
No quarto pequeno do dormitório, a poucos passos do estúdio de dança no Upper East Side, Gabriela Vaisman, de 23 anos, ou Gabi para os íntimos, começa o dia logo cedo. Às 7h, terapia. Às 9h, alongamento. Em seguida, a rotina segue intensa: balé, canto, teatro, sapateado e hip-hop. E é quando o relógio marca 22h que o corpo pede pausa, mas a cabeça continua ligada a um único objetivo: o palco da Broadway.
A brasiliense é estudante de publicidade na Universidade de Brasília (UnB), mas, por enquanto, o diploma está suspenso, e seu tempo está sendo inteiramente dedicado à arte. Desde setembro, ela vive em Nova York, onde foi selecionada para o Steps on Broadway, um dos conservatórios mais tradicionais do mundo na formação de artistas para os grandes musicais.
Na capital, Gabi era professora de dança e coreógrafa. Ela já tinha intimidade com os palcos, as turmas lhe admiravam, e o domínio técnico sempre foi motivo de muita confiança. "Brasília era o meu mundo todo", disse. No entanto, a rotina em Nova York é mais intensa, as aulas duram quase o dobro do tempo e as coreografias são sempre uma surpresa, nunca se repetem. "As aulas em Brasília duravam 50 minutos; aqui, duram cerca de duas horas. O desafio é conseguir fazer direito toda aula. Leva tempo para entender a movimentação, a técnica de um novo professor, o ritmo.
Ela conta que, no começo, a nova rotina foi um baque. "Por tudo que já tinha vivido dançando no Brasil, achei que seria diferente. Quando pisei aqui, percebi que o universo da dança é gigantesco", contou. Segundo Gabi, a sensação inicial foi de medo e insegurança, pois todos os alunos do programa são dançarinos experientes, mas, no momento, a sensação é de empolgação pelo futuro. "Ser bom aqui não é destaque, é o mínimo. Eles querem saber qual o seu diferencial, entender como você se destaca."
O que começou com um desconforto acabou se tornando combustível. Entre piruetas usando salto alto e longos treinos de sapateado, Gabriela entendeu que, dentro dessa história, o real espetáculo é o processo de adaptação. "É uma bênção estar aqui e ser desafiada, porque significa que ainda tenho muito a crescer", desabafou.
Inspirações
As salas de aula que hoje frequenta recebem diariamente professores e artistas que também sobem aos palcos da Broadway. É onde nomes como Misty Copeland, ícone do balé norte-americano, fazem aulas particulares. "É surreal. Sinto que estou vivendo entre os melhores. É inspirador. Todos os dias aprendo com pessoas que realmente vivem da arte", diz.
Ela citou Lizz Picini e Paul Pagler, professores de jazz teatral e canto, entre as grandes referências que encontrou até o momento. A preparação vocal é feita com os mesmos treinadores que orientam elencos da Broadway.
Estar entre os melhores e aprender com profissionais da Broadway é fora de série, e a faz lembrar diariamente o momento que despertou sua paixão pelos musicais. "Minha peça favorita é Wicked, foi ela que me inseriu nesse universo. A do momento é Cabaret. Assisti recentemente, e, nos primeiros 30 segundos, logo no primeiro número, comecei a chorar desesperadamente. Foi quando pensei: eu me vejo nesse lugar e estou mudando de país para chegar aqui", contou emocionada.
Disciplina
Hoje, com o semblante tranquilo, ela conta que a caminhada foi longa para chegar até a aprovação. A jovem teve que gravar vídeos de dança, canto, teve que conseguir cartas de recomendação. E, apenas em novembro de 2024, o resultado veio como motivo de felicidade para ela e a família. E a felicidade foi em dobro, pois Gabriela ainda conquistou uma bolsa de 20%, que irá perdurar pelos dois anos de curso. Agora, ela vive uma grande responsabilidade: representar o Brasil na meca mundial da performance.
"Representar o Brasil no maior estúdio de dança da Broadway é um orgulho e uma responsabilidade. Levo muito a sério a tarefa, é honrar o nome dos professores que me ajudaram a chegar aqui — Rodrigo Barreto, Renato Fernandes, Dhaniel Amaral e Paula Abreu — e quero fazer jus a tudo que me ensinaram", contou.
Atualmente, a rotina do programa é intensa, começa às 9h, vai até as 17h — às vezes, até mais tarde. O cronograma mistura balé, canto, teatro, hip-hop, sapateado e outros estilos. Gabriela diz que, se você não acredita que é capaz, ninguém vai passar a mão na sua cabeça. Nova York é como nos filmes, com gente do mundo inteiro, muitas oportunidades e um ritmo imparável. "Você tem que mostrar que quer, que é capaz. E hoje, não sou um projeto pronto, é preciso aceitar que isso tudo é um processo", lembrou.
Com um mês no programa, a jovem foi aprovada em duas audições, uma delas com Krystin Pope, nome de peso do teatro musical americano. "Aqui, eles cuidam de verdade dos futuros artistas. Mas não basta talento, é preciso ter constância. Precisam sentir que podem contar com você diariamente", disse.
Experiência
Gabriela começou no balé aos 3 anos e, aos 7, se apaixonou pelo jazz. Passou por diferentes modalidades, viajou para Israel, onde dançou por sete meses na Kibbutz Contemporary Dance Company, e teve a experiência de trabalhar no programa da Disney, em Orlando. "A experiência definitivamente ajudou a desenvolver meu lado artístico, a necessidade da 'mágica' em tudo que faço."
Antes de embarcar para Nova York, dava aulas pelas academias de Brasília e lecionava para crianças. "Hoje, voltei ao papel de aluna e isso tem sido transformador. Tenho o desejo de vencer e aquela garra que é típica do brasileiro."
Moradora do Plano Piloto, os laços com a casa seguem firmes. Amigos e familiares mandam mensagens motivacionais sempre que necessário, e quando a saudade bate, o FaceTime vira o ponto de reencontro. "Sinto falta do calor humano, mas levo comigo o Brasil, meus professores e tudo o que aprendi", ressaltou. Com a parede do novo quarto carregada de fotos com os entes queridos, lembranças de carinho não faltam.
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