Mês da consciência

Afroempreendedorismo cresce, mas desafios ainda persistem

Número de empreendedores negros aumentou no país, mas a renda e as oportunidades não acompanham esse cenário. Levantamento do Sebrae mostra que empresários brancos ganham quase o dobro e profissionais falam dos obstáculos no setor

O empreendedorismo negro vive uma década de expansão no Brasil. De 2014 a 2024, o país passou de 13,1 milhões para 16 milhões de empresários que fazem parte dessa parcela da população. Entretanto, esse crescimento é marcado por profundas desigualdades de renda, escolaridade e acesso a oportunidades. Dados consolidados do quarto trimestre de 2024 na pesquisa Empreendedorismo Negro no Brasil, do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), mostram que empresários brancos ganham quase o dobro do que os negros. 

Segundo o levantamento, no ano passado, o rendimento médio de um negro dono de negócio foi de R$ 2.477, enquanto o de um empreendedor branco alcançou R$ 4.607. Quando o recorte considera sexo e raça, o abismo é mais profundo. No topo da pirâmide, estão os homens brancos, com rendimento médio de R$ 5.066. Na outra ponta, as mulheres negras ganham, em média, R$ 1.986. 

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Mesmo quando se considera a escolaridade, a desigualdade se mantém. As mulheres negras empreendedoras, por exemplo, têm maior nível de instrução do que homens negros (65,4% contra 46,1% na faixa de ensino médio completo ou mais) e praticamente o mesmo que do homens brancos (65,2%), mas o rendimento não acompanha o grau de qualificação. 

 

Resultados

A maquiadora Rosa Sousa é uma empreendedora que decidiu seguir seu próprio caminho, após anos enfrentando os desafios do mercado formal. Aos 26 anos, encontrou no empreendedorismo uma forma de superar as dificuldades que a incomodavam. "Trabalhos longos, salários baixos e folgas injustas. A rotina esgotante me levou ao burnout. Eu queria crescer e enxerguei que o único jeito de fazer isso era ganhando o meu próprio dinheiro", explicou Rosa, que, há quatro anos, decidiu se lançar no mundo da maquiagem profissional e nunca mais olhou para trás.

Débora Victoria/@deborahvictooria - Para Maria Rosângela, o maior obstáculo de ser uma mulher negra empreendedora é a instabilidade financeira

Para ela, o maior obstáculo de ser uma mulher negra e empreendedora é a instabilidade financeira. Apesar dos desafios diários, Rosa destacou que a decisão de trabalhar por conta própria tem se mostrado gratificante. Segundo a maquiadora, mesmo com dificuldades financeiras no início, o tempo e a paciência começaram a trazer resultados. "Demorou bastante tempo, dedicação e, principalmente, paciência. Agora, depois de muito trabalho, comecei a ver os frutos", contou, com um sorriso de satisfação.

 

Transformação

Com um portfólio de atuação que abrange desde consultoria empresarial até projetos de impacto social, Sandra Campos fundou, com a sócia, Mabelle Roque, a CollaboRHe Consultoria de Gestão de Pessoas e Negócios, focada em práticas de gestão humanizada, diversidade e inclusão. Para ela, a luta pelo empreendedorismo vai além do negócio. Trata-se de abrir portas e transformar realidades. "O que falta para muitas mulheres negras é o acesso. Muitas vezes, a barreira não é a falta de talento, mas a falta de oportunidade. Meu trabalho é ser esse elo", destacou.

Minervino Júnior/CB/D.A.Press - 18/11/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Empreendedorismo negro no DF. Sandra Campos.

A decisão de Sandra, de empreender por conta própria, não foi uma escolha simples. A inquietação sempre foi uma constante para ela. "Percebi que, mesmo ocupando cargos de liderança, não tinha autonomia para implementar as ideias que acreditava. Para muitas mulheres negras no mercado formal, essa falta de autonomia é uma realidade", revelou.

Ela acredita que a qualificação acessível é uma chave para o sucesso, mas ressalta que, para muitas mulheres negras, o caminho para o empreendedorismo é repleto de obstáculos. "Mesmo assim, empreender pode ser o caminho mais viável para mulheres negras, que muitas vezes são provedoras do lar e enfrentam dificuldades estruturais enormes para conseguir espaço no mercado formal", afirmou.

 

Pressão

O advogado, doutor em direito e empresário Héctor Vieira, criador da plataforma Sankofa Negócios Negros, destacou que um dos aspectos mais graves dessa desigualdade se dá no impacto psicológico do racismo no ato de empreender. Ele relata que muitos profissionais negros vivem sob constante pressão para provar competência, o que gera desgaste emocional e contribui para a desistência precoce de negócios promissores. "Não é só sobre faturamento; é sobre saúde mental. A ausência de reconhecimento, a dúvida constante sobre nossa capacidade, tudo isso pesa", disse.

Além disso, a falta de acesso a conhecimento técnico, redes de apoio e suporte prático ainda é um dos principais entraves para abrir e manter um negócio. A desigualdade racial também se manifesta nos resultados financeiros. Essa diferença aparece em processos como busca por crédito, fechamento de parcerias e construção de credibilidade. "A confiabilidade vale muito no mundo dos negócios. Muitas vezes, a gente percebe uma resistência maior quando o empreendedor é negro — quase sempre de forma velada", frisou.

Arquivo pessoal - Héctor Vieira

Na opinião dele, um ponto crucial para fortalecer o afroempreendedorismo é a construção de redes de apoio entre pessoas negras, algo que ele considera uma resposta histórica às desigualdades estruturais. Segundo Vieira, iniciativas coletivas — como mentorias, grupos de estudo, compra entre pares e feiras de empreendedores — têm se mostrado fundamentais para ampliar visibilidade, circulação de renda e oportunidades de qualificação. "Quando a gente se organiza, a engrenagem roda. O que falta, muitas vezes, é o Estado acompanhar esse movimento", assinalou.

 

Valorização 

O mentor em posicionamento estratégico Carlos Sousa observa que o afroempreendedorismo vive uma transformação importante no país e no Distrito Federal. De acordo com ele, o movimento deixou para trás a lógica da sobrevivência. "Nos últimos anos, vejo o afroempreendedorismo ganhar voz, estratégia e consciência de valor. O movimento passou a ser posicionamento, inovação e construção de autoridade", destacou.

Apesar desse amadurecimento, Carlos ressaltou que a desigualdade racial continua marcando o cotidiano de quem empreende. Assim como Vieira, ele relatou que, ao longo da carreira, enfrentou barreiras menos visíveis, mas recorrentes. "A desigualdade aparece em coisas sutis: acesso menor a crédito, negociações mais duras, expectativa mais baixa sobre o nosso trabalho. Muitas vezes, precisei provar três vezes mais para receber o mesmo respeito que outros recebiam de imediato", relatou. 

Arquivo pessoal - Carlos Sousa avalia que, para que uma transformação real seja possível, políticas públicas precisam ir além do discurso

Mesmo diante dos desafios, ele vê avanços na percepção do público consumidor. O aumento da valorização de negócios liderados por pessoas negras tem se refletido na prática, na forma de "mais oportunidade, mais respeito e mais portas abertas". Mas, para que uma transformação real seja possível, políticas públicas precisam ir além do discurso. "Precisamos de três ações: acesso real a crédito, programas de capacitação prática e redes de apoio que gerem oportunidade, não só certificado", defendeu. 

 

A desconstrução do racismo

Hector Luís Cordeiro Vieira, advogado, professor e doutor em direito; e Tédney Moreira da Silva, advogado e professor de direito (Ibmec Brasília)

O processo de formação social e composição sociodemográfica do Distrito Federal é bastante peculiar em relação ao restante do país. Uma cidade nova, com 65 anos, criada e planejada sob um projeto moderno e inovador, surge da confluência de pessoas de origens e perfis diversos. Entretanto, há um aspecto central que as aproxima em sua ampla maioria: a negritude.

Naturalmente, as pessoas negras formaram o primeiro grande grupo empreendedor do Distrito Federal, com seus pequenos comércios e prestação de serviços. Mas o avanço dessa parte da população para alcançar o pleno potencial de seus negócios e capacidade contributiva para a economia sempre foi atravessado por um fenômeno cultural brasileiro: o racismo.

Ele cria obstáculos e corrói a construção de uma sociedade igualitária, indicando uma estruturação social que cria óbices às pessoas negras (pretas e pardas) em termos de acesso. De acordo com o IBGE (2022), a maioria dos trabalhadores é negra (preta ou parda), 54,2% do total, mas seus rendimentos foram menores em comparação aos de trabalhadores brancos, 44,7% do mercado. O rendimento médio real das pessoas brancas era de R$ 3.273 e o de pessoas negras, R$ 1.994, uma disparidade de 64,2%.

Segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) e do Dieese, 60,8% das pessoas ocupadas no DF, em 2024, se autodeclararam negras. Ocupam as profissões de maior vulnerabilidade e têm rendimentos médios reais, aproximadamente, 42,6% menores em comparação aos não negros. Isso significa que, apesar de serem a ampla maioria dos trabalhadores, elas encontram muitas barreiras, que as impedem de usufruir das mesmas condições e retorno econômico que as pessoas brancas.

Iniciativas de movimentos e de pessoas negras são importantes para a modificação desse quadro, para além de políticas públicas e ações inclusivas de Estado. A criação de redes dos trabalhadores negros, como a Sankofa Negócios Negros, incentiva o afroempreendedorismo em diversas áreas, uma estratégia de resistência, força e prosperidade da população negra do DF.

  

Histórias de Consciência: mulheres em movimento

Para marcar o Mês da Consciência Negra, o Correio promove o debate "Histórias de Consciência: mulheres em movimento", hoje, a partir da 14h, com entrada gratuita. O evento une informação, arte, opinião e memória para destacar o protagonismo das mulheres negras da cidade e do país. Durante os painéis, o público será convidado a ouvir histórias inspiradoras, refletir sobre trajetórias de resistência e celebrar a força feminina negra em diferentes áreas da sociedade.

A iniciativa ocorre um dia antes do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, celebrados nesta quinta-feira. No dia 20 de novembro, em 1695, Zumbi dos Palmares foi capturado e morto. A data é um convite à reflexão, ao reconhecimento e à valorização da contribuição das pessoas negras na construção cultural, social e econômica do Brasil.

 

Serviço

Data: 19 de novembro de 2025

Horário: 14h

Transmissão e início do evento: 14h30

Local: Auditório do Correio Braziliense

Mediadores: Carmen Souza e Rosane Garcia

Transmissão: ao vivo, pelo canal do Correio Braziliense no YouTube

Evento aberto

 

Abertura

  • Margareth Menezes, ministra da Cultura do Brasil

 

Pré-painel

  • Adriana Lima, fundadora do Sacoleiros de Luxo

 

Painel 1 | Mercado de Trabalho

  • IlkaTeodoro, advogada e ex-administradora do Plano Piloto
  • Dora Gomes, presidente do Instituto É Possível

 

Painel 2 | Mobilização coletiva de mulheres

  • Joice Marques, gestora da Casa Akotirene
  • Naiara Leite, representante do Comitê Nacional da Marcha das Mulheres Negras
  • Ana Flávia Magalhães, historiadora e professora da Universidade de Brasília (UnB)
  • Janaina Soares, decana de Extensão da Universidade de Brasília (UnB)

 

Não perca o evento!

 

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