
Por Jacques Veloso* — A desoneração da folha de pagamento representa uma das principais políticas públicas voltadas à redução dos encargos sociais incidentes sobre a folha salarial, com o objetivo de estimular a formalização e o emprego.
A medida facultou às empresas de determinados setores econômicos substituir a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários por uma contribuição calculada sobre a receita bruta, variando entre 1% e 4,5%.
O tema voltou ao centro do debate jurídico e econômico com a promulgação da Lei nº 14.784/2023, que prorrogou o benefício até 31 de dezembro de 2027 e estendeu a alíquota reduzida a municípios de pequeno porte. Ocorre que, em face da ausência de estudos de impacto orçamentário e indicação de medidas compensatórias, a norma foi objeto de impugnação pela Advocacia-Geral da União (AGU), resultando na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.633, atualmente em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal.
O cerne da controvérsia reside na ausência de observância aos requisitos fiscais previstos na Constituição Federal e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Conforme sustenta a AGU, a prorrogação da desoneração sem a devida estimativa de impacto financeiro e sem a indicação de fontes de compensação viola o princípio do equilíbrio fiscal e a exigência de responsabilidade na gestão de renúncias de receita.
O relator da ADI, ministro Cristiano Zanin, manifestou-se pela inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 14.784/2023 que prorrogam o benefício fiscal, ponderando que a prorrogação de desonerações deve estar acompanhada de estudo técnico que demonstre sua sustentabilidade e de medidas compensatórias que evitem desequilíbrio nas contas públicas. Apesar disso, o ministro reconheceu a validade da norma de transição, instituída em 2024, que prevê reoneração gradual entre 2025 e 2027, a qual, segundo seu voto, deve ser preservada a fim de evitar ruptura abrupta para o setor produtivo.
O julgamento teve início no Plenário Virtual do STF em 17 de outubro de 2025 e aguarda o retorno de pedido de vista formulado pelo ministro. Enquanto isso, permanece vigente a liminar concedida por Zanin, suspendendo parcialmente os dispositivos da Lei nº 14.784/2023 que tratam da prorrogação da desoneração e da redução de alíquotas para municípios.
A expectativa é de que, após a devolução do processo, o Plenário possa definir não apenas a constitucionalidade ou não da norma, mas também a modulação dos efeitos da decisão, aspecto essencial para a segurança jurídica dos contribuintes.
A eventual declaração de inconstitucionalidade poderá ter repercussões significativas. Em tese, a invalidação dos dispositivos poderia gerar a exigência de recolhimento retroativo da contribuição previdenciária patronal, o que representaria ônus considerável às empresas beneficiadas.
Contudo, é possível que o Supremo adote a modulação de efeitos, restringindo os impactos da decisão a períodos futuros, de modo a preservar a previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas.
Empresas de setores intensivos em mão de obra, como tecnologia da informação, transporte, construção civil e comunicação, seriam diretamente afetados. Do ponto de vista federativo, a suspensão do benefício para municípios de pequeno porte também pode agravar a crise fiscal local, dada a dificuldade de manter folhas de pagamento equilibradas sob o regime tradicional.
Diante da incerteza, recomenda-se que as empresas beneficiadas mantenham controles e registros contábeis detalhados sobre as contribuições recolhidas no regime de desoneração, bem como avaliem cenários alternativos de reoneração. Para municípios e entes públicos, a adoção de planejamento orçamentário preventivo é medida essencial, considerando a possibilidade de reestabelecimento da alíquota integral de 20% sobre a folha.
A análise da ADI 7.633 pelo Supremo Tribunal Federal representa mais do que um embate técnico sobre a constitucionalidade de uma norma: reflete o desafio de conciliar políticas públicas de estímulo econômico com a responsabilidade fiscal.
Advogado especialista em direito tributário, sócio do escritório Veloso de Melo Advogados*
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