
Fofocar é uma prática humana tão antiga quanto a própria oralidade, e desempenhou um papel crucial na sobrevivência ao ajudar a distinguir membros confiáveis de trapaceiros em um grupo social. Um estudo da Universidade Brown (EUA) investigou como o cérebro humano é melhor em fofocar do que ele imagina. No entanto, dada a complexidade de conexões possíveis, uma questão se impõe: como espalhar uma fofoca amplamente sem que o alvo perceba?
Os cientistas descobriram que, ao fofocar, as pessoas recorrem — ainda que de forma instintiva — a cálculos mentais surpreendentemente complexos. A estratégia consiste em levar em conta duas propriedades topológicas da rede: a popularidade e a distância social. Ou seja, avalia-se não só quantos amigos alguém tem, mas quão próximos esses amigos estão do alvo da fofoca.
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Nos três primeiros experimentos do estudo, realizados com redes sociais artificiais, os participantes foram mais propensos a fofocar com pessoas populares, mas socialmente distantes do sujeito da fofoca — evitando, por exemplo, amigos próximos do alvo. No quarto experimento, feito em uma rede social real composta por 187 calouros da Brown, os mesmos padrões de comportamento se repetiram, mesmo em um ambiente muito mais ruidoso.
“Nos baseamos em dois fatores importantes ao calcular com quem compartilhar uma fofoca: quão popular a pessoa é e quão distante ela está conectada com o alvo”, explicou Oriel FeldmanHall, professor associado de ciências cognitivas e psicológicas e autor principal do estudo, publicado na revista Nature Human Behavior. “Esse algoritmo vencedor nos permite compartilhar informações amplamente sem que o sujeito saiba que estamos falando sobre ele.”
As descobertas também revelaram como plataformas de mídia social, como Twitter ou TikTok, operam. Alice Xia, doutoranda na Brown e coautora do estudo, observa que algoritmos dessas redes seguem lógicas similares: utilizam dados como número de curtidas ou seguidores para prever a viralização de conteúdos — o mesmo tipo de cálculo que fazemos mentalmente ao decidir com quem compartilhar um boato.
A chave por trás dessa habilidade humana está no mapeamento cognitivo — processo em que o cérebro constrói mapas mentais da rede social ao longo do tempo. Ainda que não saibamos conscientemente como cada indivíduo de nossa rede se relaciona com os demais, nosso cérebro traça essas conexões e nos guia: com quem compartilhar, de quem manter segredo, como a fofoca pode se espalhar.
Esse funcionamento foi testado ao apresentar aos participantes uma rede fictícia com nove membros. Ao serem convidados a decidir com quem compartilhariam uma fofoca sobre um dos integrantes, os voluntários usaram distância social e popularidade para fazer suas escolhas. Mais tarde, em uma rede real — composta por calouros residentes em dormitórios da universidade — os pesquisadores mapearam amizades e pediram que os participantes estimassem a chance de uma fofoca se espalhar. Mesmo em redes com milhares de conexões potenciais, os indivíduos conseguiram prever com precisão os caminhos da informação.
A partir desses dados, o grupo criou, com o professor de neurociência Matt Nassar, um modelo computacional para simular o funcionamento cerebral durante esse tipo de previsão. Segundo Xia, o cérebro sintetiza observações como “Fulano tomou café com Ciclano, depois Beltrano saiu com Fulano” e comprime isso em mapas mentais que permitem inferir, com alguma precisão, quem poderá ouvir o quê — mesmo que essas conexões estejam a vários graus de distância.
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Para FeldmanHall, o estudo ajuda a desmistificar a ideia de que fofoca é apenas fuxico inconsequente. “O fato de nossos cérebros investirem tanta matemática mental para manter nossas fofocas longe das mãos erradas é uma prova do poder da fofoca e da sofisticação do cérebro humano”, afirmou.