Consciência negra

Marcha das Mulheres Negras: uma década de busca por reparação

Dez anos depois da primeira edição, participantes da Marcha das Mulheres Negras, envolvidas no projeto desde o início, compartilham os avanços e as dificuldades atuais no combate ao racismo e ao sexismo

A Marcha das Mulheres Negras teve sua primeira edição em 18 de novembro de 2015. Na época, o país vivia uma forte crise política, e o projeto vinha para denunciar o racismo e o sexismo sofrido por mulheres negras. A ação reuniu mais de 100 mil mulheres negras em todas as regiões do país.

A marcha reivindicava a investigação de casos de violência doméstica, o fim do racismo e do sexismo nos meios de comunicação, acesso à saúde de qualidade, titulação de terras quilombolas e o fim do racismo religioso. As participantes lutavam pela criação de um mecanismo para a participação plena das mulheres negras na vida pública.

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Mulheres negras são mais de 28% da população brasileira, o maior grupo populacional do país. Apesar de alguns avanços ao longo da década, dados ainda preocupam. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado neste ano, mulheres negras são 63% das vítimas de feminicídio no Brasil. Além disso, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 69,9% dos trabalhadores em serviços domésticos remunerados no Brasil são mulheres negras, e 76% delas trabalham sem carteira assinada.

No atual cenário, a Marcha das Mulheres Negras, que, neste ano, traz o tema Reparação e bem-viver, busca trazer mudanças sociais e políticas. Mobilizada pelas mulheres, a marcha vai ocorrer amanhã, nos 26 estados do país e no Distrito Federal. A concentração será realizada em frente ao Museu Nacional, a partir das 7h, e o trajeto vai até o Congresso Nacional.

Juliane Cintra, coordenadora institucional de projetos na ONG Ação Educativa, em São Paulo, e diretora-executiva da Associação Brasileira de ONGs, concluiu no ano passado o mestrado em direitos humanos, com pesquisa focada no movimento de mulheres negras. "Para mim, falar da Marcha das Mulheres Negras é algo muito especial. É um tema que venho estudando há muitos anos, porque acredito profundamente que o movimento de mulheres negras sempre foi inovador. Ele busca, em diferentes momentos e estratégias, apresentar para a sociedade o mundo que queremos construir", destaca.

Para Juliane, o país vive uma verdadeira encruzilhada com as emergências socioambientais e a defesa dos direitos digitais. "Esse momento exige uma nova cosmovisão que oriente as nossas formas de reproduzir a vida. É exatamente aí que a marcha volta a afirmar o bem-viver como horizonte. O bem-viver entendido como novo marco civilizatório, como um modelo de governança, de relação entre as pessoas, de construção de subjetividades", comenta. A coordenadora ainda ressalta que o bem-viver nasce da ancestralidade e se expressa em diferentes modos de ver o mundo. "É como um mosaico de possibilidades para uma sociedade onde não haja racismo", diz.

Com a marcha, as mulheres negras apontam novos caminhos. "Desde sempre, temos demonstrado, pela nossa prática política, que temos um projeto de nação. A marcha expressa isso desde sua concepção, em todo o processo organizativo e no momento político em que ocupamos as ruas, mesmo quando o espaço público se torna cada vez mais hostil para os movimentos sociais. Ela também se manifesta na força de estar junto de tantas mulheres nesses dias tão significativos", ressalta. "A Marcha das Mulheres Negras é um lugar de esperança. Ela materializa e torna concreto um modo específico de mulheres negras imaginarem e construírem o mundo", afirma.

Participação

A servidora pública Luciana Lindenmeyer faz parte da Rede de Mulheres Negras do Ceará, um dos legados da Marcha de 2015, que levou à criação de diversos movimentos de mulheres negras pelo país. Para ela, a marcha é uma força de luta, afeto e mobilização, além de uma denúncia coletiva e uma reivindicação por mudanças.

"Mudanças nos índices que nos colocam nos piores lugares da sociedade, no racismo que nos mata, violenta, encarcera e oprime. No machismo e no cisheteropatriarcado que precisa ser derrubado", destaca. Para ela, a marcha busca criar uma sociedade baseada no bem-viver, com reivindicações para moradia digna, emprego, salários, educação, lazer, cultura, vida sem violência e ocupação de espaços.

Para esta edição, a prioridade da marcha é a reparação. "Sabemos que as mortes e muitas violências jamais serão reparadas. Mas temos certeza de que o caminho para uma sociedade mais justa passa, necessariamente, pela mudança como vemos o mundo, trazendo a coletividade para o centro do debate e pelo enfrentamento ao individualismo e fragmentação das lutas", ressalta. "Queremos justiça climática, respeito à natureza, justiça tributária, justiça econômica. Tudo que foi divulgado e produzido ao longo desses dois últimos anos e que muitas mulheres negras defendem há muitas décadas", afirma a servidora pública.

Em uma década de história, houve avanços, mas ainda existem muitos desafios. "A expectativa está enorme. Foram muitos meses, mais de 1 ano construindo, mobilizando, mostrando que a marcha é um processo e, mesmo as que não chegaram em Brasília, estão conosco. Queremos mostrar que não recuaremos nem seremos mais invisibilizadas. Queremos o bem-viver para todas as pessoas e para isso, estamos marchando", finaliza Luciana.

Jussara Machado, professora aposentada, participou da marcha em 2015 com a filha Jerusa e seu primeiro neto Akin e retorna neste ano. "A marcha representa um grande avanço e também a vitória de muitas lutas. É um marco importante para superar retrocessos e os acontecimentos tristes que ainda afetam as mulheres. É um movimento que reafirma a necessidade de sempre buscarmos mais equidade de direitos e oportunidades."

 


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Hugo Gon?alves/Esp. CB/D.A Press - O evento segue pela Esplanada dos Ministérios a partir das 10h de amanhã. Expectativa é de receber cerca de 300 mil mulheres
Acervo pessoal - Jussara (ao centro), a filha Jerusa e o neto Akin na Marcha das Mulheres Negras em 2015

Programação

» Data: Amanhã (25/11)

» Local: Concentração em
frente ao Museu Nacional,
a partir das 7h

» Marcha: Do Museu Nacional
até o Congresso Nacional

9h — Sessão Solene no Congresso Nacional, em homenagem à marcha e ao papel decisivo
das mulheres negras na democracia brasileira.

10h — Marcha pela Esplanada dos Ministérios.

15h — Shows gratuitos na área externa do Museu Nacional.

19h30 — Representantes da marcha serão recebidas em audiência pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Edson Fachin.