SAÚDE

Mosquito da dengue transgênico: entenda o que é e quais os mitos da técnica

Machos do 'Aedes aegypti' produzidos em laboratório recebem material genético letal e são liberados nas ruas, fertilizando as fêmeas já presentes no ambiente

A técnica com os mosquitos transgênicos não é vista por especialistas como uma estratégia de saúde pública a longo prazo -  (crédito: Shinji Kasai/Courtesy of Shinji Kasai/AFP)
A técnica com os mosquitos transgênicos não é vista por especialistas como uma estratégia de saúde pública a longo prazo - (crédito: Shinji Kasai/Courtesy of Shinji Kasai/AFP)
postado em 15/02/2024 16:22 / atualizado em 16/02/2024 13:02

Com a explosão de casos de dengue no Brasil e o cenário de epidemia, algumas medidas de prevenção da doença são recomendadas, como usar repelentes e eliminar focos de acúmulo de água que podem contribuir para a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Mas o uso da ciência biológica também tem sido explorado como uma possibilidade de enfrentamento da doença. Um exemplo são os mosquitos transgênicos, que são modificados geneticamente em laboratório.

O Correio conversou com o professor Rodrigo Gurgel Gonçalves, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB) para entender como funciona essa técnica, a viabilidade de aplicação e os riscos. Segundo o especialista, o método funciona da seguinte maneira: os machos de Aedes aegypti produzidos em laboratório recebem material genético letal e são liberados nas ruas, fertilizando as fêmeas já presentes no ambiente. Dessa forma, há transferência de material genético letal para os mosquitos descendentes, os quais morrem na fase larval, controlando, assim, a população do mosquito.

No entanto, existem algumas discussões e questionamentos a respeito da técnica. Um dos riscos é que existe a possibilidade de soltar fêmeas (que são as transmissoras da dengue) em vez de machos na natureza. Existem também as questões práticas para uso em larga escala, que envolvem custos e complexidade para produção de tantos mosquitos.

"Em cidades com 50 mil habitantes seria necessário soltar 10 milhões de mosquitos por semana, exigindo criação de várias fábricas de mosquitos transgênicos, com uma estimativa de custos de até 5 milhões de reais no primeiro ano de controle. Considerando essas discussões e a existência de novas tecnologias de controle de alta eficácia e com melhor custo-benefício. Um gestor em saúde pública dificilmente escolheria a estratégia de mosquitos transgênicos para combate da dengue", explica o professor Rodrigo.

"Combater o mosquito com mosquito"

A empresa de biotecnologia Oxitec desenvolveu uma iniciativa chamada "Aedes do bem" e atesta a segurança da técnica.  "'A caixa do Bem' contém ovos  e uma fonte de alimento para o desenvolvimento até a fase adulta. Ao ativá-la com água potável, os mosquitos do Bem se desenvolverão até a fase adulta. Em cerca de 10 a 14 dias, 'Aedes do bem' adultos voarão da caixa para o ambiente urbano para se acasalar com as fêmeas do Aedes aegypti. Deste cruzamento, apenas os descendentes machos chegam à fase adulta e herdam dos pais a característica autolimitante", explica a empresa.

"O resultado é a queda do número de fêmeas que picam e transmitem doenças, e, consequentemente, o controle populacional direcionado do Aedes aegypti. Não causam danos ou desequilíbrio ao meio ambiente, não interferem em outros insetos benéficos e não oferecem riscos a pessoas e animais de estimação. É o mosquito combatendo o mosquito", acrescenta a Oxitec.

O projeto foi testado em Indaiatuba (SP) de 2014 a 2018. Segundo a empresa Oxitec, atualmente as prefeituras das cidades de Congonhas (MG), Patos de Minas (MG), Manaus (AM), Segredo (RS) e Suzano (SP) contrataram o Aedes do Bem como um método complementar nos protocolos de combate à dengue. Além desses municípios, reuniões com novos municípios e novas negociações estão acontecendo em diversas regiões do país.

Embora seja inovadora, o professor Rodrigo avalia que a técnica com os mosquitos transgênicos não é vista como uma estratégia viável de saúde pública a longo prazo. "Uma evidência disso é que essa estratégia não foi recomendada pelo Ministério da Saúde na nota informativa 37/2023 da Coordenação-Geral de Vigilância de Arboviroses. Entre as tecnologias recomendadas nessa nota para o controle de Aedes aegypti estão o uso de estações disseminadoras de larvicidas e o método Wolbachia", pontua.

No entanto, a empresa Oxitec argumenta que a linhagem OX5034 é comercializada no formato de ovos e, por isso, não é mais necessário construir novas fábricas em todos os lugares, uma vez que os ovos são estáveis. Esse fator pode possibilitar a viabilidade da técnica, pois trouxe agilidade na produção, aumento da performance operacional e redução de custos.

"Sobre a substituição por Aedes albopictus, isso foi extensivamente estudada, como mostra a publicação Shortterm suppression of Aedes aegypti using genetic control does not facilitate Aedes albopictus, demonstrando a segurança de que não há substituição de nicho por albopictus, e também escrutinizado pelo órgão federal que regulamenta organismos geneticamente modificados no Brasil, o CTNBio, que autorizou a liberação comercial do Aedes do Bem", cita a Oxitec.

O que é o método Wolbachia?

O método Wolbachia é baseado na soltura de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia para que os insetos se reproduzam com as populações urbanas de Aedes aegypti, a fim de desenvolver ao longo do tempo uma população de mosquitos com essa bactéria que impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana se desenvolvam dentro dele, contribuindo para redução destas doenças. Diferentemente dos mosquitos transgênicos, não há modificação genética no método Wolbachia.

"Quando as fêmeas sem Wolbachia se acasalam com machos com a Wolbachia, os óvulos fertilizados morrem. Após sucessivas gerações, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende a aumentar até que a população inteira de mosquitos tenha esta característica. Por isso, esse método é considerado autossustentável para inibir a transmissão de arboviroses", frisa Rodrigo.

 
 
 
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De acordo com a organização internacional World Mosquito Program (WMP), a Wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 50% dos insetos, inclusive em alguns mosquitos. Porém, ela não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti. No Brasil, essa técnica é conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

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