
Por Leonardo Roesler* — A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que institui a Reforma Administrativa representa uma das mais profundas alterações no regime jurídico dos servidores públicos desde 1988. A iniciativa está estruturada em três pilares centrais: governança e desempenho, carreiras e concursos públicos e a extinção de privilégios. O objetivo declarado é modernizar a gestão do funcionalismo, reduzindo custos e alinhando a progressão de carreira a critérios de mérito e eficiência.
No campo da governança, o estágio probatório deixa de ser um simples requisito temporal e passa a configurar-se como um processo administrativo formal, com critérios objetivos, metas e indicadores preestabelecidos.
A estabilidade, por sua vez, deixa de ser adquirida automaticamente e passa a depender de decisão expressamente fundamentada. As avaliações periódicas de desempenho tornam-se obrigatórias e passam a condicionar progressões, promoções, designações para cargos de confiança e o pagamento de bônus de resultado, vinculando de maneira mais direta a evolução do servidor ao cumprimento de metas institucionais.
Em relação às carreiras, a PEC estabelece a obrigatoriedade de 20 níveis de progressão, com interstício mínimo de um ano entre cada avanço, e fixa o vencimento inicial em até 50% da remuneração final da carreira, salvo quando essa não ultrapassar quatro salários mínimos.
A medida busca conter o fenômeno conhecido como "carreira meteórica", em que o servidor rapidamente atinge os patamares mais altos da remuneração. Também se prevê a criação dos concursos a termo, modalidade que permite a investidura temporária em cargos efetivos por até 10 anos, limitada a 5% do quadro, aproximando-se de um regime híbrido entre estabilidade tradicional e contratos temporários. Ademais, a União poderá centralizar concursos, aproveitando cadastros de aprovados em estados e municípios, o que reforça a padronização do sistema.
No tocante às remunerações e benefícios, a proposta elimina ou restringe práticas historicamente consideradas privilégios. Ficam vedadas férias superiores a 30 dias, salvo exceções pontuais para docentes e profissionais de saúde, extingue-se a aposentadoria compulsória como sanção disciplinar de magistrados e membros do Ministério Público, substituindo-a pela perda do cargo, e são abolidos adicionais por tempo de serviço e licenças-prêmio.
Pagamentos retroativos somente poderão ocorrer mediante decisão judicial transitada em julgado, e não será mais possível converter férias e licenças não usufruídas em indenizações. Auxílios como alimentação, saúde e transporte ficam limitados a 10% da remuneração de servidores que já recebem 90% ou mais do teto constitucional. Outro ponto de impacto é a destinação dos honorários de sucumbência, que passam a ser classificados como receitas públicas vinculadas ao financiamento da estrutura de representação judicial.
A reforma, portanto, altera de forma estrutural a lógica da administração pública, deslocando o eixo da progressão funcional do tempo de serviço para o desempenho aferível e restringindo práticas remuneratórias que inflavam a folha de pagamento. Busca uniformizar a política salarial e dar maior transparência e controle social às despesas com pessoal.
Entretanto, os riscos não são desprezíveis: vencimentos iniciais menos atrativos podem reduzir a competitividade das carreiras típicas de Estado, novos servidores enfrentarão maior precarização em razão de estágios probatórios mais rígidos e vínculos temporários em cargos efetivos, e será necessária regulamentação infraconstitucional detalhada para viabilizar a operacionalização de todo o novo modelo.
Trata-se, em síntese, de uma mudança paradigmática que tende a redefinir o futuro do serviço público brasileiro, mas que exigirá um amplo debate político, técnico e jurídico para equilibrar eficiência administrativa e garantias institucionais.
Advogado tributarista e sócio do RCA Advogados*
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