
Pular o café da manhã e jantar tarde podem parecer hábitos inofensivos, mas o resultado de uma pesquisa com mais de 900 mil participantes sugere que essas escolhas têm um impacto negativo para a saúde óssea. Segundo o estudo da Universidade Médica de Nara, no Japão, publicado no Journal of the Endocrine Society, essas duas práticas aumentam o risco de fraturas osteoporóticas no quadril, nas vértebras e no úmero.
Os cientistas descobriram que, mesmo quando considerados fatores de risco tradicionais — como idade, sexo, índice de massa corporal e doenças pré-existentes —, quem pulava o café da manhã ou comia muito tarde tinha uma probabilidade significativamente maior de sofrer fraturas relacionadas à osteoporose. Os dados referem-se a 927 mil indivíduos e foram obtidos no maior banco de registros clínicos e seguradoras do Japão. Os autores analisaram informações de saúde e estilo de vida, como sono, atividade física, consumo de álcool, tabagismo e alimentação.
Segundo o principal autor do estudo, o médico Hiroki Nakajima, esse é o primeiro estudo a demonstrar que os horários das refeições, e não apenas sua composição nutricional, estão ligados à saúde óssea e ao risco de fraturas. "Nossas descobertas sugerem que a osteoporose é, em parte, uma doença de estilo de vida", defende. "O simples ato de pular o café da manhã ou comer tarde da noite pode desregular o metabolismo e comprometer o equilíbrio ósseo."
Combinação
Os pesquisadores calcularam o chamado risco relativo ajustado (aHR) para cada hábito e constataram que pular o café da manhã eleva em 18% a chance de fraturas, enquanto jantar menos de duas horas antes de dormir aumenta esse risco em 8%. Quando os dois comportamentos se combinavam, a probabilidade chegava a 23%.
O estudo também mostrou que o grupo que mais pulava refeições e jantava tarde era composto por pessoas jovens, com maior consumo de álcool e cigarros, menor prática de exercícios físicos e menos tempo de sono. Para os autores, o estilo de vida noturno e irregular parece se associar a um padrão metabólico desfavorável aos ossos, ainda que os efeitos possam não ser percebidos imediatamente.
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A explicação fisiológica, segundo o estudo, está na alteração do ritmo circadiano — o "relógio biológico" que regula importantes hormônios. Comer muito tarde eleva o cortisol noturno e gera estresse oxidativo, dois fatores que prejudicam o metabolismo do cálcio e estimulam a reabsorção óssea, processo em que o corpo retira minerais do esqueleto para manter o equilíbrio químico do sangue. O resultado é uma redução lenta, mas constante, da densidade óssea. "Mesmo sem que haja deficiência de cálcio ou vitamina D, a irregularidade no padrão alimentar e de sono pode alterar a formação óssea", obervam os autores do estudo.
"Nosso organismo tem um 'relógio interno', e o esqueleto também segue esse ritmo", reforça Sandro Ferraz, médico nutrólogo e CEO do Instituto Evollution, em São Paulo. "As células responsáveis por renovar os ossos — osteoblastos e osteoclastos — funcionam melhor quando há regularidade alimentar. Quando esse ciclo é quebrado, o corpo produz mais cortisol e gera mais radicais livres — o que enfraquece o tecido ósseo com o tempo."
Efeito
A literatura médica já apontava o papel de hormônios do estresse e da privação de sono na fragilidade óssea, mas a novidade é que o horário das refeições também exerce um efeito biológico direto, segundo o estudo japonês. Pesquisas anteriores mostraram que trabalhadores em turnos noturnos e pessoas com jet lag crônico tendem a ter densidade mineral mais baixa.
O novo estudo amplia esse conhecimento, ao revelar que hábitos aparentemente banais — como jantar tarde ou pular o café da manhã — também desorganizam o ciclo hormonal e metabólico do corpo. "O osso não é um tecido estático", assinala Nakajima. "Ele responde a estímulos diários e ao ritmo metabólico. A alimentação fora de hora é um tipo de agressão crônica."
Embora a osteoporose continue fortemente associada ao envelhecimento e à menopausa, o estudo também alerta para a necessidade de prevenção precoce, inclusive, em adultos jovens. Entre os participantes, os que pulavam o café da manhã e jantavam tarde tinham, em média, 52 anos — uma faixa etária em que a perda óssea ainda é discreta, mas cumulativa. Na análise específica por tipo de fratura, esses hábitos aumentaram a probabilidade de lesões para quadril, vértebra e úmero, mas não para antebraço, o que indica que diferentes regiões do esqueleto podem responder de maneira distinta às alterações metabólicas. "As fraturas do antebraço tendem a ocorrer em pessoas mais jovens e ativas, enquanto as vertebrais e de quadril refletem fragilidade óssea mais profunda", diz o artigo.
Saiba Mais
Respeito à sincronia
O estudo publicado no Journal of the Endocrine Society indica que pular o café da manhã e jantar tarde — menos de duas horas antes de dormir — estão associados a um maior risco de fraturas osteoporóticas, especialmente em mulheres e pessoas com menor peso corporal. Esses dois hábitos, tão comuns na rotina moderna, mostraram um impacto significativo: quando ambos os comportamentos se combinam, o aumento na probabilidade chega a 23%. Na prática clínica, isso reforça o conceito de que o metabolismo ósseo também tem um ritmo circadiano — ele depende de horários regulares de alimentação, sono e exposição solar para funcionar adequadamente. O osso é um tecido metabolicamente ativo, sensível a hormônios como cortisol, melatonina e GH, que são influenciados pelo momento das refeições. O cuidado com os ossos vai muito além do consumo de cálcio: envolve ritmo alimentar, sono reparador e sincronia hormonal. Começar o dia com um café da manhã equilibrado e respeitar o intervalo entre o jantar e o sono são atitudes simples, mas poderosas, para reduzir o risco de osteoporose e fraturas a longo prazo. Em termos práticos, o osso também tem um relógio biológico — e ele agradece quando você se alimenta e dorme nos horários certos.
Antônio Marcos Coatti, nutricionista na clínica Dra. Chreichi, em São Paulo
Fatores de proteção
Entre os fatores protetores da saúde óssea identificados no estudo da Universidade Médica de Nara, no Japão, destacaram-se a prática de exercícios, a caminhada em ritmo acelerado e o sono suficiente, todos associados a menores taxas de fraturas. Já o tabagismo mostrou-se, mais uma vez, um inimigo declarado dos ossos, elevando em 11% o risco. O abuso de álcool — identificado por diagnósticos de transtornos relacionados à bebida — multiplicou a chance em quase duas vezes.
"Manter uma alimentação rica em cálcio e vitamina D, praticar atividades físicas regulares, especialmente exercícios com impacto e fortalecimento muscular, e realizar exames periódicos de densitometria óssea são medidas extremamente eficazes para proteger a saúde dos ossos", lembra Lúcio Gusmão, ortopedista e especialista em dor crônica e aguda, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT). "Entre os principais fatores de risco de osteoporose estão o histórico familiar da doença, sedentarismo, baixa ingestão de cálcio e vitamina, tabagismo, consumo excessivo de álcool e o uso de alguns medicamentos", reforça.
Segundo o estudo que associou o horário do jantar e o hábito de tomar café da manhã com o risco de osteoporose, uma das implicações dos resultados é a importância de se pensar em crononutrição — a ciência que estuda a relação entre o tempo das refeições e o metabolismo. Pular a primeira refeição do dia pode estar ligado a dietas pobres em cálcio, proteínas e vitamina D, nutrientes fundamentais para a manutenção da massa óssea.
Vitamina D
Além disso, estudos complementares mostram que pessoas que não tomam café da manhã tendem a ter níveis séricos mais baixos de 25-hidroxivitamina D, principal marcador do estado nutricional desse hormônio. "Não se trata apenas do que se come, mas de quando se come", observa o artigo. O café da manhã, lembram os autores, é o principal sincronizador do relógio metabólico, e sua ausência contribui para o desajuste do ritmo interno que regula a formação e a reabsorção óssea.
O médico nutrólogo Sandro Ferraz explica que alguns minerais dependem de horários e combinações adequadas para serem bem absorvidos. "Por exemplo, o cálcio precisa de doses fracionadas ao longo do dia. Já o magnésio ajuda na ativação da vitamina D, e esse nutriente, além do Sol, depende de refeições que contenham gorduras boas para ser absorvida", diz. "Quando as refeições são muito espaçadas ou concentradas à noite, o corpo perde eficiência", alerta. (PO)
Boas opções
O nutricionista Antônio Marcos Coatti, da clínica Dra. Chreichi, em São Paulo, sugere alimentos que ajudam na saúde óssea para se consumir no café e no jantar:
- Um café da manhã protetor para os ossos deve oferecer cálcio, vitamina D e proteína de alta qualidade logo nas primeiras horas do dia.
- O cálcio é o mineral estrutural do tecido ósseo; a vitamina D garante sua absorção intestinal e fixação; e a proteína fornece os aminoácidos necessários para a formação da matriz de colágeno que sustenta o esqueleto.
- Exemplos de boas escolhas são: leite, iogurte natural, kefir ou bebida vegetal fortificada; queijo branco, ovos ou iogurte proteico; aveia, chia (foto), linhaça e frutas cítricas; peixes ricos em vitamina D (como sardinha ou salmão em pequenas porções no café).
- Uma combinação simples e funcional seria: omelete com queijo branco, iogurte com chia e uma fruta cítrica.
- Além de fornecer os nutrientes estruturais, essa refeição ajuda a sincronizar o relógio biológico do metabolismo, reduz o cortisol matinal e otimiza o anabolismo ósseo.
- Também é importante encerrar o jantar de duas horas e meia a três horas antes de deitar, priorizando refeições leves, ricas em proteínas magras e vegetais — por exemplo, peixe grelhado com legumes e azeite.
Duas perguntas para Lúcio Gusmão, ortopedista especialista em dor crônica do Centro Avançado da Dor e Especialidade
A disfunção do ritmo circadiano e os níveis de cortisol interferem na remodelação óssea e na resistência do osso a fraturas?
Sim, e de maneira muito mais importante do que a maioria das pessoas imagina. O nosso esqueleto funciona como organismo vivo, que se renova continuamente, seguindo o que nós chamamos de ritmo circadiano, que é o relógio biológico interno, responsável por regular sono, hormônios e metabolismo. Hábitos como pular o café da manhã ou jantar muito tarde fazem com que ocorra um aumento noturno do cortisol, que é o que a gente chama de hormônio do estresse. Essa elevação enfraquece o osso, reduz a formação de massa óssea e aumenta a perda mineral. Além disso, você tem um desarranjo do ritmo biológico que prejudica as células essenciais para a saúde óssea, principalmente os osteoblastos, osteoclastos e osteócitos, que também seguem ciclos diários.
Que papel têm as janelas alimentares na modulação do metabolismo ósseo e na prevenção da osteoporose?
O artigo traz olhares interessantes acerca do tema, ele mostra a importância, não só
de se atentar para o que comemos mas também, para quando comemos. Comer em uma janela diurna de oito a 10 horas melhora o metabolismo, inflamação e hormônio. O osso gosta de rotina. Quando a alimentação segue horários regulares, o osso responde melhor, nossa alimentação tem horário, nosso corpo tem ritmo. O futuro da saúde óssea passa pelo que chamamos de cronobiologia, que é a ciência do tempo aplicado no corpo. (PO)

Ciência e Saúde
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