incêndios florestais

Partículas geradas por incêndios são capazes de corroer camada de ozônio

Partículas geradas pela queima de florestas chegam ao filtro natural da Terra e provocam reações químicas capazes de corroê-lo

Paloma Oliveto
postado em 09/03/2023 06:00
 (crédito: Sean BLOCKSIDGE / WESTERN AUSTRALIA DEPARTMENT OF FIRE AND EMERGENCY SERVICES / AFP)
(crédito: Sean BLOCKSIDGE / WESTERN AUSTRALIA DEPARTMENT OF FIRE AND EMERGENCY SERVICES / AFP)

Responsável por evitar que boa parte dos raios ultravioletas mais perigosos emitidos pelo Sol cheguem à Terra, a camada de ozônio pode ser prejudicada por incêndios florestais, segundo um estudo publicado na revista Nature. Os pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, descobriram que o fogo consegue bombear a fumaça para a estratosfera, onde as partículas permanecem por mais de um ano. Quando suspensos, os poluentes desencadeiam reações químicas que erodem o principal filtro natural desse tipo de radiação.

Desde a Revolução Industrial, a camada de ozônio vem sendo prejudicada por atividades humanas, especialmente a emissão de gases de efeito estufa, como o CO2. Estudando um megaincêndio que arrasou florestas do leste australiano entre dezembro de 2019 e janeiro de 2020, os pesquisadores do MIT descobriram que esse tipo de fenômeno contribui para a destruição da ozonosfera.

Apelidado de Verão Preto, em referência à cor da fuligem, o megaincêndio destruiu dezenas de milhões de hectares, bombeando mais de 1 milhão de toneladas de poluentes para a atmosfera. Os cientistas identificaram a reação química pela qual as partículas decorrentes contribuem para corroer entre 3% e 5% da camada de ozônio em latitudes médias no Hemisfério Sul, em regiões que cobrem América do Sul, África, Austrália e Nova Zelândia.

Segundo o modelo da equipe americana, as queimas também impactaram as regiões polares, destruindo parte das bordas do buraco de ozônio na Antártida. De acordo com os pesquisadores, no fim de 2020, os incêndios na Austrália ampliaram o buraco na região em 2,5 milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a 10% da área, em comparação ao ano anterior.

Recuperação

Não é possível prever os efeitos a longo prazo das queimas florestais na recuperação da ozonosfera — recentemente, a Organização das Nações Unidas (ONU) relatou que o rombo na camada está em recuperação graças a esforços internacionais para eliminar, gradualmente, os produtos que a destroem. Os autores do artigo da Nature observam que, enquanto esses elementos químicos permanecerem na atmosfera, fenômenos como o registrado no leste australiano poderão desencadear reações perigosas.

"Os incêndios australianos de 2020 foram realmente um alerta para a comunidade científica", destacou, em nota, Susan Solomon, professora de estudos ambientais no MIT e cientista climática que identificou, pela primeira vez, os produtos químicos responsáveis pelo buraco na camada de ozônio na Antártica. "O efeito dos incêndios florestais não foi contabilizado anteriormente nas projeções de recuperação do ozônio. E acho que esse efeito pode depender da frequência e da intensidade dos incêndios à medida que o planeta esquenta."

"A saúde da camada de ozônio estratosférico é crítica para a vida neste planeta. Sem ela, a radiação ultravioleta prejudicial de alta energia tornaria a superfície da Terra inabitável", ressalta Roger Dargaville, especialista em estudos de destruição do ozônio estratosférico na Universidade de Monash, na Austrália. "A destruição do ozônio devido aos CFCs (composto baseado em carbono que contém cloro e flúor) começou a ser revertida por meio de negociações internacionais prolongadas, sem os quais os buracos de ozônio na Antártica e no Ártico provavelmente teriam se expandido sobre áreas altamente povoadas, causando danos incalculáveis a pessoas, animais e plantações."

Segundo Dargaville, que não participou da pesquisa atual, o artigo de Solomon sugere que incêndios florestais colocam em risco o progresso feito pelo Protocolo de Montreal, o primeiro tratado sobre o tema. "Isso destaca a natureza complexa das interações no sistema terrestre e o potencial para resultados perigosos e imprevistos do aquecimento global induzido pelo homem", afirma o especialista, que não participou da pesquisa atual.

Monóxido de cloro

Na pesquisa publicada na Nature, a equipe investigou a composição das moléculas na estratosfera após os incêndios florestais na Austrália. Eles avaliaram três conjuntos independentes de dados de satélite e observaram que, nos meses seguintes às queimas, as concentrações de ácido clorídrico (HCI) caíram significativamente em latitudes médias, enquanto o monóxido de cloro aumentou.

O HCl está presente na estratosfera, pois os CFCs se decompõem naturalmente ao longo do tempo. Enquanto o cloro estiver ligado na forma da molécula, ele não consegue destruir o ozônio. Mas quando o ácido se decompõe, o cloro pode reagir com o oxigênio para formar o monóxido de cloro, que destrói a ozonosfera. "O fato de o HCl, em latitudes médias, cair em uma quantidade sem precedentes foi, para mim, uma espécie de sinal de perigo", diz Solomon. "Eis que descobri que o HCl é extremamente solúvel em uma ampla gama de espécies orgânicas. Ele gosta de se concentrar em muitos compostos."

Ao analisar a composição da fumaça do Verão Preto, os pesquisadores descobriram que as partículas de fumaça que persistiram por meses são as partículas que absorvem grande parte do HCl. Quando a equipe incorporou essa nova reação química em um modelo e simulou as condições dos incêndios florestais australianos, observou uma redução de 5% do ozônio em latitudes médias e um alargamento de 10% do buraco de ozônio sobre a Antártica.

A reação com o HCl é, provavelmente, a principal via pela qual os incêndios florestais podem esgotar o ozônio, destaca Solomon. Mas a cientista lembra que pode haver outros compostos contendo cloro à deriva na estratosfera, desencadeados pelas queimas. "Essa é mais uma razão para estar vigilante sobre o aquecimento global e esses compostos que contêm cloro."

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Armazenando o CO2 distante

Primeiro país a enterrar CO2 importado do exterior, a Dinamarca inaugurou ontem um local de armazenamento de dióxido de carbono a 1,8 mil metros de profundidade no Mar do Norte, medida considerada essencial para conter o aquecimento global. O local é uma antiga reserva de petróleo que contribuiu para as emissões.

O projeto Greensand, coordenado pela multinacional química britânica Ineos e pela empresa de energia alemã Wintershall Dea, permitirá armazenar até 8 milhões de toneladas de CO2 por ano até 2030. A técnica de captura e armazenamento de carbono (CAC) utilizada na iniciativa dinamarquesa tem sido testada ao redor do mundo e, atualmente, existem mais de 200 projetos em operação ou em desenvolvimento.

O diferencial do Greensand é que, ao contrário dos locais existentes que capturam CO2 de instalações industriais vizinhas, ele utiliza carbono recebido de longas distâncias. "É uma conquista europeia em termos de cooperação transfronteiriça: o CO2 é capturado na Bélgica e, muito em breve, na Alemanha, carregado em navios no porto (belga) da Antuérpia", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

Na prática, o gás é transportado pelo mar até a plataforma de Nini West, na Noruega, e transferido para um reservatório a 1,8 km de profundidade. Para as autoridades dinamarquesas, que aspiram implementar o carbono zero até 2045, trata-se de um "instrumento indispensável na nossa caixa de ferramentas climáticas".

O Mar do Norte é uma região adequada para o aterramento, pois conta com muitos oleodutos e reservatórios geológicos que foram deixados vazios após décadas de produção de petróleo e gás. Dessa forma, existe infraestrutura que pode ser reutilizada.

Perto do Greensand, a gigante francesa TotalEnergies vai explorar a possibilidade de aterrar no fundo do mar, a mais de dois quilômetros de profundidade, cerca de 5 milhões de toneladas de CO2 por ano até 2030. Já a Noruega, pioneira na CAC, também receberá toneladas desse gás liquefeito da Europa nos próximos anos.

Negligência

Laura Revell é cientista atmosférica e professora associada na Escola de Ciências Físicas e Químicas da Universidade de Canterbury
Laura Revell é cientista atmosférica e professora associada na Escola de Ciências Físicas e Químicas da Universidade de Canterbury (foto: Universidade de Cantebury )

"O que preocupa é que, embora o buraco na camada de ozônio geralmente se forme sobre a Antártica por causa das temperaturas frias, os aerossóis de incêndios florestais parecem ser capazes de promover perdas de ozônio nas temperaturas relativamente mais altas presentes nas latitudes médias, densamente povoadas. A destruição do ozônio de 3% a 5% em um único ano não é uma perda esmagadora. No entanto, como observam os autores, é significativa, visto que o ozônio deveria aumentar 1% por década devido à proibição dos CFCs. Dado que os incêndios florestais provavelmente se tornarão mais frequentes e graves em um mundo em aquecimento, as implicações desse estudo para a futura recuperação do ozônio são preocupantes. Não podemos ser negligentes quando se trata de proteger a camada de ozônio."

Laura Revell, cientista atmosférica e professora associada na Escola de Ciências Físicas e Químicas da Universidade de Canterbury, na Austrália

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