
Mulheres de todo o país e de diferentes regiões do mundo para a Marcha das Mulheres Negras 2025 por Reparação e Bem-Viver chegaram, ontem, à Granja do Torto. Milhares de participantes ocupam os 36 alojamentos preparados para recebê-las, em um espaço amplo, diverso e voltado ao acolhimento. A estrutura conta com áreas de descanso, atividades de cuidado, apoio psicológico, atendimento médico e espaços para crianças.
No local, o Espaço Bem Viver oferece massagem, práticas de relaxamento e um ambiente de descompressão voltado, especialmente, para crianças autistas. Há também o Espaço Fiocruz, com atendimento psicológico e médico; o Espaço Erê, destinado aos pequenos, com oficinas, brinquedos e cinema; além de outras atividades que garantem acolhimento integral às mulheres e suas famílias.
Para a Ialorixá de Oxum (nome com o qual ela prefere ser identificada) e coordenadora da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), do Rio de Janeiro, de 61 anos, o encontro representa a defesa da vida em todas as dimensões. "Estar nessa marcha é importante porque, quando a gente para e pensa em uma marcha com o tema Bem Viver, significa o direito de professar a minha fé, o direito da nossa juventude preta e favelada em pé, e que tenha mais dignidade", afirma.
Ela reforça que a mobilização traz à tona desigualdades persistentes. "Marchar para nós é marchar por todas as sequelas da nossa sociedade. O nosso país não é seguro para a mulher negra. Quando nós pensamos que tínhamos avançado, veio o retrocesso político", lamenta.
Adriana Andara Martins, 54, integrante do Comitê Sudeste da Marcha das Mulheres Negras, do Estado do Rio de Janeiro, e do Movimento Negro Unificado e da Articulação de Mulheres Brasileiras, chegou ao alojamento com outras lideranças. Ela recorda a primeira marcha de que participou, realizada em 2015. "Na época, fomos recebidas com tiros por fascistas acampados aqui, mas mesmo assim participamos. Fomos em torno de 100 mil mulheres", relembra.
Segundo Adriana, a expectativa para 2025 é ainda maior. "Estamos esperando cerca de 350 mil mulheres. Ao longo do processo de organização, a perspectiva é de 1 milhão de mulheres negras envolvidas". Ela destaca que a mobilização ultrapassou fronteiras. "Essa marcha já deixou de ser nacional, ela é global. Temos delegações de cerca de 30 países da América Latina, do Caribe e do continente africano participando".
A Marcha na luta por justiça, reparação, dignidade e políticas será hoje, na área externa do Museu Nacional da República, com saída às 11h.
Luta pelo pertencimento
"Estarei na Marcha das Mulheres Negras para reafirmar o meu pertencimento". A fala, da advogada Josefina Serra dos Santos, carrega memória,sabedoria e força.A ativista, que foi a primeira secretária de Igualdade Racial do Distrito Federal, participou do ato histórico em 2015,quando mais de 100 mil mulheres negras marcharam contra o racismo, a violência e pelo bem viver. Hoje, ela volta às ruas. "Pela minha mãe, minha avó, minha bisavó. Estarei representando todos os meus antepassados", destaca.
De 2015 para cá, Josefina observa que pautas como políticas afirmativas, regularização de terras quilombolas e visibilidade à luta antirracista ganharam maior evidência. "As pessoas também têm mais coragem para denunciar casos de violência racial", pontua. A luta, no entanto, deve ser constante. "Para mim, o mais urgente, no momento, é a implementação, na prática, da Lei nº 10.639/03", opina.
A norma torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas de ensino fundamental e médio, tanto públicas quanto particulares. Apesar de ter sido sancionada em 2003, sua aplicação ainda enfrenta desafios. "Contar história do povo negro é fundamental para que todos lutemos contra o racismo", diz.
A marcha retoma pautas históricas como a investigação de casos de violência doméstica, o combate ao racismo e ao sexismo na mídia, acesso à saúde de qualidade, titulação de terras quilombolas e enfrentamento ao racismo religioso. As participantes também reivindicam mecanismos que garantam a participação plena das mulheres negras na vida pública.
O conceito de bem viver, além do reparo às injustiças, propõe um modelo de sociedade mais justo, sustentável e igualitário, incorporando saberes ancestrais e o respeito à diversidade étnica e cultural brasileira. "Vamos continuar lutando até todos acreditarem que têm direito a ter direitos. Lutando, mas também sorrindo", resume a ativista.
Contribuiu Letícia Mouhamad
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