CB. Poder

Fábio Esteves assumirá vaga no CNJ: 'Direitos não se fazem apenas nas pontas das canetas'

O juiz Fábio Esteves comentou sua indicação para o Conselho Nacional de Justiça e lembrou que nenhuma grande corporação aposta em trabalhos com times homogêneos

Com 18 anos de magistratura, o juiz Fábio Esteves assume, em fevereiro, uma nova missão: tomará posse como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por indicação do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado foi presidente da Associação dos Magistrados do DF (Amagis), é professor da Escola Nacional da Magistratura Nacional e do IDP. Durante cinco anos e meio, atuou como juiz instrutor no gabinete do ministro Edson Fachin, no STF.

No CNJ, quer deixar a marca da educação, que considera fundamental em todos os aspectos, inclusive como forma de promover justiça. Fabio Esteves também chega ao Conselho para tornar o plenário mais plural, sendo um dos raros negros que alcançaram tal posição: em 20 anos, o CNJ teve cerca de 300 conselheiros e pouco menos de 10 negros.  

 Esse, aliás, é o tema de seu novo livro, Hermenêutica Cosmopolita, fruto de sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP). Em entrevista ao CB.Poder, ele explica que o trabalho se baseia em benefícios de colegiados plurais, com diversidade, para que as decisões sejam tomadas com o olhar para os diferentes contextos sociais.

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O que o senhor espera, nesses dois anos de mandato no CNJ, deixar de legado?

Eu penso que uma marca é levar as experiências que eu tive durante esses quase 19 anos de magistratura, experiências muito voltadas para a relação Justiça e educação. Das outras vezes em que eu estive aqui, sempre tratamos esse tema transversalizando a minha atuação, seja a educação infantil, seja a educação fundamental, ensino médio, eu penso que o conselho, hoje, como um órgão que produz políticas públicas para fazer o Judiciário funcionar de uma forma muito efetiva, tem uma vocação muito especial que é a educação e a Justiça. Então, creio que, na minha atuação, esses serão temas cruciais para a gente compreender que os direitos não se fazem apenas nas pontas de canetas, sentenciando processos, mas se faz, sim, num processo educacional, nas maneiras mais diversas de solucionar conflitos.

O senhor é um dos poucos conselheiros negros, hoje, no CNJ. Isso também tem um peso simbólico?

De fato, o CNJ tem 20 anos. Por lá, já passaram quase três centenas de conselheiros e seremos, agora, eu e a desembargadora Jaceguara (Dantas), somando menos que 10 negros. E para além da representação, para além da questão simbólica, a gente sabe que a pluralidade dos times, dos colegiados, tem uma questão técnica, que significa uma transformação, uma melhoria na tomada de decisão. Nenhuma grande corporação, hoje, aposta em trabalhar com times homogêneos. Ninguém investe recursos em empreendimentos que não tenham diversidade, pluralidade. E a gente sabe que isso tem uma série de retornos de ordem econômica. E o Judiciário, evidentemente, que produz decisões para uma população extremamente plural, se quer ter uma tomada de decisão que represente, não só simbolicamente, mas politicamente essas pessoas, essas demandas, ele, do seu ponto de vista técnico, também tem que pensar na pluralidade dos seus times tomadores de decisão. 

É papel também do CNJ acompanhar a execução das penas, a qualidade do cumprimento e também a ressocialização. Como vê essa atuação? 

O Conselho passou a ter uma missão especial com relação ao sistema prisional depois que o Supremo Tribunal Federal julgou a ADPF 347 e reconheceu que existe ali um estado de coisas inconstitucionais com relação ao sistema prisional. Ou seja, nós estamos investindo muito e estamos colhendo poucos frutos, poucos resultados positivos. E, além de tudo isso, nós temos uma sistemática violação de direitos, conforme reconheceu a Suprema Corte Interamericana. E aí o Conselho Nacional de Justiça desenvolveu o programa Pena Justa, que é uma política pública Judiciária, evidentemente discutida com vários setores do poder público e também da sociedade, para racionalizar o cumprimento das penas. Ele procura racionalizar o investimento do Estado no sistema prisional, para gerar soluções adequadas e efetivas.

Além de juiz e agora conselheiro no CNJ, o senhor dá aulas e é escritor. Um dos seus livros, que fez muito sucesso, voltado para o público infantil, conta sua trajetória de menino que cresceu no interior de Mato Grosso do Sul. Qual a principal mensagem que esse livro passa? 

Fabinho da Roça aos Tribunais deixa a mensagem da importância da educação. Não tem como a minha história não tematizar a questão do racismo, mas o livro coloca os sonhos acima de tudo. É como eu sempre digo, para crianças pretas, jovens pretos: ‘Olha, você tem dois desafios, o técnico e a barreira racial, mas é possível vencer. A gente só vai ter que ter essa consciência e, infelizmente, continuar lutando nessa dupla frente por um tempo’. Creio eu que, daqui a pouco, a gente só vai precisar ter iguais oportunidades para poder seguir em frente. 

Em fevereiro o senhor lança mais um livro, fruto da sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo (USP). O que ele aborda?

Hermenêutica Cosmopolita é um livro que, para mim, é um sonho, resultado de um trabalho que eu acredito, que me realizou muito no âmbito acadêmico, no âmbito profissional, no âmbito social, no âmbito pessoal. É um livro em que eu trato da maneira como os juízes precisam interpretar as leis. E esses juízes precisam sempre levar em consideração que eles estão numa comunidade plural de intérpretes e que esse diálogo produz soluções muito efetivas, soluções que não produzem apagamentos, não produzem silenciamentos e que produzem, ao contrário disso, riquezas, presenças, produzem a vivência de um povo tão plural como o nosso. Então, a proposta do livro é para personagens do direito levarem em consideração que do Norte ao Sul deste país existem universos muito plurais, muito distintos e que, num texto de lei, se enxergar de forma fria, de forma extremamente técnica, a gente não vai conseguir fazer com que o Judiciário alcance esses lugares.

 

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