Visão do Direito

Ampliação do conceito de produto intermediário e os novos caminhos para recuperação de créditos de ICMS

" Com a nova diretriz, prevalece o critério da essencialidade, alinhando o ICMS a interpretações já aplicadas ao PIS e à Cofins (Tema 779 do STJ)"

Bruno Junqueira, da Arnone Advogados Associados, especialista em direito tributário e governança corporativa
 -  (crédito: Divulgação)
Bruno Junqueira, da Arnone Advogados Associados, especialista em direito tributário e governança corporativa - (crédito: Divulgação)

Por Bruno Junqueira* — O sistema tributário brasileiro está passando por uma evolução relevante em sua jurisprudência. Nesse cenário, para empresas que mantêm atuação estratégica e tecnicamente fundamentada, essas transformações representam oportunidades legítimas de recuperação de créditos e ganho de eficiência fiscal. 

A mais recente e promissora dessas mudanças advém da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 1.775.781/SP no qual a Corte firmou o entendimento de que o ICMS incidente sobre a aquisição de produtos intermediários consumidos ou desgastados no processo produtivo é passível de crédito, desde que esses itens sejam essenciais para a atividade-fim da empresa, mesmo que não se integrem fisicamente ao produto final.

Essa decisão rompe com o entendimento tradicional do chamado "crédito físico", que limitava o direito ao crédito a itens que pudessem compor materialmente o produto final, desconsiderando a lógica técnica da operação industrial. Com a nova diretriz, prevalece o critério da essencialidade, alinhando o ICMS a interpretações já aplicadas ao PIS e à Cofins (Tema 779 do STJ).

O que muda na prática?

O impacto prático é imediato: empresas industriais e agroindustriais passam a ter respaldo jurídico para revisar os últimos cinco anos de apuração do ICMS, com vistas à recuperação de créditos até então rejeitados/anulados pela fiscalização. Produtos como catalisadores, abrasivos, lubrificantes, gases industriais e materiais refratários passam a ser considerados, potencialmente, produtos intermediários creditáveis.

Esses itens, embora não componham o resultado final, são frequentemente indispensáveis ao processo produtivo — e por isso, agora, reconhecidos como elementos essenciais do ciclo econômico da produção.

Setores mais impactados

A mudança afeta positivamente diversos setores como: indústrias químicas e petroquímicas, papel e celulose, agroindústria e setor sucroalcooleiro, siderurgia, metalurgia, além de alimentos e bebidas.

Empresas desses segmentos costumam operar com margens tributárias estreitas e com insumos técnicos fundamentais, que historicamente foram desconsiderados na apuração do ICMS creditável. O novo entendimento corrige essa distorção.

 

O cenário ainda exige cautela e assessoramento jurídico

Apesar do avanço jurisprudencial, a resistência dos fiscos estaduais e de tribunais administrativos permanece evidente. Muitas secretarias da Fazenda ainda se baseiam em normas restritivas, — como a Decisão Normativa CAT 1/01 em São Paulo, que mantém o critério da incorporação física como exigência para o creditamento.

O TIT-SP, inclusive, tem proferido decisões recentes contrárias à aplicação automática do julgado do STJ, sob o argumento de que, por não se tratar de recurso repetitivo, o precedente não é vinculante para os julgadores administrativos. Há ainda a tentativa, por parte de algumas Procuradorias Estaduais, de levar o tema ao STF, embora ainda sem definição.

Por isso, é fundamental que os contribuintes adotem postura técnica, estratégica e documentada, estruturando adequadamente a demonstração da essencialidade do produto intermediário. A apuração contábil isolada não basta. É preciso comprovar o papel técnico do item no processo produtivo, seja por meio de laudos, fichas técnicas, ou seja por relatórios operacionais.

A oportunidade está dada, mas a abordagem deve ser responsável

A janela de oportunidade existe — mas deve ser encarada com rigor jurídico e prudência técnica. O direito ao crédito de ICMS prescreve em cinco anos, o que exige  agilidade, porém sem improvisos. Um diagnóstico tributário bem elaborado, com mapeamento de insumos, revisão do fluxo produtivo e definição da melhor via (administrativa ou judicial), é o caminho mais seguro.

A decisão do STJ representa um avanço importante no respeito à realidade operacional das empresas e na aplicação do princípio da não cumulatividade. Porém, sua efetiva aplicação ainda dependerá da atuação estratégica do contribuinte, diante da resistência de boa parte da administração tributária.

Empresas que souberem conduzir esse processo com visão técnica, estratégia jurídica e governança fiscal sólida sairão na frente — não apenas pela recuperação de valores, mas também pela melhoria da eficiência e previsibilidade na apuração do ICMS.

Advogado da Arnone Advogados Associados, especialista em direito tributário e governança corporativa*

 

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Por Opinião
postado em 26/06/2025 03:00
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