Meio Ambiente

Substituição de florestas tropicais por áreas de pastagem ameaça o planeta

Estudo com 971 espécies de aves mostra que a substituição das florestas tropicais por áreas de pastagens ameaça a sustentabilidade. É que o desmatamento leva ao desaparecimento de parte da fauna e da flora, além do desequilíbrio

Ao pesquisarem 971 espécies diferentes de aves, o equivalente a 10% da população do mundo, que vivem em florestas e pastagens de gado na Colômbia, cientistas descobriram que o desmatar para criação de bois e vacas é muito mais prejudicial ao meio ambiente do que se imagina. A perda de biodiversidade causada pelo desmatamento da floresta tropical para pastagem de gado é, em média, 60% pior do que se calculava.

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O estudo mostra que, se as árvores forem desmatadas em toda a sua área de distribuição, essas espécies provavelmente desaparecerão. A mudança no uso da terra, particularmente nos trópicos de alta biodiversidade, é uma das principais causas da crise global da biodiversidade.

A pesquisa indica que, quando florestas são convertidas em pastagens, algumas espécies ganham e outras perdem. Medir a perda de biodiversidade em escala local não captura o efeito em larga escala da conversão florestal, que está ocorrendo em toda a área de distribuição de muitas espécies diferentes. Embora as mesmas espécies geralmente sobrevivam em pastagens, uma ampla gama de outras espécies não sobrevive, portanto, a biodiversidade geral é mais severamente reduzida em larga escala.

Os resultados do estudo foram publicados na revista Nature Ecology and Evolution. O professor David Edwards, do Departamento de Ciências Vegetais e do Instituto de Pesquisa em Conservação da Universidade de Cambridge, autor sênior do relatório, admitiu ter se surpreendido com as constatações. "É um resultado realmente surpreendente. Descobrimos que a perda de biodiversidade causada pelo desmatamento da floresta tropical para pastagens está sendo enormemente subestimada."

Para Edwards, a pesquisa serve como alerta porque o "desmatamento está ocorrendo em escalas espaciais massivas, em todos os tipos de habitats e elevações diferentes". "Quando analisamos o impacto do desmatamento na biodiversidade em 13 ecorregiões na Colômbia, descobrimos uma perda de biodiversidade 62% maior do que os resultados de pesquisas locais indicariam", ressaltou.

Reações

Os pesquisadores afirmaram, no estudo, que as estratégias de compensação de biodiversidade, que visam compensar perdas de espécies, dependem de medidas precisas. Na Colômbia, a exemplo do Brasil e outros países, regiões tropicais têm sido "substituídas" por áreas para cultivo de borracha, dendê, cana-de-açúcar e café. "Os alimentos que consumimos têm um custo ambiental muito maior do que pensávamos. Precisamos que os formuladores de políticas pensem muito mais sobre o impacto em larga escala do desmatamento na biodiversidade", alertou Edwards.

A Colômbia abriga um universo diversificado e exótico de espécies animais e vegetais do mundo, com quase um terço de seu território composto por florestas tropicais. As áreas citadas no estudo são as regiões úmidas de Caquetá e Napo, que reúnem de 500 a 600 espécies de aves em uma área de 10km2.

Há uma inflexão

"A gente deveria estar plantando muitas árvores para ajudar a captar carbono da atmosfera e nós não estamos fazendo isso. E quando nós olhamos para todos os países, que são detentores de florestas tropicais, vimos que estamos num momento realmente de inflexão, muito sério. Corremos um risco real de colapso. Deveríamos estar olhando com muito mais carinho para as nossas florestas tropicais. A perda de biodiversidade causada pelo desmatamento floresta tropical para pastagem está sendo normalmente subestimada. É subestimada também porque é muito complicado se determinar se aquele desmatamento é legal ou é ilegal. O desmatamento para pastagem envolve uma série de outras atividades untrópicas que vão prejudicar as florestas tropicais. E esse prejuízo não é só a perda de biodiversidade, porque as florestas tropicais prestam inúmeros serviços ecossistêmicos, como os provisão, regulação e manutenção, essenciais e sem os quais a vida não é possível. Então, por exemplo, decomposição de resíduos, a fertilidade dos solos, a manutenção do microclima, a manutenção do ciclo hídrico, o controle de pragas, e tantos outros serviços que os ecossistemas prestam gratuitamente para os seres humanos. Mais prejuízos e riscos isso traz para as sociedades, inclusive a ameaça de colapso, e o problema gravíssimo, de mudanças do clima: quanto mais as florestas tropicais são degradadas, menos capturam carbono, que auxilia na manutenção do clima, por exemplo."

Márcia Dieguez Leuzinger, professora de direito ambiental do CEUB, doutorado e pós-doutora na área

 

Exemplo que vem dos afrodescendentes

As taxas de desmatamento em terras afrodescendentes reconhecidas no Brasil, na Colômbia, no Equador e no Suriname são até 55% menores do que em outras áreas. O estudo inédito mostra que os povos originário são excelentes administradores ambientais — representando que 56% de suas terras estão entre os 5% com maior biodiversidade global. É a primeira pesquisa que combina dados estatísticos, espaciais e históricos para quantificar o papel crucial dos afrodescendentes na proteção da natureza. A análise foi publicada na Nature Communications Earth and Environment.

A publicação segue o reconhecimento formal, no ano passado, pela Convenção sobre Diversidade Biológica, na Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP16). Na análise, foram identificadas taxas menores de desmatamento e maiores quantidades de biodiversidade e carbono irrecuperável (o carbono que, se perdido devido à conversão do ecossistema, não poderia ser recapturado por pelo menos 30 anos) — mais de 486 milhões de toneladas no total.

“Povos afrodescendentes nas Américas têm atuado como gestores ambientais há muito tempo, sem reconhecimento ou recompensa — a maioria de seus territórios nem sequer é formalmente reconhecida”, disse Martha Cecilia Rosero Peña, diretora de Inclusão Social da Conservation International. “As evidências, no entanto, são incontestáveis; o mundo tem muito a aprender com suas práticas de gestão de terras.”

Revelações

O estudo se concentrou em terras afrodescendentes reconhecidas no Brasil, na Colômbia, no Equador e no Suriname. Os povos afrodescendentes nesses países detêm direitos de gestão sobre 9,9 milhões de hectares de terra — 1% da área total de 1 bilhão de hectares dos quatro países estudados. As taxas de desmatamento em terras afrodescendentes foram 29% menor quando as terras estavam dentro de áreas protegidas e 36% menor — quando as terras estavam fora das áreas protegidas.

Porém, a pesquisa faz uma advertência social: embora quase uma em cada quatro pessoas na América Latina se identifique como afrodescendente, os povos afrodescendentes são amplamente sub-representados em fóruns ambientais globais, incluindo as cúpulas das Nações Unidas sobre clima e biodiversidade, onde políticas, financiamento e decisões de liderança são moldadas.

“Durante séculos, comunidades afrodescendentes administraram paisagens de maneiras que sustentam tanto as pessoas quanto a natureza, mas suas contribuições permanecem em grande parte invisíveis na conservação convencional”, disse Sushma Shretha, diretora de Ciência, Pesquisa e Conhecimento Indígena da Conservation International e principal autora do artigo. “Essa pesquisa deixa claro que sua gestão ambiental não é apenas histórica. É contínua e deve ser reconhecida, apoiada e aprendida.”

 


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