INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

ChatGPT comete erros e quase é "reprovado" por Platão

Desafiado a solucionar um enigma matemático proposto há mais de 2,5 mil anos pelo filósofo, o ChatGPT recorre à abordagem mais fácil e só apresenta a resposta certa após "levar bronca"

No centro do afresco de Rafael, o filósofo Sócrates passa ensinamentos aos discípulos, incluindo Platão (de azul) -  (crédito: SERVIZIO FOTOGRAFICO DEI MUSEI VATICANI/Divulgação )
No centro do afresco de Rafael, o filósofo Sócrates passa ensinamentos aos discípulos, incluindo Platão (de azul) - (crédito: SERVIZIO FOTOGRAFICO DEI MUSEI VATICANI/Divulgação )

O chatbot de inteligência artificial, ChatGPT, pareceu improvisar ideias e cometer erros como um estudante comum em um teste que o desafiou com um enigma matemático de 2,4 mil anos. O objetivo do estudo da Universidade de Cambridge, publicado no International Journal of Mathematical Education in Science and Technology, foi investigar se um antigo problema proposto por Platão seria resolvido pela IA com conhecimento já previamente adquirido ou se o algoritmo desenvolveria adaptativamente suas próprias soluções. 

O experimento, realizado por dois pesquisadores em educação, pediu ao chatbot que resolvesse uma versão do problema de "dobrar o quadrado" — uma lição descrita por Platão por volta de 385 a.C. e, segundo o artigo, "talvez o experimento mais antigo documentado em educação matemática". O quebra-cabeça desencadeou séculos de debate sobre se o conhecimento está latente nos seres humanos, esperando para ser recuperado, ou se é algo que se gera por meio de experiências e encontros vividos.

No problema matemático, Platão descreve o também filósofo Sócrates ensinando um menino sem instrução a dobrar a área de um quadrado. A princípio, a criança sugere erroneamente multiplicar por dois o comprimento de cada lado. 

Erros

Sócrates, porém, acaba o levando a entender que os lados do novo quadrado devem ter o mesmo comprimento que a diagonal do original. Os pesquisadores apresentaram esse problema ao ChatGPT-4, inicialmente imitando as perguntas do filósofo e, em seguida, introduzindo deliberadamente erros, consultas e novas variantes do problema.

Como outros Modelos de Linguagem Ampla (LLMs), o ChatGPT é treinado em vastas coleções de texto e gera respostas prevendo sequências de palavras aprendidas durante o treinamento. Os pesquisadores esperavam que ele resolvesse o desafio matemático da Grécia Antiga regurgitando seu conhecimento preexistente da famosa solução de Sócrates. Em vez disso, porém, o ChatGPT pareceu improvisar a abordagem e, em determinado momento, também cometeu um erro nitidamente humano.

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O estudo foi conduzido por Nadav Marco, pesquisador visitante da Universidade de Cambridge, e Andreas Stylianides, professor de Educação Matemática em Cambridge. Marco trabalha permanentemente na Universidade Hebraica e na Faculdade de Educação David Yellin, em Jerusalém. Embora sejam cautelosos quanto aos resultados, enfatizando que os LLMs não pensam como humanos nem "resolvem as coisas", Marco caracterizou o comportamento do ChatGPT como semelhante ao de um aprendiz.

"Quando enfrentamos um novo problema, nosso instinto geralmente é experimentar coisas com base em nossa experiência anterior", disse Marco. "Em nosso experimento, o ChatGPT pareceu fazer algo semelhante. Como um aprendiz ou acadêmico, ele pareceu apresentar suas próprias hipóteses e soluções."

Diagramas

Como o ChatGPT é treinado em texto e não em diagramas, ele tende a ser mais fraco no tipo de raciocínio geométrico que Sócrates usou no problema da duplicação do quadrado. Apesar disso, o enigma de Platão é tão conhecido que os pesquisadores esperavam que o chatbot reconhecesse suas perguntas e reproduzisse a solução do mestre. 

Curiosamente, a IA não conseguiu. Quando se solicitou que duplicasse o quadrado, o ChatGPT optou por uma abordagem algébrica que seria desconhecida na época de Platão. Em seguida, resistiu às tentativas de fazê-lo cometer o erro do menino e teimosamente se ateve à álgebra, mesmo quando os pesquisadores reclamaram que sua resposta era uma aproximação. 

Somente quando Marco e Stylianides disseram ao programa que estavam decepcionados por, apesar de todo o seu treinamento, ele não conseguir fornecer uma resposta "elegante e exata", o Chat apresentou a alternativa geométrica. Apesar disso, a IA demonstrou pleno conhecimento da obra de Platão quando questionada sobre ela. "Se estivesse apenas se lembrando de memória, quase certamente teria se referido à solução clássica de construir um novo quadrado na diagonal do quadrado original imediatamente", disse Stylianides. "Em vez disso, pareceu adotar sua própria abordagem."

 

Habilidades críticas

Os pesquisadores da Universidade de Oxford enfatizam a importância de não interpretar excessivamente os resultados obtidos no estudo que testou a habilidade do ChatGPT de resolver um enigma matemático proposto por Platão. Isso porque não puderam observar cientificamente a codificação do programa.

Da perspectiva da experiência digital como usuários, no entanto, os cientistas afirmam que a resposta da Inteligência Artificial sugere uma mistura de recuperação de dados e raciocínio rápido. Segundo eles, esse comportamento é comparado ao conceito educacional de uma zona de desenvolvimento proximal (ZDP) — a lacuna entreo que um aluno já sabe e o que ele pode eventualmente saber com apoio e orientação. 

Questionamento

Os autores sugerem que trabalhar com o Chat em sua ZDP pode ajudar a transformar as limitações em oportunidades de aprendizagem da máquina. Ao estimular, questionar e testar suas respostas, os alunos não apenas navegarão pelos limites do programa, mas desenvolverão as habilidades críticas de avaliação de provas e raciocínio que estão no cerne do pensamento matemático, alegam. 

"Ao contrário das provas encontradas em livros didáticos respeitáveis, os alunos não podem presumir que as provas do Chat GPT são válidas. Compreender e avaliar provas geradas por IA estão emergindo como habilidades essenciais que precisam ser incorporadas ao currículo de matemática", disse Andreas Stylianides, professor de Educação Matemática em Cambridge. "Essas são habilidades essenciais que queremos que os alunos dominem, mas isso significa usar estímulos como: 'Quero que exploremos este problema juntos', e não: 'Diga-me a resposta'", acrescentou Nadav Marco, professor visitante da instituição. 

 

 

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postado em 20/09/2025 05:07
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