
Um erro processual levou à prisão de Gustavo Rodrigues, um jovem de 19 anos, no Distrito Federal. O mandado de prisão, expedido por um juiz de Minas Gerais e baseado em um caso registrado em São Paulo, apontava uma suposta dívida de pensão alimentícia. No entanto, a Justiça constatou que Gustavo não tem filhos nem possui qualquer ligação com o processo que resultou em sua detenção. O equívoco teve origem em 2017, quando ele tinha apenas 12 anos e, obviamente, não poderia ser responsável pelo pagamento da pensão.
O jovem foi preso em 28 de janeiro e passou por audiência de custódia na manhã seguinte, sendo liberado apenas à noite, após mais de 24 horas detido. A Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) acompanhou o caso e identificou a falha, contribuindo para que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) determinasse sua soltura no dia seguinte.
Marco Barbosa, advogado do jovem, explica que a prisão foi motivada por um erro no sistema judicial. "Ele nunca esteve em Minas Gerais e, mais grave ainda, o processo é de 2017, quando ele tinha apenas 12 anos. Se considerarmos que a execução de alimentos ocorre após o nascimento da criança, isso significaria que ele teria tido um filho entre 9 e 10 anos de idade, o que é impossível", expõe.
Ao que tudo indica, o erro aconteceu no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), sistema que permite a qualquer juiz do país registrar ordens de detenção, possibilitando sua execução em qualquer estado. No caso do jovem, porém, ocorreu um erro de identificação: um mandado expedido em Minas Gerais estava associado a um processo criminal de São Paulo, sem qualquer vínculo com ele.
Eduárdo Càrdoso Kivel, advogado especializado em reparação de danos, também explica que houve negligência durante a identificação. "A Justiça não verificou corretamente a identidade, a idade e a inexistência de vínculo de Gustavo com a criança", diz.
O defensor público ressaltou a importância da audiência de custódia na rápida revisão do caso, evitando uma detenção prolongada. "Esse caso exemplifica perfeitamente a relevância da audiência de custódia. Em até 24 horas, a pessoa tem acesso a um defensor e a um juiz, que analisam a legalidade da prisão. Sem esse procedimento, ele poderia ter permanecido preso por semanas ou até meses antes de uma reavaliação", afirmou Alexandre Fernandes Silva.
Agora, a defesa busca reparação judicial pelo erro. "Ingressamos com uma ação por danos morais, pois Gustavo e sua família sofreram um grande abalo emocional", declarou. A mãe de Gustavo relatou que ainda se recupera do impacto psicológico e destacou os prejuízos financeiros que enfrentou. Ela precisou gastar mais de R$ 3 mil e, para cobrir as despesas, teve que recorrer a um empréstimo bancário.
Responsabilização
Na última quarta-feira, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu abrir um procedimento administrativo para investigar a conduta dos magistrados envolvidos no caso. Em nota enviada ao Correio, o CNJ informou que a Corregedoria Nacional de Justiça está acompanhando a situação. No entanto, ainda não há um prazo definido para a conclusão da apuração pelos órgãos de Justiça. Kivel afirma que os órgãos de fiscalização e o próprio jovem, por meio de seu advogado, devem apurar o caso e buscar a atribução da culpa aos envolvidos.
Segundo Bernardo Accioli, a responsabilização pelos erros cometidos nesse caso podem ocorrer em diferentes frentes jurídicas. Primeiramente, há a responsabilidade administrativa, que recai sobre o servidor público que, por algum motivo, incluiu indevidamente a informação no sistema. "Essa responsabilização não tem o objetivo de indenizar a vítima, mas sim de aplicar uma punição disciplinar ao responsável pelo erro", esclarece o professor e advogado. O processo deve ser conduzido pelo próprio Estado, por meio da corregedoria ou órgão análogo, que analisará a conduta do servidor e decidirá se ele deve ser punido.
Além disso, também existe a responsabilidade civil da administração pública, que independe da culpa do agente público envolvido. "Se uma pessoa for vítima de uma prisão ilegal, ela tem direito a indenização por dano moral, mesmo sem a necessidade de comprovar a culpa do Estado", explica Accioli. Isso ocorre porque a responsabilidade do Estado é objetiva, conforme o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, e o artigo 43 do Código Civil de 2002.
"Por fim, há possibilidade do direito de regresso do Estado contra o agente público responsável, caso se comprove que o funcionário público agiu culposamente", completa. Isso significa que, se for comprovado que o agente público envolvido agiu de forma culposa ou dolosa ao cometer o ato que levou à prisão indevida, o Estado pode, depois de indenizar a vítima, entrar com uma ação para reaver, desse agente, o valor pago".
Accioli esclarece em qual ente federativo recai a responsabilidade nesses casos. "Quando um estado emite um mandado de prisão e outro executa, ambos participam na produção do dano", afirma.
Segundo a regra geral da responsabilidade civil, prevista no artigo 942 do Código Civil, quando duas pessoas, físicas ou jurídicas, causam um dano, ambas são solidariamente responsáveis. "Isso significa que a vítima pode processar os dois responsáveis simultaneamente, sem precisar determinar qual deles errou mais. E, caso a indenização seja concedida, a regra é que a vítima tem a prerrogativa de escolher de qual estado quer cobrar o valor cheio - e eles repartem o prejuízo entre si em um segundo momento", explica o professor.