FAUNA

Alimentar os animais causa males em cadeia, diz pesquisa

Embora pareça inofensiva, a prática de oferecer alimentos a espécies selvagens tem consequências negativas tanto para os bichos quanto para os humanos, mostra estudo que acompanhou elefantes asiáticos por quase 20 anos

A cena parece inofensiva: um turista oferece frutas ou doces para um elefante que se aproxima da cerca de um parque nacional. No entanto, essa interação aparentemente amistosa esconde um problema sério, que afeta tanto a segurança das pessoas quanto a sobrevivência dos próprios animais. Com dados inéditos, um estudo publicado na revista Ecological Solutions and Evidence revela que alimentar elefantes selvagens pode torná-los dependentes da comida humana, além de agressivos e vulneráveis a mortes prematuras.

Durante 18 anos consecutivos de observações no Parque Nacional de Udawalawe, no Sri Lanka, e na região de Sigur, na Índia, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, e da organização indiana Elephant Project, monitoraram entre 800 e 1,2 mil elefantes. Liderada por Shermin de Silva, a equipe identificou mudanças preocupantes no comportamento dos animais, atribuídas diretamente ao hábito de receber alimentos de turistas e moradores locais. 

"Embora seja difícil resistir à tentação de alimentar um animal tão carismático, precisamos entender que essa prática tem consequências que vão muito além do momento da interação", disse De Silva, diretora do Elephant Projetc e  pesquisadora do Departamento de Ecologia, Comportamento e Evolução da Universidade da Califórnia, em San Diego. 

Mendicância

O estudo documentou que pelo menos 66 machos — representando entre 9% e 15% da população masculina observada — desenvolveram comportamentos persistentes de mendicância. Esses elefantes são frequentemente vistos em áreas de trânsito humano, seja ao longo de estradas, seja nos limites dos parques.

Alguns, como o famoso Rambo, tornaram-se figuras quase folclóricas. Mas, longe de serem apenas personagens curiosos, esses animais enfrentam riscos reais. De acordo com o levantamento, pelo menos três elefantes foram mortos no Sri Lanka em incidentes diretamente relacionados a essa mudança de comportamento, como atropelamentos e ataques retaliatórios de pessoas. Na Índia, quatro dos 11 machos estudados morreram da mesma forma.

Além das mortes, houve registros de elefantes consumindo materiais plásticos e outros resíduos, devido ao contato frequente com lixeiras ou sacolas de alimentos descartadas. A ingestão de itens não comestíveis contribui para doenças gastrointestinais e outros problemas de saúde nos animais.

Não são apenas os elefantes que sofrem. A pesquisa registrou diversos casos de ferimentos em humanos e até mortes causadas por animais condicionados à comida. "Os elefantes são extremamente fortes e, mesmo sem intenção, podem causar acidentes graves. Quando associam humanos à comida, perdem parte do comportamento de precaução natural e se aproximam sem medo", afirma De Silva. O fenômeno é comparável ao que já se observa com ursos em parques norte-americanos: animais selvagens habituados à alimentação humana tornam-se mais ousados, deixando de caçar ou forragear naturalmente.

Além disso, os autores do artigo alertam para o risco de transmissão de doenças entre espécies. A proximidade constante entre elefantes e pessoas aumenta as chances de zoonoses — enfermidades que passam de animais para humanos e vice-versa —, algo especialmente preocupante em regiões turísticas muito movimentadas.

Políticas

Segundo os pesquisadores, campanhas de conscientização para desencorajar a prática não têm surtido o efeito desejado. Mesmo com placas e avisos espalhados em pontos turísticos, muitos visitantes seguem oferecendo alimentos aos elefantes. A equipe defende, por isso, a adoção de políticas mais rígidas.

"A única forma de realmente proteger os elefantes e as pessoas é por meio de fiscalização ativa. Voluntariado não é suficiente. As autoridades precisam agir, aplicando multas e implementando barreiras físicas mais eficientes nos limites dos parques", diz o artigo. O posicionamento é reforçado pelo fato de que o Sri Lanka registra uma das taxas mais altas de conflitos entre humanos e elefantes no mundo, com dezenas de mortes todos os anos.

A pesquisa conclui com um apelo aos turistas e às comunidades locais: resistir à tentação de interagir diretamente com a fauna selvagem é um ato de responsabilidade. "Ver um elefante de perto é um privilégio. Mas precisamos lembrar que eles são animais selvagens, não mascotes. A melhor forma de protegê-los é respeitando sua natureza", finaliza De Silva.

Elefantes monitorados

Os pesquisadores observaram elefantes asiáticos selvagens (Elephas maximus) no Parque Nacional de Udawalawe (PNU), no Sri Lanka, entre 2007 e 2024, e na Reserva da Biosfera de Nilgiri (RBN), no sul da Índia, entre 2007 e 2022, documentando os resultados negativos do fornecimento de alimentos por turistas.

  • Na PNU, 66 machos (9% a 15% da população masculina estimada) foram observados buscando alimento de pessoas em uma cerca elétrica. Quatorze foram vistos na cerca em 11 anos ou mais, e 52 foram vistos em oito anos ou menos. Mortes de pelo menos três elefantes e uma pessoa ocorreram perto da cerca.
  • Na RBN, 11 machos foram habituados a alimentos por turistas, dos quais quatro morreram por causas antropogênicas.

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Observações

Os pesquisadores observaram elefantes asiáticos selvagens (Elephas maximus) no Parque Nacional de Udawalawe (PNU), no Sri Lanka, entre 2007 e 2024, e na Reserva da Biosfera de Nilgiri (RBN), no sul da Índia, entre 2007 e 2022, documentando os resultados negativos do fornecimento de alimentos por turistas. 

* Na PNU, 66 machos (9% a 15% da população masculina estimada) foram observados buscando alimento de pessoas em uma cerca elétrica. Quatorze foram vistos na cerca em 11 anos ou mais, e 52 foram vistos em oito anos ou menos. Mortes de pelo menos três elefantes e uma pessoa ocorreram perto da cerca.

* Na RBN, 11 machos foram habituados a alimentos por turistas, dos quais quatro morreram por causas antropogênicas.