
Entre 2023 e 2025, cerca de 7 mil pessoas foram internadas por acidente vascular cerebral (AVC) na rede pública do Distrito Federal. Até maio, o Hospital de Base era a única unidade de saúde que oferecia o tratamento de emergência, que precisa ser feito nas primeiras quatro horas e meia para evitar sequelas graves. Mas a boa notícia é que, desde junho, o atendimento se espalhou: os hospitais do Gama e Sobradinho também começaram a tratar esses casos, com a ajuda de neurologistas por telemedicina, garantindo atendimento mais rápido e aumentando as chances de recuperação dos pacientes.
No cenário nacional, a mortalidade por essa doença continua superando a do infarto. Dados da Sociedade Brasileira de AVC, com base no Portal da Transparência do Centro de Registro Civil (CRC) do Brasil, mostram que foram 75.553 óbitos em 2019 e 84.931 em 2023 (veja Aumento de óbitos), números próximos aos registrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que podem variar conforme a metodologia de busca. E segundo os especialistas, 80% e 90% dos casos poderiam ser evitados com o controle de fatores de risco.
Sequelas
Cris Simões, de 54 anos, é presidente da entidade AVCista e teve AVC aos 46 anos. Embora tenha sido atendida em uma cidade grande como São Paulo, ela relata ter sofrido sequelas agravadas por um erro de diagnóstico. "Perdi a janela para o tratamento com trombolítico, um medicamento que poderia evitar sequelas", relata ela, que, hoje, dedica sua vida a orientar e acolher vítimas de AVC e seus familiares, com grupos espalhados pelo Brasil.
De acordo com a responsável técnica distrital de neurologia, Letícia Rebello, entre os fatores que aumentam o risco de AVC estão a hipertensão, diabetes, colesterol alto, obesidade, sedentarismo e tabagismo. Já as sequelas não são exatas — elas dependem do tipo de AVC, que pode ser isquêmico ou hemorrágico, e também da gravidade da lesão.
Vítimas jovens
A neurologista vascular e presidente da Sociedade Brasileira de AVC, Maramélia Miranda, chama atenção para os dados do registro brasileiro JOINVASC, estudo de 10 anos conduzido em Joinville (SC) e que analisou a tendência de aumento de AVC entre pessoas abaixo de 45 anos. Segundo a neurologista, de forma geral, países em desenvolvimento tiveram esse aumento, e ele possui causas multifatoriais.
"Fatores como o aumento do sedentarismo entre os jovens contribui para o crescimento do risco de AVC, além do aumento dos fatores de risco (como diabetes, obesidade e uso de drogas ilícitas) e a melhor conscientização e diagnóstico. Tanto a população quanto os médicos estão mais informados e atentos aos sintomas do AVC, o que faz com que mais casos sejam identificados e encaminhados para tratamento especializado", ressalta.
Erika Ferreira tinha 44 anos quando sofreu um AVC hemorrágico durante um voo de Lisboa para Brasília, no fim de outubro de 2019. Sozinha no avião, ela começou a sentir uma dor de cabeça e não conseguiu identificar o que era. Após ser atendida durante o voo por duas médicas que estavam embarcadas, a gravidade foi percebida. "Ela teve que esperar o avião pousar, pois ali, na hora, não podia ser medicada porque os tratamentos são diferentes para os dois tipos de AVC", conta. Então, após o pouso, no Hospital de Base, foi submetida a cirurgia para reduzir a pressão no cérebro.
Em decorrência da demora no atendimento, Erika sofreu sequelas que a deixaram com dificuldades na movimentação do lado direito do corpo, além de uma afasia, que é a dificuldade para falar — embora consiga compreender tudo. Erika teve de se aposentar, mas não parou de viver. Hoje, aos 50, ela faz treinamento paralímpico em natação, fisioterapia e remo, e também participa de atividades culturais. Ela também foi uma das fundadoras do bloco de carnaval AVenCemos, com o objetivo de estimular pessoas na mesma situação a se unirem e fortalecerem sua recuperação.
"Intelectualmente, ela continua participando de atividades culturais, vai ao cinema, gosta de shows, teatro", conta a irmã, Nara. E no dia a dia, as amizades são o pilar que fortalecem sua vida. Com o apoio dos amigos Márcia Maria e Guilherme, ela possui uma rede de apoio para fazer atividades e seguir tendo uma vida ativa e social.
Batalhas
Nem todos têm a sorte de conseguir o tratamento correto a tempo. Paulo Roberto de Oliveira Leite, que faleceu em agosto deste ano, aos 55 anos, enfrentou uma longa batalha após sofrer um AVC isquêmico em 2020. Hipertenso e diabético, ele teve um diagnóstico tardio e enfrentou dificuldades burocráticas para obter aposentadoria e auxílio-doença, o que agravou o impacto da doença em sua vida e na de sua família.
A filha Natiely Leite, 30, lembra com emoção o dia em que tudo começou. "Meu pai foi me buscar na estação de trem e eu percebi que ele estava com a fala arrastada. Parecia que tinha ingerido bebida alcoólica, mas eram os primeiros sinais do AVC e, infelizmente, não percebemos a gravidade na hora."
Ela também relata a frustração de ver que, ao chegar no hospital, o quadro não foi diagnosticado imediatamente. "Se ele tivesse recebido o tratamento adequado desde o começo, talvez pudesse ter evitado os agravamentos que vieram depois", lamenta. Hoje, ficam a saudade e a luta dos seus filhos Plínio Neto, 18, e Natiely, e de sua esposa Meri Leite, 54.
Impacto mascarado
Segundo o Portal de Informações e Transparência da Saúde do DF, no período de 2023 a 2025, houve um total estimado de 321 óbitos tendo o AVC como causa direta. O GDF lançou em maio o projeto "AVC no Quadrado", que reorganiza toda a rede pública, desde o socorro inicial pelo SAMU até a reabilitação dos pacientes.
Letícia Rebello explica que o projeto inclui o treinamento das equipes do pré-hospitalar e a descentralização do tratamento, que antes ficava restrito ao Hospital de Base e, agora, também é oferecido nos hospitais do Gama e Sobradinho, com apoio de neurologistas via telemedicina.
Mas apesar dos avanços, Letícia alerta para um problema que ainda precisa ser enfrentado: a subnotificação dos casos, quando a causa da morte não é registrada corretamente, e que pode mascarar o real impacto do AVC no DF e no Brasil. "Hoje, o AVC é a maior causa de morte no país, superando o infarto", destaca a neurologista vascular.
Três perguntas para
*Letícia Costa Rebello, neurologista vascular, responsável técnica distrital de Neurologia
Quais investimentos recentes foram feitos para melhorar o diagnóstico e o tratamento do AVC na capital?
O principal avanço foi a descentralização do atendimento, aliada à modernização tecnológica. Um dos próximos passos é a implantação da trombectomia mecânica, procedimento de cateterismo para remover o coágulo que interrompe o fluxo sanguíneo cerebral. O equipamento já está em fase avançada de aquisição pelo GDF e deverá ampliar fortemente a capacidade de salvar vidas e reduzir sequelas.
Quais sinais de alerta a população deve reconhecer para buscar atendimento rápido e evitar sequelas graves?
O início é súbito, por isso não se deve esperar: acione o SAMU imediatamente. Quanto mais rápido o socorro, maiores as chances de recuperação sem sequelas graves.
A subnotificação pode mascarar o real impacto da doença?
Sim. Muitas vezes, a causa imediata do óbito não é registrada como AVC, mesmo que ele tenha sido determinante para o agravamento do quadro. Isso ocorre em diversas doenças, como na covid-19, e pode reduzir a percepção sobre a gravidade. Hoje, dados do Datasus apontam que o AVC superou o infarto e é a principal causa de morte no Brasil, muito por conta do mau controle dos fatores de risco cardiovasculares.
Saiba mais
Para identificar mais facilmente, médicos utilizam um método simples, baseado nas letras da palavra SAMU. Ele ajuda qualquer pessoa, mesmo sem conhecimento técnico, a perceber os sinais de alerta e agir de forma rápida:
» S - Sorria: observe se o rosto fica assimétrico ou com um dos lados caído;
» A - Abraço: peça para a pessoa levantar os dois braços; se um deles cair ou não se mover, é sinal de fraqueza;
» M - Mensagem ou música: verifique se há dificuldade para falar, pronunciar palavras ou compreender frases simples;
» U - Urgente: não espere os sintomas melhorarem sozinhos. Ligue imediatamente para o 192 e acione o SAMU.
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