Polêmica

Glória Maria foi primeira no Brasil a usar lei contra racismo

No fim de semana, jornalista falou em vídeo ao vivo no YouTube que "hoje tudo é racismo, está chato" e levantou discussões na internet

Jéssica Gotlib
postado em 29/09/2020 17:24
Glória Maria foi a primeira repórter negra da TV brasileira -  (crédito: Brunno Rangel/Revista WOW. Gloria Maria)
Glória Maria foi a primeira repórter negra da TV brasileira - (crédito: Brunno Rangel/Revista WOW. Gloria Maria)

Uma fala da jornalista Glória Maria, durante participação em uma transmissão ao vivo no canal do YouTube Glamurama, tem dado o que falar. É que, no vídeo que foi ao ar nesse fim de semana, ela se declarou contrária a “essa coisa do politicamente correto”. “Hoje tudo é racismo, tudo é preconceito”, avaliou.

Glória Maria usou a experiência pessoal que tem com os colegas de equipe na televisão para exemplificar atos que considera inofensivos. “Eu até hoje na TV tenho meus câmeras antigos, os técnicos que estão comigo há quarenta anos, todos me chamam de neguinha. Eu nunca me ofendi, eu nunca me senti discriminada. Eles me chamam de uma maneira amorosa, carinhosa. É claro que se eles falam 'ô nega, não sei o quê' é outra coisa. Então, hoje. Tudo é preconceito”, pontuou.

Lei Afonso Arinos

Entretanto, o recorte que a apresentadora usou desta vez para destacar a forma como encara o racismo não é o único pelo qual ela enxerga a questão. É que, em outras entrevistas e depoimentos, Glória Maria falou sobre as diversas situações de racismo a que foi exposta. Há exatamente um ano, por exemplo, ela compartilhou uma publicação no Instagram em que dizia ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar Lei Afonso Arinos — primeira norma do país que considerava a discriminação racial contravenção penal, criada na década de 1950.

O fato ocorreu nos anos 1970, quando a jornalista foi impedida por um gerente de entrar pela porta da frente de um hotel no Rio de Janeiro. O fato também foi relembrado pela jornalista em junho deste ano, quando a Globo exibiu um programa especial sobre o debate racial.

“Racismo é uma coisa que eu conheço, que eu vivi, desde sempre. E a gente vai aprendendo a se defender da maneira que pode. Eu tenho orgulho de ter sido a primeira pessoa no Brasil a usar a Lei Afonso Arinos, que punia o racismo, não como crime, mas como contravenção. Eu fui barrada em um hotel por um gerente que disse que negro não podia entrar, chamei a polícia, e levei esse gerente do hotel aos tribunais. Ele foi expulso do Brasil, mas ele se livrou da acusação pagando uma multa ridícula. Porque o racismo, para muita gente, não vale nada, né? Só para quem sofre”, relatou à época.

Politicamente correto

Na entrevista que levantou a polêmica, Glória Maria falava sobre o contexto da televisão e como ela, pessoalmente, achava os novos padrões morais “basicamente um saco”, criticando também as pessoas que denunciam assédios nos ambientes de trabalho.

“Tudo é assédio e está chato. Eu estou há mais de quarenta anos na televisão, já fui paquerada muitas vezes, mas nunca me senti assediada moralmente. Eu acho que o assédio moral é uma coisa clara, não tem dubiedade. Não tem como você interpretar. O assédio é uma coisa que te fere, é grosseiro, te machuca, te incomoda, te desmoraliza. Agora, a paquera... Pelo amor de Deus”, colocou.

A jornalista usou mais uma vez a experiência pessoal para validar o ponto. “Os homens estão com medo de paquerar. Caramba, eu quero ser paquerada ainda, gente. Estou viva. Mas, existe uma cultura hoje que nada pode”, considerou.

Para Glória Maria, é preciso que as pessoas saibam discernir as coisas. “Nós, mulheres, sabemos fazer bem a diferença de uma paquera para um assédio, para um abuso sexual. Se a gente não tiver a capacidade de ver isso, de observar isso, caramba, por que a gente chegou até aqui? Então, eu acho que tem que ter uma diferenciação mesmo. Não dá para você generalizar tudo”, ponderou.

Ainda com um tom bastante pessoal, a jornalista terminou dizendo que não vai aderir a esses padrões de conduta. “Eu acho que esse mundo está muito chato. Eu acho que essa coisa do politicamente correto é um porre, eu não sou politicamente correta e não vou ser. Não adianta. Não venho de um mundo politicamente correto”, tachou.

Debate entre internautas

Nas redes sociais, a fala de Glória Maria sobre o racismo está entre as mais comentadas do dia. O perfil identificado como Henrique Oliveira ironizou. “Tudo agora é desmatamento e incêndio, diz vegetação brasileira devastada!”

A historiadora e influenciadora Keilla Vila também escreveu uma crítica. “No dia em que a sociedade entender que uma pessoa negra não fala por todas, talvez não haja necessidade de respostas públicas a falas como a dela. TALVEZ. Por hoje, é necessário dizer que o discurso dela empaca o debate sobre violências raciais”, publicou.

Entre os que endossaram a crítica ao “politicamente Correto” está o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL). “Glória Maria sendo ‘cancelada’ e atacada pela esquerda após dizer que ‘nem tudo é racismo e assédio’ e que ‘politicamente correto é um porre’. Não a conheço, não sei o que pensa e isso não importa. Só sei que ela deve ter liberdade de expressão. Força”, defendeu o político que também é filho do presidente da República.

Até a publicação deste texto, Glória Maria ainda não havia se manifestado publicamente sobre a polêmica levantada depois da live.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação