espiritualidade

100 anos de Tia Neiva e o legado de amor, humildade e tolerância

Para os seguidores da Doutrina do Amanhecer, hoje espalhados pelo mundo, os ensinamentos da líder estão mais vivos do que nunca

"É uma médium de bondade comprovada, que diariamente é solicitada para resolver problemas sérios de pessoas necessitadas, para quem ela sempre encontra uma solução na base da tolerância". Assim, uma edição de maio de 1983 do Correio descreve Neiva Chaves Zelaya, fundadora da Doutrina do Amanhecer. Se estivesse viva, hoje, a líder faria 100 anos. Seus seguidores, espalhados pelo mundo, celebram o centenário da mãe espiritual e garantem: os ensinamentos de Tia Neiva estão mais vivos do que nunca. 

No último sábado, a reportagem visitou o Vale do Amanhecer, em Planaltina, para conhecer o legado deixado pela líder. Com estrutura em madeira e fachada azul clara, a casa onde morou Tia Neiva transformou-se em um museu, com milhares de imagens e objetos que contam sua história. "Tudo aqui foi ela quem rabiscou e fez, com a espiritualidade por perto. Era quase uma engenheira", conta a filha caçula, Vera Lúcia Zelaya, 77 anos, referindo-se aos espaços físicos do Vale — a Pirâmide, o Templo-Mãe, um centro de orações de seis pontas e várias esculturas elípticas.  

 Vera Lúcia preserva os cabelos volumosos e o olhar enigmático da mãe. As características físicas, aliás, contribuíram para que a imagem de Neiva permanecesse viva na memória do Distrito Federal. Quem não a conheceu admira a postura imponente presente em antigas fotografias, onde aparecia sempre rodeada de pessoas. "Acredita que ela tinha apenas 1,50 de altura? Como pode uma mulher tão pequena em tamanho construir todo esse império, não é? Ali morava uma coragem gigante", reflete a filha. 

"Deixai vir a mim os aflitos"

Viúva aos 23 anos e mãe de quatro filhos pequenos (Gilberto, Raul, Carmem Lúcia e Vera Lúcia), Neiva precisou batalhar pela sobrevivência da família. Antes de trabalhar como motorista de caminhão — uma das primeiras mulheres na profissão no Brasil —, atuou como fotógrafa, registrando casamentos, batizados e até velórios. Em certa ocasião, foi chamada para fotografar um defunto em um vilarejo de Ilhéus, na Bahia. Quando foi bater a foto do caixão, que estava em pé, o falecido caiu sobre ela. 

Em sobressalto, a fotógrafa largou o equipamento e saiu correndo de medo. "Passado o susto, lembrou-se que não podia ficar sem a garantia de seu sustento. Então, não só voltou (ao velório) como bateu outra foto. Essa história foi contada inúmeras vezes em meio a risos. Mamãe era assim, superava seus medos para que pudéssemos permanecer unidos, sendo capaz de nos fazer rir de momentos difíceis para não alimentar as dificuldades", conta a filha Carmem Zelaya, no livro Neiva, sua vida pelos meus olhos, publicado em 2014. 

Devido ao contato contínuo com produtos químicos, utilizado na revelação das fotos, Neiva foi alertada sobre o risco de ficar tuberculosa, diante de uma tosse que se pronunciava. O medo de deixar os filhos sem amparo, no caso de a doença se manifestar, a fez mudar de profissão. Em fevereiro de 1952, ela tirou a carteira de motorista e, com seu próprio caminhão, percorreu o Brasil de ponta a ponta com os filhos. "Nem mesmo o traje masculino de trabalho conseguia esconder a mulher bela e atraente que era", acrescenta Carmem, no livro. 

Foi durante o trabalho como motorista que Neiva começou a manifestar os primeiros sinais de mediunidade e clarividência, por volta de 1958. "Eu tinha dez anos, quando a presenciei gritar por achar que tinha atropelado pessoas nas estradas. Na verdade, eram os espíritos que via passando em frente ao caminhão. Ela temia estar ficando louca", recorda Raul Zelaya, 78, filho de Neiva e atual líder do Vale do Amanhecer. Acolhida por kardecistas, foi orientada a procurar um centro espírita. 

Em 1959, Neiva se juntou a um grupo de espíritas, e os fenômenos foram tornando-se cada vez mais recorrentes. Seu mentor espiritual era Pai Seta Branca, entidade de luz que a orientou a criar a Doutrina do Amanhecer. O espírito missionário, segundo a crença, liderou e lidera missões para a humanidade em diferentes encarnações, como Jaguar e São Francisco de Assis. A missão é auxiliar a humanidade em sua evolução espiritual.

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"Pai Seta Branca orientou que construíssemos um centro espírita em Serra do Ouro, Alexânia, e lá minha mãe passou a acolher e orientar diferentes pessoas que precisavam de algum tipo de ajuda. Crianças, doentes e famílias sem lar. Era como se um ímã as levasse a mamãe", relata Raul, responsável, posteriormente, por cuidar do Lar das Crianças de Matildes, que chegou a abrigar, em média, 200 crianças. O grupo, também chamado de Ordem Espiritualista Cristã, passou por Taguatinga até se fixar em um terreno em Planaltina. Lá, Tia Neiva fundou, em 1969, o Vale do Amanhecer. 

Mesmo com a saúde cada vez mais debilitada, devido a sequelas da tuberculose, Tia Neiva atendia, diariamente, milhares de pessoas que a procuravam em busca de cura física e mental. Cinco anos após sua fundação, o Vale do Amanhecer já recebia semanalmente 10 mil pessoas, e o corpo de médiuns batia a casa dos 8 mil.

Em 18 de novembro de 1985, o Correio anunciou na capa: "Cem mil no adeus a Tia Neiva". "Lamúrias, desmaios, lágrimas e gritos de dor nos quais o título de 'Tia' foi trocado pelo carinhoso substantivo 'Mãe'", diz a chamada da reportagem. Neiva, que morreu aos 60 anos, foi sepultada no Cemitério de Planaltina.

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Ed Alves CB/DA Press -
Ed Alves CB/DA Press -
Ed Alves CB/DA Press -
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Arquivo CB/D.A Press -
 

"Salve Deus!"

A Doutrina do Amanhecer é fundamentada nos princípios de amor, humildade e tolerância, pilares vistos como o caminho para a cura e libertação. As atividades desempenhadas no Vale combinam símbolos e práticas de diferentes tradições, como o espiritismo kardecista, umbanda, cristianismo, hinduísmo e até referências à civilização inca e egípcia.

"Cada médium que você abordar vai ter uma história de realização frequentando a doutrina. De fato, muitos a interpretam como um sincretismo religioso e, talvez por isso, tantas pessoas se sintam bem aqui. Tem lugar para todo mundo. Não fizemos distinções de profissão, classe social, credos antigos. Vem quem quiser, da maneira que vier e com o problema que tiver", explica Marlen Almeida, 46, que atua como mestre no Vale. 

Para ele, a Doutrina do Amanhecer lhe deu as respostas que, durante a sua adolescência, buscou em outras crenças. Tornou a vida mais leve. "Aqui, vejo o evangelho ser aplicado", diz. Foi Marlen quem apresentou à reportagem o Templo-Mãe, cujo interior surpreende pela riqueza de detalhes, cores, cheiros e sensações. O símbolo da Cruz Iniciática — cruz envolvida por um manto branco — indica a união entre o plano espiritual e o plano material. "Remete ao Cristo ressuscitado", completa o mestre. 

Raul Zelaya destaca que a depressão, "um dos maiores problemas do mundo", tem como origem a falta de "um ombro amigo para desabafar". "Quando essa pessoa, angustiada, chega ao Preto Velho para confidenciar suas dores, grande parte da cura é dada. O restante ocorre por meio dos trabalhos de limpeza da aura", diz. Para o atual líder do Vale do Amanhecer, o maior legado que Tia Neiva deixou é justamente o amor e a caridade, "preceitos que tentamos reproduzir conforme os ensinamentos passados por ela". 

Hoje, a Doutrina do Amanhecer tem, em média, 800 templos espalhados pelo mundo e cerca de 110 mil médiuns. Os seguidores, que desejam evoluir espiritualmente por meio da caridade e da mediunidade, tem, por Tia Neiva, o sentimento máximo de gratidão. "Ela é tudo", dizem. Diante do templo onde recebem as graças, saúdam: "Salve Deus!". 

 


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Programação 100 anos de Tia Neiva (30/10)

- 20h: Troca de rosas

- 21h: Apresentação do coral Aledá

- 21h30: Apresentação do coral Tia Neiva

- 22h: Sorteio de prêmios 

- 22h15: Confraternização

Exposição de fotos:

entre os dias

30 de outubro e

2 de novembro

Local: Templo-Mãe