
Por Caroline Rangel* — As medidas protetivas de urgência, previstas na Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, configuram um dos mais relevantes instrumentos de tutela estatal à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar. Criadas com o propósito de oferecer proteção célere e eficaz, essas medidas permitem que o juiz determine, de imediato, o afastamento do suposto agressor, a proibição de contato com a vítima ou a suspensão do porte de armas, antes mesmo da instauração de um processo criminal.
A natureza preventiva e cautelar dessas providências justifica a celeridade com que são deferidas, muitas vezes sem a oitiva prévia da parte contrária, com base no princípio da precaução e na necessidade de evitar o agravamento de situações de risco.
Entretanto, como todo instrumento jurídico dotado de poder imediato, a medida protetiva pode ser indevidamente manejada. A experiência prática tem revelado casos em que tais medidas são pleiteadas não para assegurar proteção legítima, mas como estratégia em disputas familiares, patrimoniais ou de guarda de filhos, ou ainda como retaliação emocional. Nessas hipóteses, o cidadão que se vê atingido por uma decisão injusta experimenta graves consequências: afastamento do lar, impossibilidade de convivência com os filhos, abalo à reputação e prejuízos psicológicos e econômicos.
Embora a Lei Maria da Penha tenha como escopo a proteção da mulher e a prevenção da violência, é imperioso reconhecer que a sua aplicação deve observar, sem exceção, as garantias constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido que as medidas protetivas possuem natureza penal e caráter autônomo, podendo subsistir independentemente de ação criminal em curso. Contudo, o mesmo tribunal afirma que tais medidas devem estar fundadas em elementos concretos que demonstrem risco efetivo à integridade da vítima, sob pena de configurarem constrangimento ilegal.
Assim, diante de uma medida injusta ou desproporcional, a primeira providência que se impõe é a formulação de pedido fundamentado de revogação ou substituição, nos termos do artigo 282, §5º, do Código de Processo Penal. O advogado deve demonstrar a inexistência de risco atual, a improcedência das alegações ou a desnecessidade de manutenção das restrições, instruindo o pedido com provas documentais, testemunhais ou eletrônicas que revelem o verdadeiro contexto dos fatos.
Caso o juízo indefira o pedido, é cabível a impetração de habeas corpus, instrumento de tutela constitucional destinado a corrigir constrangimento ilegal decorrente de medidas restritivas injustificadas. O STJ tem reiteradamente admitido o uso do habeas corpus em tais hipóteses, reconhecendo que, embora as medidas protetivas não representem prisão, implicam severa limitação de direitos fundamentais.
Em situações extremas, nas quais reste demonstrada a falsidade dolosa das acusações, é possível a responsabilização civil e penal da parte denunciante, seja por meio de ação de indenização por danos morais, seja por representação por denunciação caluniosa, tipificada no artigo 339 do Código Penal. Essas providências, no entanto, devem ser manejadas com cautela, a fim de não agravar o conflito.
O papel do advogado, nesse contexto, é essencial. Cabe-lhe agir com técnica, prudência e ética, defendendo o cliente sem jamais deslegitimar o objetivo maior da Lei Maria da Penha, que é a proteção da mulher que se encontra — realmente — em situação de vulnerabilidade. A defesa contra uma medida injusta não significa negação da violência de gênero, mas afirmação da necessidade de equilíbrio e racionalidade na aplicação da lei.
Em suma, diante de uma medida protetiva injusta, a via adequada é a do direito: requerer a revogação, exercer o contraditório, buscar a revisão judicial e, se preciso, impetrar habeas corpus. A justiça deve proteger sem punir indevidamente, e a advocacia tem o dever de zelar para que a proteção legítima não se converta em injustiça travestida de cautela.
Advogada criminalista, especialista em Ciências Penais*
Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular
Saiba Mais

Direito e Justiça
Direito e Justiça
Direito e Justiça