CIDADANIA

Esperança após a tragédia: programa atende 184 órfãos de feminicídio

Projeto da Secretaria da Mulher destinou R$ 3,6 milhões a crianças e jovens que perderam as mães devido à violência doméstica. Além do auxílio financeiro, o programa oferece acompanhamento psicológico, apoio jurídico e atividades de lazer

Era início da tarde de 3 de fevereiro de 2023 quando Rebeca* recebeu a pior notícia de sua vida. O momento de lazer no salão de beleza da irmã, em Ceilândia, foi interrompido por gritos desesperados de seu sobrinho, que relatava o assassinato de uma outra irmã. "O tio Edimar* atirou na cabeça da tia Lídia*."

Após a notícia, as irmãs foram à casa da vítima e encontraram a mãe, sentada no meio-fio, chorando por causa do assassinato da filha caçula. Lídia tinha uma filha, Zelda*, à época com 9 anos, que entrou para uma triste estatística: entre 2023 e 2025, 448 menores ficaram órfãos do feminicídio no Distrito Federal. Só neste ano, 15 mulheres foram vítimas desse tipo de crime e deixaram 29 filhos (de recém-nascidos a maiores de idade).

Zelda recebeu apoio do projeto Acolher Eles e Elas, da Secretaria da Mulher, que atende outros 183 órfãos do feminicídio, dando apoio em um momento tão traumático. Além do suporte psicológico, o projeto oferece um salário mínimo a crianças que tiveram as mães assassinadas no contexto da Lei Maria da Penha.

Dias após o assassinato da irmã, Rebeca viu um anúncio sobre o projeto e inscreveu a sobrinha. A guarda de Zelda foi para a avó. Segundo a tia, a irmã caçula era responsável pelos cuidados da mãe. “De repente, minha mãe perdeu a pessoa que a protegia e recebeu uma pessoa para proteger", lamentou. A guinada na vida forçou mudanças na rotina. “Toda a rotina foi alterada para atender às necessidades da Zelda. Trabalhamos nessa adaptação até hoje", acrescentou. 

A menina faz parte do programa há cerca de dois anos. A tia avalia que o rápido atendimento foi fundamental para amenizar o sofrimento da sobrinha. “Todo esse período de consultas e avaliações foi importante. Agora, que ela está chegando à pré-adolescência, a preparação mental que foi feita antes foi essencial para encarar o futuro”, ressaltou.

De acordo com Rebeca, o auxílio recebido em sido investido na educação e na saúde sobrinha. “De início, matriculamos ela em uma escola particular. Infelizmente, ela não se adaptou e a trocamos para um pública. Aí começamos a pagar reforço escolar com o dinheiro”, explicou. O benefício também ajuda a custear tratamentos particulares. “Atualmente, pagamos consultas com psicólogo, neuropediatra e as medicações, que não são baratas”, acrescentou. 

Para a professora da Faculdade de Direito da UnB Janaína Penalva, o acompanhamento oferecido deveria ser mais amplo. "É importante que esse atendimento envolva não só as crianças, mas também a família. Todas as pessoas que conviviam com a vítima são vítimas também", assinalou. 

Política pioneira

Desde a criação do projeto Acolher Eles e Elas, foram destinados R$ 3,6 milhões aos órfãos. Além do auxílio financeiro, o programa oferece acompanhamento psicológico, apoio jurídico e atividades de lazer. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSPDF), dos 448 órfãos do feminicídio no DF, 300 são menores, com média de idade de 8 anos, e outros 148 maiores de idade, com 26 anos, em média. 

A secretária da Mulher, Giselle Ferreira, ressalta a importância do projeto. "É um programa que a gente não queria que existisse, não queríamos perder nenhuma mulher. Esse trabalho é muito mais do que o apoio financeiro, é a presença do Estado para amenizar todo esse sofrimento", afirmou. Coordenado pela Secretaria da Mulher, o projeto é feito em parceria com a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus-DF). 

Advogada especialista em segurança pública, Lei Maria da Penha e família, Ana Izabel Gonçalves de Alencar avalia que a integração entre setores do poder público é fundamental para o bom funcionamento de projetos complexos. “O feminicídio é um dos crimes que pode ser evitado. Por isso, é importante a integração de vários setores da sociedade para promover um combate eficaz", ressaltou.

Janaína Penalva, professora da Universidade de Brasília (UnB), acredita que a prevenção é a melhor política pública. "É o único caminho. Precisamos ter escolas que possam falar sobre direito das mulheres e isonomia de gênero. Políticas públicas de cuidado e monitoramento podem ser incluídas", afirmou. 

A secretária Giselle Ferreira destacou iniciativas do governo que visam incluir homens nas conversas contra o femincídio. "Criamos espaços para a promoção de palestras e para conversar com homens que foram autores de violência", comentou. Segundo a gestora, o projeto rendeu bons resultados. "Sabemos que o machismo e a misoginia estão enraizadoa na sociedade. Muitos homens dão depoimentos relatando que reproduzem comportamentos aprendidos com o pai. Isso é um avanço", completou. 

Como se inscrever

Após o registro do feminicídio, a Secretaria da Mulher faz a busca ativa pelos filhos da vítima para avaliar a possibilidade de aprovação dos pedidos para participar do projeto. 

Para se inscrever no programa, o primeiro contato pode ser feito pelos telefones (61) 3330-3118 e (61) 3330-3105. Nesse atendimento, a lista de documentos é informada. Além disso, é feito o agendamento do atendimento presencial.

Após a aprovação do cadastro e entrega da documentação, o cartão-benefício do Banco de Brasília (BRB) é enviado, em até 30 dias, para o endereço do responsável legal pela criança ou jovem. O auxílio financeiro é individual e acumulativo, ou seja, não interfere em outros auxílios que a criança recebe.

Para acessar o programa há algumas especificidades: jovens que ficaram órfãos em decorrência de feminicídio; com menos de 18 anos; ou até 21 anos, se estiverem em situação de vulnerabilidade; residentes no Distrito Federal há pelo menos dois anos; que comprovem situação de vulnerabilidade socioeconômica.

* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

Três perguntas para

Giselle Ferreira, Secretária da Mulher

Qual a importância desse programa para essas crianças?

Conseguimos amparar e preparar a criança para o futuro. Temos uma jovem que completou 18 anos e deixou de receber o auxílio, mas conseguimos inseri-la no mercado de trabalho. Queremos que o projeto seja mais do que um assistencialismo. A gente quer que seja uma porta para um mundo melhor.

Qual a estratégia para incluir os homens nos diálogos sobre prevenção à violência doméstica?

Temos campanhas que são direcionadas a toda família. Criamos uma coordenação de política pública que promove palestras e rodas de conversa para homens, que é o Espaço Acolher, para conscientização dos homens que já cometeram alguma violência doméstica. Muitos relatam que consideravam normal o comportamento abusivo contra mulheres, porque cresceram vendo isso em casa.

A secretaria possui aporte suficiente para auxiliar todos os jovens?

Criamos esse projeto para utilizar os recursos de uma fonte específica, exclusiva para atender as demandas do Acolher Eles e Elas. Fizemos estudos para conseguir acolher a todos, mas queremos que a quantidade de órfãos diminua. Não queremos ter mais mulheres e crianças vítimas.

 

Espaço Acolher

Atualmente, existem 10 unidades do Espaço Acolher no Distrito Federal

Plano Piloto:

Telefone: (61) 99323-6567
E-mail: geafavd.planopiloto@mulher.df.gov.br
Endereço: Ed. Fórum Desembargador José Leal Fagundes, SMAS Trecho 3, Lote 4/6, Bloco 5, Térreo – Asa Sul
Funcionamento: Segunda a sexta, 12h às 19h

Brazlândia:

Telefone: (61) 99103-0058
E-mail: agenda.nafavdbrz@gmail.com
Endereço: TJDFT Área Especial 04 lote 04 ST. Tradicional – CEP: 72.720-640
Funcionamento: Segunda a sexta, 12h às 19h

Gama:

Telefone: (61) 99120-5114
E-mail: geafavd.gama@mulher.df.gov.br
Endereço: Edifício da Promotoria de Justiça do Gama – Setor Industrial
Funcionamento: Segunda a sexta, 12h às 19h

Paranoá:

Telefone: (61) 3369-4784 / (61) 99206-6281
E-mail: geafavd.paranoa@mulher.df.gov.br
Endereço: Edifício da Promotoria de Justiça – Grandes Áreas
Funcionamento: Segunda a sexta, 12h às 19h

Planaltina:

Telefone: (61) 99128-9921
E-mail: geafavd.planaltina@mulher.df.gov.br
Endereço: Ed. Promotoria de Justiça, Setor Tradicional
Funcionamento: Segunda a sexta, 12h às 19h

Santa Maria:

Telefone: (61) 3394-6863 / (61) 99969-3363
E-mail: geafavd.santamaria@mulher.df.gov.br
Endereço: QR 211, Conj. A, Lote 14
Funcionamento: Segunda a sexta, 9h30 às 17h

Sobradinho:

Telefone: (61) 99501-6007
E-mail: geafavd.sobradinho@mulher.df.gov.br
Endereço: Ed. Gran Via – 1º andar – Sala 115
Funcionamento: Segunda a sexta, 9h às 18h

Samambaia:

Telefone: (61) 99226-2858
E-mail: geafavd.samambaia@mulher.df.gov.br
Endereço: QS 406 Conj. E Lote 3 Loja 4 – Ed. Arena Mall
Funcionamento: Segunda a sexta, 9h às 18h

Ceilândia:

Telefone: (61) 98314-0882
E-mail: geafavd.ceilandia@mulher.df.gov.br
Endereço: ONM 02, Conj. F, Lote 1/3 – Ceilândia Centro
Funcionamento: Segunda a sexta, 9h às 18h.

Critérios de Elegibilidade:

Conforme estabelecido pelo Decreto nº 45.256/2023, os seguintes critérios devem ser atendidos para a elegibilidade ao programa:

I – ter ficado órfão em decorrência de feminicídio;

II – ser menor de 18 anos ou estar em situação de vulnerabilidade até os 21 anos;

III – residir comprovadamente no Distrito Federal por no mínimo 2 anos;

IV – comprovar estar em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

 

 

 

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