Por Carlos Silva, Manuela Sá*, Mila Ferreira e Luiz Fellipe Alves — No primeiro painel do evento Histórias de Consciência: mulheres em movimento, realizado pelo Correio Braziliense, a advogada e ex-administradora do Plano Piloto Ilka Teodoro; a presidente do Instituto É Possível, Dora Gomes; a administradora e mestranda em psicologia Rafaela Santana; e a deputada distrital Doutora Jane (Republicanos) discutiram os desafios estruturais que ainda impedem a plena inserção e a ascensão de mulheres negras no mercado de trabalho. As convidadas abordaram desde a persistência de processos seletivos excludentes até a ausência de representatividade em cargos de liderança. Em comum, as falas apontaram para a urgência de políticas intencionais, formação continuada e ambientes corporativos capazes de garantir equidade real — e não apenas simbólica — às profissionais negras.
Primeira a discursar, Ilka Teodoro revisitou a própria trajetória marcada pela busca por estabilidade e pela necessidade de conciliar sonhos com as limitações impostas pelo racismo estrutural. Ela lembrou que cresceu em uma família que sempre valorizou a educação, mas destacou que, para pessoas negras, a relação com o futuro costuma ser mais urgente e pragmática. "Famílias negras sabem o que é a luta por estabilidade e a importância de garantir um futuro melhor para as próximas gerações", afirmou.
Ao narrar que sonhava em seguir carreira diplomática, Ilka relatou como acabou direcionada ao Direito após ser aprovada primeiro no curso. "Com mulheres negras, no geral, acaba que os percalços vão nos direcionando para situações diferentes de tudo o que a gente planejou", disse, ressaltando como expectativas e trajetórias são afetadas por desigualdades persistentes.
No relato sobre a própria ascensão profissional, Ilka explicou que a advocacia se tornou seu caminho natural e que a vitória nas eleições da OAB, em 2012, representou uma mudança profunda em sua consciência política e identitária. "Foi o encontro com o ativismo, que até então eu não tinha experimentado: o voltado tanto para as questões de gênero quanto para as questões raciais", afirmou.
Desigualdade
A presidente do Instituto É Possível, Dora Gomes, por sua vez, apresentou um panorama contundente da desigualdade racial no mercado de trabalho privado. Dados reunidos pela instituição junto a órgãos como o Ministério do Trabalho e Emprego, o Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entre outros, mostram, por exemplo, que, no segundo trimestre de 2024, a taxa média de desemprego no país era de 6,9%, enquanto entre mulheres negras alcançava 10,1%.
Outro dado alarmante é o de que 82.6% dos cargos de alto escalão são ocupados por brancos, enquanto pretos representam apenas apenas 0.5% "Isso não são números de frieza estatística. Isso reflete uma expressão econômica do racismo estrutural que ainda vivemos no nosso país", afirmou.
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Dora explicou que o problema começa na porta de entrada das empresas, com critérios de seleção que funcionam como filtros silenciosos. "É o que a gente chama de uma triagem invisível. Pessoas brancas são chamadas; pessoas negras, muitas vezes, nem sequer são convidadas para as entrevistas", disse. Dora acrescentou que bancas majoritariamente brancas reforçam o "viés inconsciente" no recrutamento. Para ela, inclusão real depende de ações intencionais. "Diversidade sem poder é só presença", resumiu.
Pertencimento
Em sua fala, a administradora e mestranda em psicologia Rafaela Santana avaliou que, apesar dos avanços, a presença de pessoas negras nos espaços de decisão ainda é limitada. "O Brasil parte de um trabalho escravizado, isso é refletido nos dias atuais. Temos, sim, uma ascensão, mas são indicadores muito baixos", afirmou. Para Rafaela, políticas afirmativas seguem essenciais para transformar esse cenário. "Cotas e iniciativas públicas e privadas ajudam nesse processo, mas ainda temos muito a fazer", completou.
Rafaela também lembrou que sua história começou com a migração da mãe para Brasília. Ela relatou que cresceu em um ambiente marcado pelo sentimento de "não lugar", comparando sua vivência ao filme Que Horas Ela Volta?. "Vivi muito tempo em uma casa na Asa Sul como a filha da empregada. O conceito de não lugar sempre esteve presente", contou.
A empreendedora também observou que chegar aos espaços de liderança não significa, necessariamente, ser acolhida neles. Ela reforça a necessidade de ambientes corporativos comprometidos com diversidade real. "Não basta contratar. É preciso garantir pertencimento e criar estruturas que sustentem nossa permanência", ressaltou.
Letramento racial
Como primeira deputada distrital negra na história da Câmara Legislativa (CLDF), Doutora Jane defendeu a implementação de políticas públicas afirmativas como uma obrigação do Estado para reparar uma dívida histórica. A parlamentar, que atuou como delegada e professora, atribuiu sua trajetória às oportunidades conquistadas pela educação e enfatizou: "São políticas públicas afirmativas que precisam existir para fazer justiça conosco. Nós vivemos quase 400 anos de escravidão e, depois, saímos da senzala para a favela, sem qualquer oportunidade".
Para ela, a desigualdade não é uma questão de capacidade, mas de acesso. "O que separa a população negra do resto do mundo não é a falta de inteligência ou capacidade, é a falta de oportunidade". Doutora Jane também destacou a importância de uma atuação firme de pessoas negras em posições de poder.
Como exemplo de ação concreta, citou a recente aprovação na CLDF, por unanimidade, de seu projeto de lei sobre letramento racial. "Acredito na educação como ferramenta transformadora de processos. Precisamos educar a todos por meio do letramento. Por meio do letramento, as pessoas entendem como não perpetuar o racismo e o preconceito", explicou a deputada. O objetivo da proposta é "identificar, instruir e fazer com que as pessoas entendam o que é o racismo e como combatê-lo".
*Estagiária sob a supervisão de Malcia Afonso
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