Arquitetura

Lisboa pode retomar projeto do arquiteto Oscar Niemeyer feito em 1991

Prefeitura da capital portuguesa negocia a retomada de um projeto feito em 1991 pelo arquiteto brasileiro para revitalizar área degradada e incentivar o turismo

VICENTE NUNESCorrespondente
postado em 18/10/2022 06:00 / atualizado em 18/10/2022 10:38
 (crédito:  Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

Lisboa — Um projeto elaborado por Oscar Niemeyer em 1991 para a capital portuguesa poderá, finalmente, sair do papel. Depois de muitos desencontros e promessas não cumpridas, a Prefeitura de Lisboa deve aprovar, ainda neste ano, a construção de um prédio que, inicialmente, foi projetado para ser a sede da Fundação Luso-Brasileira para o Desenvolvimento. O empreendimento, com aproximadamente 16 mil metros quadrados, ficaria na Quinta dos Alfinetes, no bairro de Chelas. Agora, a ideia é levar a construção para o bairro de Olaias, uma das áreas mais degradadas da cidade. Acredita-se que a obra com a assinatura de Niemeyer, funcionando, por exemplo, como centro cultural, terá força suficiente para incrementar a revitalização da região.

A fundação para a qual Niemeyer fez o projeto chegou a dar início às obras, mas pouco se avançou. Em 1999, o empreendimento foi abandonado e hoje se resume a escombros. Os terrenos escolhidos para abrigar o prédio foram retomados pela Prefeitura de Lisboa, que assumiu prejuízos em torno de 750 mil euros (R$ 4 milhões). Uma das promessas de retomada do projeto foi feita em 2010 por António Costa, então prefeito da capital portuguesa, hoje, primeiro-ministro da Portugal. Se concretizado agora, o feito caberá a Carlos Moedas, seu adversário político, que rompeu um ciclo de 14 anos de governos socialistas em Lisboa.

Pelo projeto original, o empreendimento prevê um prédio com salas para trabalho, um centro de exposição e eventos, um teatro para 400 pessoas, lojas, restaurantes, um terraço e uma praça, além de estacionamento ao fundo. É possível que possa haver alguns ajustes, a depender das negociações entre o Instituto Niemeyer e a Prefeitura de Lisboa. Um encontro entre o bisneto do arquiteto, Paulo Niemeyer, o prefeito de Lisboa e representantes da Câmara Municipal está agendado para esta terça-feira, 19 de outubro.

Ganho econômico

A expectativa é grande, dado o potencial do projeto de Niemeyer. Especialista nas obras do arquiteto brasileiro, o professor Carlos Oliveira Santos, doutor em ciências políticas pela Universidade Nova de Lisboa e autor do livro “Um Niemeyer é sempre um Niemeyer”, que está sendo lançado, diz que são grandes as chances de o empreendimento, enfim, se tornar realidade. Para ele, está provado que, além da riqueza da arquitetura do brasileiro, autor de obras de arte como Brasília, há o ganho econômico, por movimentar o turismo.

“Oxalá, agora essa obra se concretize, porque todos sabem que um Niemeyer é um capital garantido de renovação de áreas urbanas e de atração de uma nova vida criativa e salutar para as cidades”, ressalta Oliveira. Ele lembra que esse será o primeiro empreendimento de Niemeyer no que se define como Portugal continental, pois há um conjunto de três edifícios, com hotel, casino e auditório em Funchal, na Ilha da Madeira, cujo projeto foi desenvolvido por Niemeyer em 1966, quando ele estava exilado em Paris. “Ter um Niemeyer, dar-lhe vida cultural e social é, sem dúvida, uma importante riqueza humana”, frisa.

O especialista acrescenta que um projeto de Oscar Niemeyer, como se provou inúmeras vezes, especialmente em Niterói (Rio de Janeiro) e em Avilés (Astúrias, Espanha), representa um urbanismo renovado. E chama a atenção para obras que continuaram sendo executadas mesmo depois da morte do arquiteto, há 10 anos. Um dos exemplos mais marcantes é um restaurante em Leipzig, Alemanha, construído num galpão industrial. Outro é um pavilhão dentro de uma vinícola encravada na cidade francesa de Aix-en-Provence. Esse foi o último projeto desenhado pelo brasileiro antes de morrer.

ENTREVISTA/ Carlos Oliveira Santos, doutor em ciências políticas pela Universidade Nova de Lisboa

De onde vem seu interesse por Oscar Niemeyer? Por que escrever um livro sobre o arquiteto?

Em 1986, eu era diretor criativo de uma empresa do grupo econômico português Sonae e coordenei duas equipes que se deslocaram à Madeira para fazer o branding de dois hotéis. Um deles, o Casino Park Hotel, tinha sido criado em 1966 por Niemeyer, quando ele estava exilado em Paris. No Funchal, capital da Ilha da Madeira, quando subi a Colina da Vigia, a pé, pela primeira vez, fiquei surpreendido com toda aquela beleza e singularidade. Senti que era um patrimônio único da arquitetura moderna em Portugal e, à medida que fui investigando a sua história, mais surpreendido ficava. Ao projeto de Niemeyer, juntaram-se outras grandes figuras criativas, como o seu amigo arquiteto Viana de Lima, também amigo de Le Corbusier, e o maior designer português do século 20, Daciano da Costa, para além de um notável conjunto de artistas abstracionistas portugueses, com inúmeros quadros e esculturas. Tudo rodeado por um jardim luxuriante, diante do vasto oceano. Isto precisa de uma história, pensei logo eu. Assim, o meu interesse por Niemeyer, julgo que, no essencial, vem do desejo de nos aproximarmos da autêntica grandeza criativa e humana.

E como foi esse processo?

Durante a pesquisa, fui visitando outras obras de Niemeyer e encontrei-me várias vezes com Oscar, no seu atelier de Copacabana e na sua Casa das Canoas. Encontros maravilhosos. Em 2001, publicou-se o meu primeiro livro sobre o assunto, O nosso Niemeyer, reeditado em 2007, quando ele fez 100 anos. Nesse mesmo ano, organizei um concurso internacional de fotografia sobre a obra dele pelo mundo. Foram 1.100 fotos mostrando Niemeyeres do Líbano à Inglaterra, da França à Itália, de Portugal ao Brasil, claro. Isso deu um novo livro, Olhar Niemeyer, com a participação de Álvaro Siza, publicado em 2009. Agora, lembrando os 10 anos da morte do arquiteto, volto com este livro, Um Niemeyer é sempre um Niemeyer, que aborda de novo o projeto para o Funchal, de 1966, mas com muitos aspetos inéditos e a participação de Álvaro Siza, de Santiago Calatrava, com um longo poema visual inédito sobre a obra de Oscar, de Paulo Niemeyer, seu bisneto, arquiteto que chegou a trabalhar com ele uns 16 anos, e ainda com uma foto impressionante da artista brasileira Paula Klien, a última que foi feita de Oscar antes dele morrer. Por isso, o considero um novo livro e não uma reedição.

O que representa a obra de Niemeyer para a arquitetura?

Creio que outros responderão bem melhor do que eu, mas tornou-se evidente a contribuição decisiva dele para libertar o modernismo dos limites racionalistas que se iam impondo. Como disse Zaha Hadid, Oscar "era um virtuoso do espaço… Tinha um talento inato para a sensualidade", e usou-o sempre de forma singular e magnífica. Ainda há pouco se inaugurou a sua esfera numa fábrica em Leipzig, na Alemanha, que ele concebeu já com 104 anos, e que, de imediato, renovou uma velha zona industrial e tem atraído a atenção do mundo. Os meus livros sobre a obra de Niemeyer para Portugal eram obrigatórios. O meu país não poderia dispor de um patrimônio desta envergadura e não lhe dar a atenção devida.

Há o devido reconhecimento do arquiteto no mundo?

Ignorância sempre haverá na raça humana, mas a contribuição de Niemeyer resiste à ignorância e ao esquecimento. Qualquer pessoa que ame a criatividade e a beleza, ama e continuará a amar Niemeyer.

As novas gerações têm a dimensão da importância de Niemeyer para a arquitetura?

Se você consultar plataformas de comunidades criativas, como a Archdaily ou a Dezeen, verá constantes novas referências a Niemeyer, como se ele continuasse vivo e interventivo.

Quais projetos do arquiteto o senhor lista como referências?

Os que o mundo lista: a Pampulha, a Catedral de Brasília e todas as maravilhas de Brasília, a sua Casa das Canoas, o pavilhão do Brasil para a Feira Mundial de 1939, com Lucio Costa, a sede da ONU, a sede da Bienal de Ibirapuera, o Museu de Niterói, a sede do Partido Comunista, em Paris, e muitos mais.

Niemeyer morreu há 10 anos, mas há vários projetos dele em execução pelo mundo. Quais o senhor poderia listar?

São imensos e não param: a finalização do conjunto de Avilés, na Espanha; a referida esfera de Leipzig, uma bem recente adega na Provence, França... No Brasil, são vários: a continuação do Caminho Niemeyer, em Niterói; as torres e o centro da Fundação Getúlio Vargas, no Rio; a Torre de TV Digital de Brasília; o novo Tribunal de Contas de Roraima. Mesmo as suas obras que estavam abandonadas, como o Hotel Nacional, em São Conrado, continuam a ser objeto de renovação e de atenção. É um enorme potencial criativo ainda vivo.

Quem são hoje os sucessores de Niemeyer? Por quê?

Não se pode falar em sucessores. Niemeyer sempre incentivou a singularidade dos outros, sem procurar discípulos. Muitos dos grandes da arquitetura o amam, pela atitude criativa, pela busca de formas inesperadas e singulares, como Siza, Calatrava, Hadid (já falecida), Toyo Ito, Kazuyo Sejima e muitos outros — e fazem bem.

Há chances de o seu livro ser lançado no Brasil?

Espero que sim. Creio que o Instituto Niemeyer está fazendo esforços para que haja uma edição brasileira. Seria uma alegria. Eu irei em breve ao Brasil e estarei disponível, no mínimo, para falar sobre esse livro e, com ele, sobre a obra e a pessoa de Niemeyer.

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  •  2022. Livro ?Um Niemeyer é sempre um Niemeyer ?, de autoria do professor Carlos Oliveira Santos
    2022. Livro ?Um Niemeyer é sempre um Niemeyer ?, de autoria do professor Carlos Oliveira Santos Foto: Arquivo Pessoal
  • Traços do arquiteto para a obra em Lisboa
    Traços do arquiteto para a obra em Lisboa Foto: Instituto Niemeyer
  •  2022. Professor Carlos Oliveira Santos, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Nova de Lisboa , Autor de livros sobre Oscar Niemeyer.
    2022. Professor Carlos Oliveira Santos, doutor em Ciências Políticas pela Universidade Nova de Lisboa , Autor de livros sobre Oscar Niemeyer. Foto: Arquivo Pessoal
  • Projeto de Oscar Niemeyer de 1991 para Lisboa que deve ser retomado
    Projeto de Oscar Niemeyer de 1991 para Lisboa que deve ser retomado Foto: Fotos: Instituto Niemeyer/Divulgação - Arquivo Pessoal
  • Credito: Ricardo Fasanello/Divulgacao. Exposição
    Credito: Ricardo Fasanello/Divulgacao. Exposição "Oscar Niemeyer - Territórios da Criação". Foto: Ricardo Fasanello/Divulgacao
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