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O novo ato do Hotel Nacional; reforma do prédio começa amanhã (27/10)

Corredores do edifício guardam relíquias da arquitetura moderna e um valor incalculável para a história de Brasília. Compromisso dos novos gestores é trazer de volta o luxo e preservar a identidade

Ícone do Setor Hotereiro Sul passará por reforma a partir de amanhã -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
Ícone do Setor Hotereiro Sul passará por reforma a partir de amanhã - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

O ano era 1961. O dia, 21 de abril. Brasília, em festa, celebrava o seu primeiro aniversário. Do marco zero da cidade inaugurada 365 dias antes, via-se à frente o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. À direita, o esqueleto da Catedral de Brasília tomando forma. E atrás, o Hotel Nacional de Brasília (HNB): linhas leves, concreto aparente, um design arrojado para a época. 

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A partir daquele 21 de abril, quem atravessava a porta giratória que dava para o lobby experimentava o luxo, a elegância, o requinte e um staff altamente qualificado para receber e encantar. Do lado de fora,  poeira vermelha por toda parte; o vaivém de caminhões, máquinas e operários davam forma à nova capital da República. 

Mergulhar na história do Hotel Nacional é, ao mesmo tempo, entrar em contato com a cultura, o lazer, a gastronomia e a política brasileira nos primeiros anos de Brasília. A colunista de gastronomia do Correio Braziliense Liana Sabo chegou a Brasília muito jovem, em 1968. Frequentou festas e entrevistou as autoridades mais importantes do Brasil e do mundo nos salões do HNB. "O Hotel Nacional era um lugar onde havia vida em Brasília. Tudo acontecia ali. Os bailes da cidade, especialmente no aniversário de Brasília, em 21 de abril, eram fantásticos", relembrou. 

Além de memórias, Liana guarda relíquias. Está com ela a prataria usada para servir chá para a Rainha Elizabeth II. E copos altos de whisky, moda na década de 60 e 70. "Quando o Hotel Nacional mudou de mãos, foi adquirido pelo grupo da Vasp, da família Canhedo. Em determinado momento, o hotel passou por uma grande remodelação, e muitos objetos antigos — embora pequenos, eram peças de prata de valor histórico — foram substituídos e descartados. De alguma forma, parte desse acervo acabou chegando às minhas mãos, e eu o guardo com muito zelo", contou.  

  • Louças da suíte presidencial
    Louças da suíte presidencial Bruna Gaston CB/DA Press
  •  Louças da suíte residencial do Hotel Nacional de Brasília
    Louças da suíte residencial do Hotel Nacional de Brasília Bruna Gaston CB/DA Press
  • Gerente geral, Moacyr Florentino, com o ator norte-americano John Travolta
    Gerente geral, Moacyr Florentino, com o ator norte-americano John Travolta Arquivo/Hotel Nacional
  • Atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro, gerente comercial do Hotel Nacional, Madalena Cesar, e a empresaria e a atriz  Joicy de Oliveira,  em setembro de 1988
    Atores Fernando Torres e Fernanda Montenegro, gerente comercial do Hotel Nacional, Madalena Cesar, e a empresaria e a atriz Joicy de Oliveira, em setembro de 1988 Arquivo/Hotel Nacional
  • Suite presidencial do Hotel Nacional
    Suite presidencial do Hotel Nacional Adauto Cruz/CB/D.A Press
  • Visita da cantora baiana Gal Costa
    Visita da cantora baiana Gal Costa Arquivo/Hotel Nacional
  • O então gerente do hotel, Moacyr Florentino, com o jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé
    O então gerente do hotel, Moacyr Florentino, com o jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o Pelé Arquivo/HotelNacional
  • Atriz Dira Paes à época do 40º Festival de  Brasília do Cinema Brasileiro 2007
    Atriz Dira Paes à época do 40º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2007 Zuleika de Souza/CB/D.A Press
  • Piscina em obras
    Piscina em obras Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Obras de arte que serão  expostas em novo museu
    Obras de arte que serão expostas em novo museu Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Placa registra a  hospedagem da Rainha Elizabeth
    Placa registra a hospedagem da Rainha Elizabeth Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Multidão cerca o hotel para ver a Rainha Elizabeth II durante visita a Brasília
    Multidão cerca o hotel para ver a Rainha Elizabeth II durante visita a Brasília Arquivo CB/D.A Press

Durante quase duas décadas, o empresário José Tjurs, fundador da rede Horsa Hotéis Reunidos S.A., imprimiu sua marca de excelência e luxo ao Hotel Nacional. Com a morte dele, em 1978, de infarto, o império começou a ruir. Leo Tjurs, único filho de José, e os netos, assumiram a gestão, mas a boemia impactou fortemente o negócio. O empresário Wagner Canhedo (dono da Vasp), por meio de arrendamento, tomou à frente da administração permeada por disputas judiciais, polêmicas que culminaram com a falência. 

Assista à reportagem abaixo com imagens do Hotel Nacional antes da reforma 

Viagem ao passado

Sessenta e quatro anos depois da inauguração, entre crises, falência, três leilões e de ter ficado fechado por sete anos, o Hotel Nacional começa a escrever um novo capítulo da sua história, amanhã. O edifício de 10 andares mais o terraço começam a ser reformados. 

Na semana passada, a equipe do Correio percorreu, com exclusividade, todos os 10 andares do prédio — de escada, a energia estava desligada — ao lado de Saulo Mesquita, representante da Incorp, proprietária do local. "A nossa ideia, desde o princípio, sempre foi a de resgatar a história e preservar o legado do HN, que, como todos sabem, é um ícone não só arquitetônico, mas cultural de Brasília", explicou. 

Assim que entramos no lobby do hotel, uma escultura de três metros de altura, talhada em madeira vinhático, se destacava no lado direito do salão. É o Tocador de Berimbau, de Mário Cravo, uma das 1.232 obras de arte catalogadas por Juliana Molissani.

Subindo as escadas, em uma sala guardada por um solitário manequim usando um vestido de noiva branco, todo bordado e com alças de pérolas, nos deparamos com o acervo de dezenas de telas.  Entre elas, peças de Tomie Ohtake e um Di Cavalcanti. Muitos dos quadros são assinados pelo artista  Ruben Zevallos. "Infelizmente, muitos estão danificados, como o do Di Cavalcanti", lamentou Saulo mostrando o rasgo na tela. 

Encostado à parede, a placa que eternizou a visita da rainha Elizabeth II e o seu consorte, príncipe Philip, duque de Edimburgo, em 5 de novembro de 1968. O casal ficou hospedado na suíte presidencial. E lá fomos nós, subir nove lances de escada para conhecer o espaço.  

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Por dentro da história

Profissionais contratados pela Incorp catalogaram 1.232 obras de arte. O levantamento histórico do prédio ficou sob a responsabilidade da Gema. Jo Costa, arquiteta, sócia da empresa, explicou que o trabalho dela consistiu em elaborar um registro documental que resguardou a história do edifício, valorizou seu legado e registrou com detalhes seu interior antes do retrofit que promete transformar esse marco de Brasília.

"Nossa equipe contou com um historiador, o Hugo Rocha. Ele foi responsável por entrevistas e pesquisa em arquivos. Com isso, pudemos entender melhor como foram as transformações do hotel, como chegou aos dias atuais", disse. 

Entre um andar e outro, paramos no impressionante salão azul, palco para festas memoráveis, desfiles e jantares suntuosos. Na época, o espaço era um grande vão que acolhia centenas de convidados. Com o tempo, foi separado por divisórias. 

Outra particularidade ainda presente são os carpetes. Em cada pavimento do Hotel Nacional, eles têm uma cor diferente. Em comum, todas as paredes são revestidas com madeira de cor escura.  

A subida pelas escadas foi entremeada por momentos de completo breu e outros que a luz entra abundante pelas vidraças de tom azul-clarinho. Pelo caminho, encontramos um ninho de passarinho com ovo. Dentro de um vão da parede, por onde passa uma espécie de tubulação, um espelho pendurado num espaço pouco provável de ter alguma utilidade. 

Quando, finalmente, chegamos à suíte presidencial, encontramos a porta de madeira fechada. Ao abrí-la, ainda encontramos móveis antigos como uma luminária pedestal com mais de dois metros de altura, sustentada por três pilastras e enfeitada com leões sentados e folhas em friso nas cores verdes, remetem ao estilo império do início do século 19. 

Em outro cômodo, aparadores e cadeiras com detalhes entalhados na madeira. São 800 metros quadrados, oito cômodos, uma sala de estar, uma sala de reunião, cozinha e quatro banheiros com banheira. A pergunta que fica é? Como ficará o novo Hotel Nacional? 

Perguntada sobre o que é inegociável na reforma do HNB, a sócia-diretora do escritorio Anastassiadis Arquitetos, Patricia Anastassiadis — responsável pelo design e arquitetura de interiores— respondeu. "Que ele revele essa passagem do tempo de forma orgulhosa, com espírito renovado e verdade. Nossa curadoria de arte e design e o projeto estarão a serviço dessa atmosfera".  

A Dávila Arquitetura é a empresa que responde pelo projeto de edificação. A representante da empresa, a arquiteta e urbanista Ana de Paula destacou que todo o trabalho foi amparado por processo de busca da memória do edifício e do que ele representa para a nossa arquitetura e para Brasília. "Vamos preservar o diálogo entre a edificação e a paisagem urbana de Brasília, trazendo ali uma identidade que é relacionada à nossa escala gregária do plano piloto de Brasília", adiantou. 

*Colaborou: Walkyria Lagaci, estagiária sob a supervisão de Adriana Bernardes

 

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postado em 26/10/2025 06:06
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