Economia

Com o universo digital como aliado, jovens empreendem com mais força

Em todo o Brasil, o número de empreendedores abaixo dos 30 anos cresceu 25% nos últimos 12 anos. No Distrito Federal, 85% desses novos negócios adotam inteligência artificial e as redes sociais como ferramentas para se destacarem no mercado

Davi Rehem e Hugo Salomão são as mentes por trás do bem-sucedido RanGo -  (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)
Davi Rehem e Hugo Salomão são as mentes por trás do bem-sucedido RanGo - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

Quem anda por Brasília percebe que os jovens não estão somente consumindo tecnologia, mas também criando negócios que mudam a forma de administrar. Mais de 85% dos pequenos negócios do Distrito Federal adotaram inteligência artificial, superando a média nacional, e 491 startups integram o ecossistema local, segundo dados do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae). No Brasil, o movimento é geral: o empreendedorismo entre 18 e 29 anos saltou 25% em uma década, com faturamento histórico no último ano.

Hannah Salmen, coordenadora do Hubs IBMEC, explica que o crescimento de jovens na administração de negócios não aconteceu por acaso. Para ela, isso é resultado de uma combinação de fatores econômicos, culturais, tecnológicos e institucionais que leva a um êxodo do mercado tradicional. "A fragilidade do mercado de trabalho formal levou os jovens a buscarem alternativas de geração de renda. O aumento da escolaridade, a expansão do acesso digital e a difusão de uma cultura de inovação reduziram custos e riscos para iniciar um empreendimento", comentou.

É nesse ambiente inovador, marcado pela digitalização e pelo uso das redes sociais, que uma nova geração de empreendedores brasilienses tem se destacado. Negócios criados por jovens de menos de 30 anos conquistam o público com marketing digital, IA's e produtos autorais. Entre eles, está Davi Rehem, 26 anos, formado em administração, fundador e diretor comercial da RanGo, que enxergou oportunidade onde muitos só viam filas. O sistema criado facilita a administração de restaurantes oferecendo autoatendimento, gestão de mesas, cardápio digital, integração com balanças e comandas eletrônicas. 

Davi conta que, enquanto estava na faculdade, perdeu uma prova por conta da fila na cantina. "Assim que perdi a prova, vi uma oportunidade. Todo mundo estava com o celular na mão, tinha que ter algum jeito de diminuir a fila e utilizar o celular para isso", afirmou. No início das operações, a startup tinha as faculdades e universidades como clientes. Atualmente, o aplicativo RanGo sem fila evoluiu para uma empresa que facilita a administração de restaurantes.

O sistema implementado cuida da parte administrativa do restaurante, permitindo que todo controle operacional seja feito em um celular ou no computador. "O administrador da loja pode ter controle em tempo real do controle de vendas, gestão de estoque e operação fiscal, podendo abrir e fechar o caixa no celular. É um sistema muito fácil e intuitivo. Essa facilidade impacta diretamente a margem de lucro", explicou Davi. A operação também conta com a ajuda da inteligência artificial. "O gestor pode tirar uma foto do cardápio que a nossa IA identifica todos os produtos e registra no sistema", acrescentou.

Hugo Salomão, 26, sócio e diretor de tecnologia do RanGo, que esteve à frente da programação do sistema, comentou que o sistema foca no pequeno e médio negócio, facilitando a administração de pessoas que possuam pouca experiência. "O nosso público-alvo não precisa de um sistema muito encorpado, como os de grandes franquias. Nossas ferramentas atendem muito bem a operação desses negócios menores", afirmou.

CID-Tecnologia
CID-Tecnologia (foto: Valdo Virgo)

Tecnologia como aliada

O jovem empreendedor em Brasília é cada vez mais digital, criativo e resiliente, mas ainda enfrenta desafios de capacitação e gestão, alerta a professora Juliana Garcia, do Ibmec. "Muitos têm boas ideias, mas carecem de formação prática em gestão, inovação e competências digitais. Sem esse apoio, correm o risco de não sustentarem os negócios no longo prazo". A transformação digital, segundo ela, mudou esse cenário: "Hoje, o jovem já pensa como startup: experimenta, ajusta e busca crescer de forma escalável, aproveitando ferramentas de inovação ao alcance de qualquer pessoa com um celular e internet".

A inteligência artificial surge como um recurso estratégico nesse contexto. Leonardo Lopes, 27, proprietário da pizzaria Palato e do restaurante Paladar, ambos na Asa Norte, sempre teve a administração correndo nas veias familiares. Desde os 12 anos, já vendia as trufas feitas pela sua mãe, Léa Lopes. Aos 20, abriu o Paladar, e, mais maduro, aos 27, inaugurou a pizzaria, que, neste mês, completou um mês, e conta com a inteligência artificial para impulsionar os negócios. 

Ele conta que passou a utilizar a IA como um consultor. "Ela me ajuda a pensar em novas ideias, melhorar processos e estruturar estratégias para o negócio. O mais interessante é que essas ferramentas são acessíveis, de baixo custo e trazem retornos enormes — seja na gestão, no resgate de clientes, na otimização das entregas ou na rotina da equipe", conta o empreendedor.

Leonardo Lopes, 27, proprietário do restaurante Paladar e da pizzaria Palato
Leonardo Lopes, 27, proprietário do restaurante Paladar e da pizzaria Palato (foto: Arquivo Pessoal)

Para além da IA, Leonardo também utiliza as redes sociais para se aproximar dos clientes de forma estratégica. No mês de soft-opening da pizzaria, distribuiu diversos cupons de vale-pizza pela cidade e publicava a localização nas redes sociais, transformando a ação em uma espécie de caça ao tesouro pela cidade. A estratégia surtiu efeito: antes mesmo de inaugurar a pizzaria, conquistou quase 2 mil seguidores no Instagram.

Em seus dois estabelecimentos, utiliza a tecnologia para garantir uma boa operação. "No dia a dia, busco manter a gestão simples e eficiente. Além do sistema de Ponto de Venda (PDV) para organizar entregas e atendimentos, utilizo uma planilha própria de Custo da Mercadoria Vendida (CMV) e Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), que é o coração do negócio", afirmou Lopes.

O diretor da Câmara de Gestão Pública do Conselho Federal de Administração (CFA), Emerson Arantes, pontua que, nos últimos 60 anos, a administração no Brasil passou por uma evolução significativa no que diz respeito novas tecnologias. "Nos anos iniciais da profissão, o desafio era integrar ferramentas básicas de automação, como planilhas eletrônicas e sistemas de gestão empresarial. Com o avanço das décadas, surgiram sistemas integrados de gestão, a internet e, mais recentemente, a computação em nuvem, big data e a inteligência artificial", enumera. Segundo Arantes, as principais conquistas foram a modernização dos processos administrativos, a ampliação da capacidade de análise e planejamento e a valorização da informação como ativo estratégico. "O maior desafio continua sendo a adaptação às mudanças rápidas e constantes do cenário tecnológico, além da capacitação  constante dos profissionais para lidar com essas inovações de forma ética e eficaz", completa.

Apesar da facilidade oferecida pelas novas tecnologias, Emerson ressalta, ainda, que os gestores não podem abrir mão do autoaprimoramento. "A tecnologia tem transformado profundamente o papel dos administradores. Esse cenário exige uma atualização constante e o desenvolvimento de novas habilidades e competência por parte dos gestores", disse.

Quem começa do zero

O empreendedorismo jovem está mudando Brasília. Para Márcio Guimarães, diretor de negócios do Arcoworking, a cidade tem cada vez mais jovens criando negócios inovadores, impulsionados pela digitalização e pelo acesso à informação. "A maioria tem menos de 30 anos, grande parte é negra, e a participação feminina vem crescendo bastante. Hoje, qualquer jovem pode aprender, testar e validar uma ideia do zero, mesmo sem histórico de negócios na família. O que faz diferença é a coragem, o espaço digital e o acesso à capacitação e informações", destacou. Nesse contexto, ele ressaltou que desafios ainda existem: burocracia, custo de vida alto, acesso a crédito e um ecossistema de startups em formação dificultam a vida de quem quer empreender na capital.  

Emerson Arantes avalia que o número cada vez mais alto de jovens na área indica o crescimento da profissão, que, neste ano, celebra 60 anos de regulamentação. "O Conselho tem observado o crescimento expressivo no número de jovens empreendendo e assumindo posições de liderança em seus negócios. Esse movimento representa a renovação da profissão e demonstra como a formação nessa área continua relevante", afirmou.

Assim surgiu a Bem Te Vi, marca de vestuário criada por Cáren Perazzo, 33, e Kamila Chianca, 34, que ainda estavam na faculdade, com apenas 21 e 22 anos. Amigas de longa data, decidiram unir amizade e criatividade para criar uma marca que fosse a cara delas. "Começamos a marca com R$ 500 e muita vontade de criar algo que fosse a nossa cara. No início, vendíamos acessórios inspirados em filmes e séries", conta Cáren. Desde o início, a internet foi aliada do negócio da dupla. "À época, o termo 'algoritmo' praticamente não existia, a gente só postava (nas redes sociais) e praticamente todos os seguidores recebiam nosso conteúdo", conta Cáren, que já operava com site próprio para vender em todo o Brasil.

Empreender jovem sendo mulher não foi fácil. O vestuário tem maioria de consumidoras, mas muitos cargos de decisão ainda são ocupados por homens. "Enfrentamos olhares duvidosos e resistência ao tentar comprar tecidos ou equipamentos mais robustos. Até hoje, se não falamos nossos números antes, ainda somos vistas como 'apenas duas garotas'", conta Cáren. 

Cáren Perazzo, de 33 anos, e Kamila Chianca, 34, abriram a Bem Te Vi quando ainda estavam na faculdade e tinham apenas R$ 500 no bolso
Cáren Perazzo e Kamila Chianca abriram a Bem Te Vi ainda na faculdade, com apenas R$ 500 nos bolsos (foto: Arquivo Pessoal)

Dados do Sebrae reforçam esse desafio: no DF, apenas 29,94% dos sócios de startups são mulheres. Ainda assim, a Bem Te Vi cresceu, somando hoje 263 mil seguidores no Instagram, e transformou a comunicação em seu maior trunfo. "A virada veio quando entendemos que falar com o público como amigas, com humor, referências pop e muita verdade, era o que nos diferenciava", explicou ela.

A digitalização segue como aliada da marca. Desde 2019, a dupla investe em tráfego pago, campanhas profissionais e ferramentas de inteligência artificial para criar conteúdo, prever estoque e organizar processos. "A IA tem nos ajudado na criação de conteúdo, organização de e-mails, testes de copy e até na hora de montar briefings para nossos designers. Também usamos o controle de estoque e gestão financeira", conta Cáren. 

Para o futuro, a marca aposta em provadores virtuais mais precisos, que calculam o tamanho exato do cliente e oferecem uma experiência de compra personalizada, acompanhando tendências das grandes marcas do setor.

 

Três perguntas para:

Márcio Guimarães, diretor de negócios do Arcoworking

 

O que explica o crescimento de 25% no empreendedorismo jovem no Brasil nos últimos 12 anos?

Os jovens estão buscando mais autonomia e não querem ficar presas apenas a empregos tradicionais. A economia mais estável trouxe segurança e a digitalização facilitou muito, permitindo começar um negócio só com celular e internet, Além disso, mecanismos como o MEI simplificaram a formalização.

Qual a diferença de uma startup e uma empresa consolidada?

A startup nasce com uma ideia inovadora, em busca de crescimento rápido e ainda testando modelos de negócio, Já a empresa consolidada tem um modelo validado, mais estabilidade e foco em manter e expandir sua posição de mercado. São mundos diferentes, que se esbarram em vários aspectos, e estão procurando formas de sobreviverem juntos, inclusive com parcerias.

Há espaço para empreendedores que não possuem histórico de negócios na família? 

Hoje, o acesso à informação e às ferramentas digitais democratizou bastante o empreendedorismo de vários tipos de negócio. Antes, o caminho era quase sempre familiar, mas agora qualquer jovem pode aprender, testar e validar uma ideia do zero, e é impressionante como fazem isso de forma rápida. O mercado ainda tem uma predominância masculina, mas vemos cada vez mais mulheres entrando nesse espaço e com muito sucesso. O que faz diferença é a coragem do jovem, o espaço digital e mais acesso a capacitação e informações.

 


 

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postado em 30/09/2025 18:01
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