
Por Manuela Sá*
As tecnologias que possibilitaram o desenvolvimento da agricultura e da pecuária no Distrito Federal e a sustentabilidade foram temas discutidos, ontem, no programa CB.Agro — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. A entrevista é a primeira de uma série sobre os 50 anos da Embrapa Cerrados, que fica em Planaltina. Aos jornalistas Sibele Negromonte e Marcelo Agner, o pesquisador José Roberto Rodrigues Peres falou sobre como o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para o agronegócio tem ajudado na preservação do Cerrado. Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista.
Quando o senhor chegou ao Distrito Federal, em 1975, o que encontrou em termos de agricultura e de pecuária?
Praticamente não existia agricultura no Cerrado. Havia arroz de sequeiro, de baixa tecnologia, e pecuária extensiva. O Brasil importava mais de 60% daquilo que consumia como alimento. A decisão do governo, à época, foi: 'Precisamos ser autossuficientes em alimento e vamos apostar no desenvolvimento do Cerrado'. Este bioma tem todas as características para produzir agricultura, mas faltava tecnologia. A Embrapa surgiu dessa necessidade de gerar técnicas agrícolas.
Hoje, o Cerrado tem uma das maiores produtividades do país em várias culturas. Como foi o trabalho para conquistar essa posição?
O Cerrado tem solo muito pobre, altamente intemperizado. Como ele é deficiente de todos os nutrientes necessários para o crescimento das plantas, começamos a pesquisa definindo quantidades de adubo necessárias para ter solo produtivo e com bom retorno econômico. Construímos o solo, mas, paralelamente, tínhamos que desenvolver o sistema de produção, porque, aqui, não existia praticamente nenhuma das culturas que cultivamos hoje. Passamos a desenvolver os sistemas de produção de soja, de milho, de trigo, de feijão e de arroz. Começamos a trabalhar em 1975 e foi uma evolução fantástica.
A soja foi um grande desafio? Por quê?
Só se plantava soja no Sul, com variedades vindas dos Estados Unidos, e ela tem uma grande sensibilidade à luz. Começamos um trabalho de melhoramento genético para desenvolver uma soja adaptada ao Cerrado. Ao mesmo tempo, tínhamos que desenvolver outros fatores de produção. Não só o solo, mas, também, a tolerância a pragas e a doenças. A principal tecnologia, que viabilizou esse grão, foi uma bactéria, chamada rizóbio, que fixa nitrogênio. Ela pega o nitrogênio do ar e transfere para a planta. Foi o que permitiu a "tropicalização da soja".
Qual foi outra grande inovação desenvolvida?
No começo dos anos 2000, fizemos a integração do sistema produtivo e a chamamos de integração lavoura-pecuária e lavoura-pecuária-floresta. Numa mesma área, você produzir grãos, carne e floresta, numa produção verticalizada. Nos anos 1980, nossa produtividade era em torno de 2 mil quilos por hectare de grãos. Hoje, com essa tecnologia, temos três safras e uma produtividade de 12 mil quilos por hectare de grãos e 12 arrobas de carne por hectare. É um sistema que chamamos de poupa-terra, pois evita a abertura de novas áreas para cultivo. No Cerrado, temos 28 milhões de hectares de pastagem degradada. É uma grande oportunidade para transformar essa pastagem nesse sistema integrado de árvore, pecuária e floresta, que permite duplicar a produção agrícola do Brasil.
O Cerrado é um dos biomas mais ameaçados do país. Como, hoje, a Embrapa trabalha para manter a viabilidade da produção agrícola forte, em parceria com a sustentabilidade?
Esse é um grande desafio. Tecnologia sustentável a gente tem. Temos também um processo educativo para fazer com que os produtores utilizem boas práticas agrícolas. Nosso foco de pesquisa era avaliar os recursos naturais e socioeconômicos do Cerrado e aproveitá-los bem, tendo a produção em equilíbrio com o ecossistema. Desenvolvemos tecnologias para usar economicamente os próprios recursos. A Embrapa está correndo para ajudar a ir atrás do prejuízo do desmatamento no Cerrado com tecnologia de restauração das plantas nativas, tanto de área de preservação permanente quanto de área de reserva legal.
Estamos a poucos dias da COP30, evento em que o Brasil vai ser vitrine para o mundo. O que a experiência da Embrapa Cerrados pode mostrar durante esse evento?
Existem barreiras não tarifárias por desconhecimento da nossa competência em fazer agricultura sustentável. É a grande oportunidade de mostrar para o mundo que o Brasil, que o Cerrado, principalmente, é responsável pela segurança alimentar do planeta, produzindo sem degradar o meio ambiente. Essa é a grande mensagem que temos de levar com o setor do agronegócio. Estamos fazendo um grande evento, com exposição e vitrine tecnológica, dentro do nosso centro de pesquisa, para os visitantes tomarem consciência da nossa competência. E temos um grande desafio: boa parte da sociedade não conhece o que fazemos com a agricultura. Precisamos decodificar para os brasileiros e para a comunidade internacional.
Oito bacias hidrográficas do país nascem no Cerrado. É um desafio maior ainda a sustentabilidade, produzir e preservar essa água?
Das doze bacias hidrográficas do Brasil, oito nascem no Cerrado, como a do rio São Francisco, que da origem a várias bacias. Por isso, estamos fazendo uma ação muito forte para recuperar as nascentes e fazer a gestão dos recursos hídricos.
Que plantas nativas do Cerrado têm potencial para a produção em larga escala?
Temos várias espécies com potencial econômico. Não só a gente está domesticando, para produzir em monocultura, mas também para enriquecer o bioma dessas espécies. E tem mercado. O baru, por exemplo, o Brasil está exportando para os Estados Unidos e vai exportar para a Europa. Também estamos enriquecendo o bioma com as plantas nativas. Há uma vocação, tudo pode ser plantado no Cerrado. As condições climáticas nos permitem produzir tudo o que você pensar, em termos de produtos agrícolas, não só os tradicionais. O açaí, que se produzia no norte, com agricultor familiar, já estamos bem adiantados para daqui a dois anos estarmos comercializando essa fruta. Temos até oliveira para fazer azeite. A uva é um grande exemplo que recentemente foi introduzido no Cerrado. Algo interessante é que todas as espécies de uva para vinho, produzimos no Cerrado com grande produtividade. Já ganhamos um prêmio internacional do vinho produzido com a uva daqui.
Como é feito o trabalho com a agricultura familiar?
A Embrapa é sempre questionada por trabalhar com o agronegócio, mas ela colabora com todas as categorias de produtores. Temos um trabalho, desde o início da empresa, focado na agricultura familiar. Mas a transferência de tecnologia para esse grupo é um desafio. Eu costumo dizer que o pé de milho que o pequeno produtor planta é o mesmo que o agronegócio planta. Entretanto, os agricultores são diferentes e têm que ser tratados de maneiras diferentes. Desenvolvemos uma grande metodologia de pesquisa participativa, que significa fazer a pesquisa junto com o agricultor. Muitas variedades de maracujá foram desenvolvidas assim na Embrapa Cerrados. A mandioca, cuja produtividade média no Brasil é em torno de 10 toneladas por hectare, chega a mais de 20 toneladas por hectare no DF, e foi desenvolvida em parceria com agricultores familiares. É quase uma obrigação não mais apenas gerar a tecnologia e entregar; é preciso fazer junto. O maior desafio é o governo, cada vez mais, criar programas direcionados ao agricultor familiar. Não adianta só ter o crédito. Precisamos de associações, das prefeituras envolvidas, da assistência técnica, da pesquisa desenvolvida e, aí sim, teremos sucesso.
Assista à íntegra da entrevista:
*Estagiária sob supervisão de Eduardo Pinho

Cidades DF
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