
Pioneiro da construção de Brasília, engenheiro, professor, cônsul honorário e personagem conhecido da vida cultural e política da capital, Kleber Farias Pinto morreu na última segunda-feira (8/12), aos 92 anos, vítima de uma pneumonia. Natural de Propriá (SE), ele chegou ao Planalto Central em 1959 para trabalhar na Empresa Brasileira de Engenharia (EBE), responsável pela instalação da rede elétrica subterrânea da nova capital. Coube a ele e sua equipe, por exemplo, a via elétrica que alimentaria o Palácio do Planalto — uma das primeiras obras essenciais do governo federal na capital recém-inaugurada.
A energia que acenderia as luzes do Palácio também marcou a biografia do jovem engenheiro recém-formado, presente no evento de inauguração. "Ele sempre contava que ficava rezando para que tudo funcionasse direitinho, porque, se a luz não acendesse, naquele momento, achava que a carreira dele teria acabado ali mesmo", lembra, bem-humorada, a neta Cláudia Farias Pinto, 42, advogada. "Ele sabia que tinha feito um bom trabalho, mas dizia que ficou com frio na barriga."
Kleber integrou a turma de 1959 da Escola de Minas de Ouro Preto, berço de diversos engenheiros que ajudaram a erguer a capital. Folclórico, seresteiro, boêmio e contador de histórias, participou como figurante do filme Rebelião em Vila Rica, conviveu com o pintor Alberto da Veiga Guignard e gostava de relembrar que, ainda estudante, conseguiu pedir um autógrafo ao então presidente Getúlio Vargas durante um almoço oficial. Guardou o cartão-postal autografado por toda a vida.
A construção de Brasília inflou seu repertório de causos, muitos deles registrados pela imprensa ao longo das décadas. Em 1961, assumiu o cargo de chefe de gabinete do ministro das Minas e Energia, João Agripino Filho. Foi docente do Centro de Ensino Fundamental Caseb, da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Brasília (UnB) — onde se tornou o primeiro professor de matemática da instituição —, escritor de livro didático, cônsul honorário do Senegal e presidente da Associação dos Frequentadores do Aeroporto de Brasília, título conquistado devido às visitas diárias à pista de pouso.
Romance digno de cinema
Entre as histórias mais marcantes de Kleber está o casamento com Ana Maria Castellar de Negreiros Sayão Lobato, filha de cientista de origem nobre e sobrinha de viscondes. A família da jovem carioca não aceitava o noivo 'boêmio', e foi preciso um plano ousado: a fuga de Ana Maria de sua casa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, durante a madrugada. A aventura rendeu confusão no aeroporto, "ninguém queria despachar a trouxa de roupas que ela levou às pressas", dizia, e acabou registrada em 1961 pela Folha de S.Paulo na matéria intitulada: "Raptou a noiva nobre e casou-se em Brasília".
Histórias com Tom Jobim e Vinícius de Moraes também fazem parte de seu baú. Kleber dizia ter testemunhado a dupla compor trechos de Água de Beber durante uma estada em Brasília e guardava um bilhete escrito pelo maestro Antônio Carlos Jobim anos depois, confirmando que a música nascera no Catetinho.
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Vida profissional e legado
Em Brasília, Kleber trabalhou com alguns dos mais importantes nomes da consolidação da capital: Israel Pinheiro, Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer e Lúcio Costa. Participou de episódios emblemáticos, como a negociação com operários na véspera da inauguração (quando propôs que todos trabalhassem na Sexta-Feira Santa em troca de cinco dias de folga após o 21 de abril) e a construção de uma pequena piscina revestida com sobras do mármore utilizado no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional, no acampamento da EBE, na Vila Planalto.
"Ele tinha muitas histórias, e todas mostravam o amor dele por Brasília", diz a neta Cláudia. "Era uma pessoa extremamente bondosa, ajudava a todos, e não há ninguém que não lembre dele com carinho. Para mim, ele foi como um pai", completa.
Kleber deixa dois filhos — Kleber Farias Pinto Júnior e Andréa Sayão Lobato e Farias Pinto —, dois netos, Rodrigo Purchio Farias Pinto e Cláudia Farias Pinto, e três bisnetos: Ana Clara, Rafael e Victor Lobato e Farias Machado. A missa de sétimo dia será realizada na próxima terça-feira (16/12), às 19h, na Capela da Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Lago Sul, em Brasília.

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