
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as mudanças nas regras dos planos de saúde, criando critérios para o atendimento fora do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agradou as operadoras de planos de saúde e tem gerado frustração para entidades da sociedade civil e também para o relator da lei que tratava do assunto, o senador Romário (PL-RJ).
O parlamentar afirmou, nesta sexta-feira (19/9), ao Correio que “continuará estudando quais medidas legislativas e judiciais podem ser tomadas para fortalecer a Lei 14.454/2022”, relatada por ele no Senado e que obrigou as operadoras a atenderem casos fora do rol da ANS, ou seja, eliminando o rol taxativo. Ele lamentou a decisão da Corte e contou que relatou a nova regra com o objetivo de que o “o rol da ANS fosse referência, não uma barreira para os usuários de planos de saúde”.
“Infelizmente, essa é uma luta constante para as famílias. O STF reconheceu a constitucionalidade central da lei, mas estabeleceu critérios adicionais. Quem se sentir lesado deve continuar buscando seus direitos na Justiça, que estão garantidos pela própria Constituição”, explicou.
Na quinta-feira (18/9), por sete votos a quatro, o plenário do Supremo considerou a nova regra parcialmente inconstitucional e impôs cinco critérios para a autorização de tratamentos fora do rol da ANS. Na decisão, o relator do processo, o presidente do STF Luís Roberto Barroso, considerou que é constitucional a cobertura de tratamentos ou procedimentos fora do rol da ANS, “desde que preenchidos os parâmetros técnicos e jurídicos fixados nesta decisão”.
Os cinco critérios estabelecidos por Barroso precisam ser cumpridos simultaneamente: prescrição por médico ou dentista habilitados, inexistência de negativa expressa na ANS ou dependência de análise em proposta de atualização do rol, ausência de alternativa terapêutica adequada para a condição do paciente no rol de procedimentos da ANS, comprovação de eficácia e segurança do tratamento à luz da medicina baseada em evidências de alto grau, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, e existência de registro na Anvisa.
De acordo com especialistas, pacientes com câncer e doenças raras, como autismo, devem ser os mais afetados pela decisão do STF.
Romário destacou que a Resolução Normativa 623 da ANS, que entrou em vigor em julho, obriga os planos a justificar por escrito cada negativa de cobertura e a dar rastreabilidade aos pedidos. “Isso dá mais transparência e ferramentas para que as famílias não fiquem de mãos atadas. Então, a partir disso, vamos conseguir monitorar se os planos de saúde estão cumprindo as suas obrigações”, acrescentou.
O parlamentar ainda reconheceu que não existe uma "bala de prata" que resolva todas as situações. “Precisamos usar os instrumentos disponíveis e, de minha parte, estarei cumprindo o papel fiscalizador do Legislativo para garantir uma saúde de qualidade para a população”, acrescentou.
Setor rentável
Conforme dados da ANS, as operadoras de planos de saúde e as administradoras de benefícios registraram um lucro de R$ 11,1 bilhões, dado 271% superior ao registrado em 2023. Apenas as operadoras médico-hospitalares – principal segmento do setor – impulsionaram o resultado positivo total, somando lucro líquido de R$ 10,2 bilhões.
“Os números falam por si e foram divulgados pela própria ANS. Esses dados mostram uma realidade bem diferente do discurso das operadoras. Com lucros bilionários e crescimento de 271% ao ano, não podem alegar prejuízo quando o assunto é garantir tratamento para as famílias”, pontuou Romário. “Claro que os planos vão reclamar, faz parte do jogo deles. Mas, enquanto para as operadoras é só um negócio, para nós está em jogo a vida e a saúde da população. Esse deve ser o foco da ANS e do Congresso Nacional ao fiscalizar as empresas”, acrescentou o senador.
Em mais um dia de recorde da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), a administradora de planos de saúde Qualicorp liderou as altas da B3, nesta sexta-feira, com valorização de 9,48% um dia após a decisão favorável do Supremo.
Romário ressaltou que continuará na luta para “derrubar os obstáculos e dificuldades impostas pelas operadoras de planos de saúde”. “O mais importante é que o STF reafirmou a constitucionalidade da tese central: o rol da ANS não é taxativo, é exemplificativo. Isso significa que há espaço para garantir acesso a tratamentos que não estão formalmente listados, desde que cumpram os requisitos estabelecidos. Estarei sempre do lado das famílias que precisam de acesso ao melhor tratamento de saúde disponível, com segurança e eficácia. Esse é o compromisso que me move”, complementou Romário.
Logo após a decisão do STF, o Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec) lamentou o resultado do julgamento e afirmou que “o Tribunal aprofunda assimetrias entre usuários e operadoras e desconsidera dados que comprovam que a saúde suplementar não passa por crise sistêmica”. Em entrevista ao Correio, a coordenadora do Programa de Saúde do Idec, Marina Paullelli, afirmou que a ANS “mostrou resistência” em fazer com que as operadoras cumprissem a Lei 14.454/2022.
ANS elogia decisão
A ANS, por sua vez, afirmou ao Correio que a decisão do Supremo foi “equilibrada” e que o processo de avaliação de tecnologias feito pelas áreas técnicas da agência “é um dos mais rápidos do mundo". Segundo a instituição, "todo o processo de avaliação das tecnologias segue com absoluta transparência, seja pela transmissão on-line, seja pela disponibilização dos documentos utilizados para análise”.
“Com essa decisão, o STF reafirma que cabe à ANS a definição do rol de coberturas obrigatórias dos planos de saúde e que os casos excepcionais deverão ser tratados de acordo com regras objetivas. Trata-se de uma decisão equilibrada que, para além de garantir o direito do consumidor de forma coerente, reafirma a importância da saúde baseada em evidências, da capacidade institucional da agência reguladora e racionalidade decisória”, pontuou o diretor-presidente da ANS, Wadih Damous.
De acordo com a ANS, o rol de procedimentos e eventos da agência possui duas formas de atualização: por meio de propostas de alteração direta – cujos prazos de análise variam de 120 + 60 días para antineoplásicos de uso oral, procedimentos radioterápicos para tratamento de câncer e hemoterapia; e 180 + 90 dias para os demais procedimentos –, e por meio de incorporação automática das tecnologias recomendadas positivamente para inclusão no Sistema Único de Saúde (SUS) pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) – nesse caso o prazo é de até 60 dias.
Operadoras comemoram
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) comemorou com um dia de atraso a decisão do Supremo favorável às operadoras. “A decisão do STF representa uma vitória do paciente e de sua segurança clínica. Fica estabelecido que apenas terapias com comprovação científica sejam ofertadas, trazendo segurança e proteção contra práticas abusivas, desnecessárias ou arriscadas”, destacou a nota da Fenasaúde divulgada nesta sexta-feira. “Alinha-se, assim, aos melhores sistemas de saúde do mundo, que têm na medicina baseada em evidências o seu parâmetro central”, acrescentou o comunicado.
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