistas ao terceirizar a última milha para intermediários que, por sua vez, contratam os entregadores como "autônomos".
O setor que mais cresce na economia urbana brasileira e que já representa de 8 a 10% do PIB formal, se apoia numa força de trabalho sem garantias, exposta à volatilidade da demanda, à ausência de proteção social e ao gerenciamento algorítmico opaco. Isso não é apenas um problema trabalhista, é uma distorção estrutural que concentra poder econômico, fragiliza a capacidade de negociação dos trabalhadores e pressiona todo o mercado a competir pelo rebaixamento das condições de trabalho. É preciso uma intervenção regulatória e políticas públicas mais robustas para o setor.
*Professor e pesquisador do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB)
Adriana Bernardes
Coordenadora de produçãoConcluiu o curso de comunicação social em 1999. Atua no jornal Correio Braziliense desde 2005 e, atualmente, ocupa o cargo de coordenadora de produção.
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