Saúde pública

Baixa vacinação deixa DF em alerta por causa de doenças controladas

Dados de 2024 e 2025 mostram que coberturas com imunizantes no Distrito Federal permanecem abaixo da meta, colocando população, principalmente crianças, em risco de surtos de doenças controladas, como sarampo e catapora

O país saiu da lista em 2023, após campanhas de imunização -  (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
O país saiu da lista em 2023, após campanhas de imunização - (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

A população do Distrito Federal corre o risco de enfrentar surtos de doenças controladas, como a poliomielite, febre amarela e até sarampo. O alerta está em um relatório da própria Secretaria de Saúde (SES-DF) e é confirmado por especialistas ouvidos pelo Correio. Isso pode acontecer, porque o GDF tem enfrentado dificuldades em bater a meta de cobertura vacinal no calendário infantil (ao nascer, menores de 1 ano, 1 ano e 4 anos). O boletim de imunização da Secretaria de Saúde dos primeiros quatro meses de 2024 revela que, das 23 vacinas listadas para esse público, 20 ficaram abaixo da meta de cobertura vacinal. 

Entre bebês e menores de 1 ano, a situação mais crítica foi registrada na aplicação da vacina contra a covid-19 (dose 3 da Pfizer), que atingiu apenas 16,5% de cobertura — muito distante da meta estabelecida de 90%. Outras vacinas importantes também ficaram abaixo do recomendado, como a de febre amarela (81,8%), a pneumocócica 10-valente (82,3%) e a poliomielite (85,1%) — que deveriam alcançar 95% de cobertura.

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O cenário também é preocupante entre as crianças de 1 ano de idade. A vacina contra a varicela (catapora), na primeira dose, apresentou apenas 74,9% de cobertura, bem abaixo da meta de 95%. Já o reforço da pólio (79,6%) e da DTP (79,8%) também não atingiram o patamar mínimo exigido. Uma discrepância chama atenção: enquanto a segunda dose da tríplice viral alcançou 89,7% de cobertura, a varicela ficou mais de 10 pontos percentuais abaixo.

Entre os pequenos de 4 anos, o desempenho foi ainda pior. A segunda dose da varicela chegou a apenas 62%, a mais baixa entre todas as vacinas analisadas. O segundo reforço da DTP atingiu 63,3%, seguido pela Vacina Oral contra Poliomielite (VOP) (70,7%) e febre amarela (73%). Nenhuma das regiões de saúde do DF conseguiu alcançar a meta de 95% nesse grupo etário.

Queda perigosa

O cenário ficou mais preocupante no decorrer dos meses. O relatório "Indicadores de Imunização 2024", que trouxe dados do ano inteiro, acendeu o alerta para o risco de retorno de doenças controladas. Segundo avaliação da SES-DF, "faz-se urgente a atuação sobre os fatores que têm determinado esse panorama (...) a fim de que estratégias efetivas sejam planejadas e executadas nas diferentes instâncias, impedindo, por fim, o retorno de doenças doravante eliminadas ou em vias de eliminação."

O que desperta preocupação entre autoridades e especialistas é que mesmo em 2025 o panorama, apesar de avanços tímidos e pontuais, não é muito diferente do ano passado. Assim, mantendo o risco do retorno de doenças. O relatório preliminar "Indicadores de Imunização — 1º Quadrimestre 2025", obtido pelo Correio, mostra que, no DF, 14 das 20 vacinas do calendário infantil não atingiram a cobertura preconizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Entre os menores de 1 ano, sete vacinas ficaram abaixo da meta de 95% — caso da poliomielite (88,9%), penta, hepatite B e DTP, todas com 89,3%. O imunizante para febre amarela também teve baixa adesão, com 88,3%. Na faixa etária de 1 ano, cinco vacinas não alcançaram a cobertura ideal. O pior desempenho foi da DTP (primeiro reforço), com 85,4%. Em seguida, aparecem a segunda dose da tríplice viral (86,6%) e a hepatite A (88,4%). Já a varicela teve 90,1% de cobertura, enquanto o reforço da meningocócica C ficou próximo da meta, com 94,2%.

O quadro mais crítico foi registrado entre as crianças de 4 anos. A segunda dose da varicela apresentou apenas 58,9% de cobertura, o pior índice de todo o calendário vacinal. Já a DTP (segundo reforço) ficou em 87,1%, também distante da meta de 95%. 

Alto risco

Procurada pelo Correio, a Secretaria de Saúde admitiu que os índices estão abaixo do ideal e confirmou o alerta para o risco de ressurgimento de doenças. "Embora tenha sido observado um aumento nas coberturas vacinais em comparação ao ano anterior, o indicador ainda não atingiu a meta preconizada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI) para a maioria dos imunizantes disponíveis", informou a pasta. Segundo o órgão, essa defasagem "mantém a população vulnerável a doenças como sarampo, poliomielite, covid-19, influenza, entre outras".

Uma das maiores preocupações da pasta é com a poliomielite. "Há necessidade de se manter em vigilância constante, pelo intenso fluxo internacional de pessoas e migração para Brasília", informou a pasta. O último caso da doença no Brasil foi registrado em 1989, mas ainda há surtos em mais de 20 países, além de casos endêmicos no Paquistão e no Afeganistão.

O sarampo também continua no radar das autoridades sanitárias. "Em 2025 houve um caso confirmado de sarampo no DF — episódio importado relacionado com viagem internacional", informou a pasta. De acordo com o órgão, os profissionais de saúde "estão mais sensíveis à detecção da doença", e a vigilância deve ser mantida, pois "o vírus circula em diversas regiões do mundo e pode ser reintroduzido por meio de viajantes".

A secretaria destaca também que as vacinas mais preocupantes são a tríplice viral — que protege contra sarampo, caxumba e rubéola — e a vacina contra a poliomielite (VIP), ambas com cobertura abaixo da meta. "O DF encontra-se em cenário de alto risco para reintrodução da doença (poliomelite), considerando a presença de embaixadas e a intensa circulação de pessoas oriundas de países onde o vírus selvagem ainda é endêmico", alertou o órgão.

Entre as regiões administrativas, as coberturas mais baixas se concentram na porção Leste do DF. "Destaca-se principalmente a região Leste, composta pelo Itapoã, Paranoá, São Sebastião e Jardim Botânico, em que não foi atingida a meta de cobertura em nenhuma RA para essas vacinas", informou a Secretaria. Mais da metade das regiões analisadas estão com cobertura inferior a 95% para vacinas em menores de dois anos.

Preocupação

Apesar de os percentuais terem ficado, em alguns casos, próximos à meta, entre especialistas, o olhar ainda é de preocupação. No caso de doenças como varicela, diftertia, tétano e coqueluche (DTP), poliomielite e sarampo, mesmo uma queda pequena na vacinação é suficiente para permitir novos casos. A pediatra Patrícia Consorte, especialista em Terapia Intensiva Infantil pela Universidade de São Paulo (USP), explica que a situação compromete a chamada "umidade rebanho", essencial para proteger toda a comunidade, inclusive aqueles que não podem ser vacinados. 

De acordo com Patrícia, os impactos desse tipo de quadro podem ser sentidos em poucos meses após um ponto crítico. "Não é necessário esperar anos: basta que o vírus ou a bactéria responsável por determinada doença encontre um grupo vulnerável para gerar surtos. Isso pode acontecer em questão de meses, principalmente em ambientes coletivos, como escolas e creches", afirma.

Outro ponto crítico está nos reforços aplicados aos 4 anos de idade, em que nenhuma região de saúde do DF alcançou a meta. "Muitos pais acreditam, erroneamente, que apenas as doses do primeiro ano de vida são suficientes. Esse é um equívoco perigoso, porque justamente os reforços consolidam a proteção e evitam a perda da imunidade ao longo do tempo", explica a pediatra.

Segundo o infectologista André Bon, do Hospital Brasília Águas Claras, da Rede Américas, a chamada hesitação vacinal é um dos principais fatores que levam muitos cidadãos a não buscarem a vacina. Ela é multifatorial e leva em conta desde obstáculos práticos — como falta de tempo ou rede de apoio familiar — até crenças e medos relacionados às vacinas. "Precisamos de horários alternativos, funcionamento das salas de vacina aos fins de semana e informação acessível e compreensível sobre a segurança e a importância da vacinação".

O médico também defende que haja trabalho contínuo para ampliação dos horários de atendimento, a fim de atrair o público, principalmente em regiões de baixa cobertura. "As unidades funcionam em horário comercial, o que dificulta a ida de quem trabalha o dia todo. Além disso, questões financeiras, como o custo do transporte até a unidade, também pesam", afirma.

Ações nas escolas

Moara Moreira, 37 anos, levou a filha Lis a uma UBS do Setor Militar para receber a segunda dose da vacina contra a covid-19. A enfermeira da Vigilância Epidemiológica e Imunização comemorou a imunização da pequena e afirmou que mantém o calendário vacinal dos filhos atualizado. "A gente tem visto uma difícil aceitação de vir até a unidade. Por isso, estão sendo promovidas muitas ações em escolas e até em locais de trabalho, para tentar alcançar essas pessoas que não estão vindo", explica.

 30.09.2025. Bruna Gaston CB/DA Press. Cobertura Vacinal, Moara Moreira, Liz e Thomas Moreira.
Moara Moreira com os pequenos Thomas e Liz: imunização garantida (foto: Bruna Gaston CB/DA Press)

A enfermeira também aponta a desinformação como um dos principais obstáculos para melhorar os índices de imunização. "De uns anos para cá, muitas informações falsas começaram a circular e acabaram afastando as pessoas da vacinação. Na minha geração, o Zé Gotinha era um símbolo, e a gente cresceu entendendo a importância da vacina. Hoje, é preciso mudar a estratégia, usar redes sociais, televisão, escolas, porque as vacinas estão disponíveis e de graça, mas falta essa cultura de buscar a imunização", afirma.

Ana Cláudia Gonçalves, 34, mãe de Arthur,  8 anos e asmático, também não abre mão da vacinação. Por causa do problema respiratório do filho, ela faz questão de levá-lo em todas as campanhas. "Qualquer doença pode deixar ele muito mal. Na época da covid-19, tive muito medo de ele se infectar e ter complicações. Quando eu peguei, ele foi morar com a tia até eu melhorar. Para ela, o que motiva a seguir acreditando na imunização é a segurança que sente. "Mesmo que eu pegue uma gripe, sei que ela vai vir bem mais leve do que em quem não se vacinou", afirmou.

Incentivo à vacina

Para tentar reverter o cenário, o governo tem intensificado ações de imunização. Entre as medidas, estão "campanhas de vacinação extramuros em escolas e em pontos estratégicos do DF, como aeroporto, rodoviária e feiras", além do uso de mensagens automáticas para lembrar os pais sobre vacinas atrasadas. Até 31 de outubro, será realizada a Estratégia de Multivacinação, com o "Dia D" de mobilização social marcado para 18 de outubro, voltado à atualização do calendário de crianças e adolescentes de até 15 anos.

Outra frente de atuação é a capacitação de profissionais e a ampliação do horário das salas de vacinação. "A busca ativa por indivíduos com esquemas vacinais incompletos ou em atraso também foi intensificada", informou a secretaria, que prevê novas ações ainda neste mês. As maiores dificuldades, segundo a gerente substituta da Rede de Frio, Laís Soares, estão nas áreas mais vulneráveis e de difícil acesso, onde as coberturas ficam abaixo das metas. Para alcançar esse público, a secretaria tem apostado no uso do "carro da vacina". "Todas as regiões de saúde realizam microplanejamento, considerando as necessidades locais, com campanhas extramuros, articulação com líderes comunitários e monitoramento estratégico para vacinas como poliomielite e tríplice viral", afirma.

A gerente destaca ainda os esforços para reduzir perdas e garantir estoque em todas as unidades. "Capacitamos profissionais para planejar o consumo mensal de imunobiológicos e insumos com base no sistema SIES. Também oferecemos treinamentos sobre boas práticas, cadeia de frio e planos de contingência. No caso da BCG, organizamos a aplicação em dias específicos e implantamos a vacina em 100% das maternidades públicas, ampliando a cobertura e reduzindo desperdícios", detalha.

Como estão as outras vacinas:

Influenza

Total de doses aplicadas: 817.968

População alvo: 632.701

Cobertura vacinal: 49,45%


Por grupo da rotina (Influenza)

Crianças (6m a <6anos) = 47,7%

Gestantes = 7%

Idosos (60 anos e mais) = 53,5%


Dengue

Total de doses aplicadas: 275.642

Cobertura vacinal 1ª dose: 58,6%

Cobertura vacinal 2ª dose: 32,7%

Taxa de abandono: 44,2%

 


  • O país saiu da lista em 2023, após campanhas de imunização
    O país saiu da lista em 2023, após campanhas de imunização Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
  •  Moara Moreira com os pequenos Thomas e Liz: imunização garantida
    Moara Moreira com os pequenos Thomas e Liz: imunização garantida Foto: Bruna Gaston CB/DA Press
  •  Vacinação contra Influenza e gripe está muito abaixo da meta (90%)
    Vacinação contra Influenza e gripe está muito abaixo da meta (90%) Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  26/08/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Vacinação contra Influenza e gripe.
    26/08/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Vacinação contra Influenza e gripe. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Zoo recebe posto de vacinação durante o fim de semana
    Zoo recebe posto de vacinação durante o fim de semana Foto: Ana Carolina Alves/CB
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postado em 07/10/2025 04:00 / atualizado em 07/10/2025 07:17
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