MEMÓRIA

Exposição apresenta momentos históricos do rap do Distrito Federal

‘Peso - Caminhos do rap’, realizada pelo cientista social e jornalista Thiago Flores, conta a história do movimento a partir de novas perspectivas

Exposição traz fotos que contam a história no gênero no DF -  (crédito: Ivan Lacombe/Divulgação)
Exposição traz fotos que contam a história no gênero no DF - (crédito: Ivan Lacombe/Divulgação)
postado em 17/01/2024 17:38

A alcunha de capital do rock permitiu a Brasília alçar grandes vôos na cena cultural do Brasil. Nomes como Legião Urbana, Capital Inicial, Cássia Eller e Raimundos são exemplos de como a cidade se tornou influente nesse meio. No entanto, essa valência ofusca outra grande identidade cultural do Distrito Federal: o hip hop e o rap. Consequentemente, existem muitas lacunas na documentação histórica do movimento.

Uma pesquisa realizada pelo cientista social e jornalista Thiago Flores, com co-autoria de Heitor Valente, busca organizar um espaço com diferentes posicionamentos e narrativas sobre a história da cultura hip hop em Brasília. Intitulada Peso — Caminhos do rap, em referência à gíria que pode significar tanto um substantivo (“vamos ouvir um peso”), quanto um adjetivo (“aquele som é peso”), a pesquisa é uma homenagem aos pioneiros do rap no DF.

A história de Thiago Flores com a cultura hip-hop surge da relação dele de fã. “Desde muito novo, consumo e admiro as manifestações do movimento, especialmente o rap”, relata o jornalista. “De alguma forma, o hip-hop, tanto pela parte estética quanto ideológica, conduziu meus interesses pessoais e minhas inclinações profissionais. Já adulto, cientista social e jornalista, passei a trabalhar com elaboração e gestão de projetos culturais, com ênfase nas linguagens do hip-hop”, relata Thiago.

Flores produziu DVDs de bandas de rap, turnês, festivais de graffiti e exposições. Durante esse período, ele percebeu que a maior lacuna do movimento cultural era a documentação histórica. “A sistematização dos registros e do conhecimento acumulado sobre a cena é deficitária e foi nessa fissura que inseri os esforços da pesquisa", afirma.

A investigação do jornalista foi publicada em 2023, ano em que o rap completou 50 anos de história. Na terça-feira (9/1), o trabalho acadêmico virou exposição na Ceilândia, um dos berços da cultura na capital do país. A inauguração ocorreu na Galeria Risofloras, na Ceilândia Norte, e estará disponível para visitação até 9 de fevereiro.

Em 2018, um ano depois de ter recebido o financiamento para a fazer a pesquisa, Flores e Ivan Lacombe, um dos parceiros da pesquisa, enviaram o projeto de exposição para o Fundo de Apoio à Cultura (FAC/DF). “Levar esse material à Ceilândia e ao Jovem de Expressão é uma forma de agradecer à periferia, aos artistas ceilandenses e ao movimento hip-hop local pela dedicação incansável à construção da nossa cena”, afirma o pesquisador. “É essencial criar formas para que os verdadeiros fazedores da cultura — quem cria e dá sentido ao que é consumido — se apropriem do conhecimento, da arte e dos valores que eles mesmos produzem.”

De acordo com o pesquisador, o nome Peso, de forma objetiva, faz referência às frequências graves, características do rap brasiliense. “A própria trajetória do rap da capital é complexa, explosiva, marcada por glórias, mas também por conflitos, desentendimentos importantes e fracassos”, conta Thiago. “A origem do movimento vem da revolta, da insatisfação, do protesto. Todos esses componentes conferem uma carga, um peso à história do gênero.”

Os trabalhos relacionados à pesquisa foram iniciados em 2018 e, até a publicação, Thiago Flores devorou livros, entrevistas, podcasts e documentários não só sobre a cena do rap em Brasília, mas também sobre o hip-hop no país e no mundo. Além de toda a pesquisa prévia, Flores realizou mais de 40 entrevistas com pessoas envolvidas no movimento, o que inclui rappers pioneiros e da nova geração, DJs, produtores culturais e entusiastas.

Flores relata que, em todas as etapas, realizar a pesquisa foi algo desafiador e pedagógico. “O estudo trata de uma realidade muito complexa, com incontáveis personagens e visões sobre os fatos muitas vezes conflitantes”, afirma o pesquisador. “Aceitar isso e o fato de que seria impossível citar todas as pessoas, eventos e obras relevantes, por mais que me esforçasse, sempre foram desafios para mim.”

O projeto de Thiago recebeu apoio do Fundo de Apoio à Cultura da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF (FAC/DF). Devido à impossibilidade de se produzir um livro físico do trabalho e com a intenção de aumentar o alcance para mais pessoas, a pesquisa pode ser acessada no site oficial do projeto, onde, além disso, estão disponíveis as entrevistas realizadas.

Em contato com esse turbilhão de informação desde então, Thiago Flores diz que o DF é um pólo fundamental para o hip-hop brasileiro e que essa foi a constatação mais importante da pesquisa. “Em primeiro lugar, pioneiro. Me atendo ao rap, objeto dos meus trabalhos, o Distrito Federal ocupou posição protagonista no início de tudo: primeiras gravações, primeiros hits, primeiras gravadoras, estruturas de mercado. Ao lado de São Paulo, nunca atrás”, constata o pesquisador.

Flores cita os exemplos das gravadoras independentes e dos selos fonográficos de propriedade do artista, como a Discovery, a maior gravadora de rap independente do país, fundada nos anos 1990, e a Só Balanço, selo do GOG. O rapper foi o primeiro artista a ter um negócio desse tipo no Brasil.

Em segundo plano, o pesquisador atribui a originalidade como um dos fatores chave do pioneirismo da capital nesse segmento. “O modo que as coisas eram e são feitas aqui influenciaram o Brasil inteiro e continuam a gerar impacto nas produções de rap brasileiras”, afirma Thiago Flores. “DJ Raffa Santoro e DJ Jamaika conseguiram explorar o grave de um jeito que o Brasil não conhecia, e isso definiu os caminhos na cena nacional. Décadas depois, Tribo da Periferia e Hungria ressignificaram essa herança e impactaram o país novamente.”

Apesar de toda a grandeza da história do rap candango, ela é sub documentada. Enquanto a trajetória do rock de Brasília contou com muitas pessoas com acesso a câmeras, gravadores, conhecimento e veículos de comunicação, o hip hop se viu marginalizado, muitas vezes atribuído à malandragem e à criminalidade. As raças predominantes em cada estilo musical não são coincidências.

Flores explica que por se tratar de um movimento composto por pessoas negras e periféricas, eram poucos os que tinham instrumentos e conexões para registrar e divulgar o que estava sendo feito no rap. “Do nascimento da cultura até a primeira década dos anos 2000, o rap e o hip-hop ainda viviam sob a mira do preconceito, de falsos estereótipos e de um desinteresse ou má vontade da mídia em registrar e divulgar as produções da cultura.”

Peso é um dos poucos estudos que se dedicam a elaborar um panorama que apresenta diferentes perspectivas sobre os processos históricos do hip-hop, sobre as influências socioculturais, os pontos de inflexão e os caminhos futuros. “A maioria dos trabalhos realiza recortes específicos sobre o tema, como análises das letras de determinado artista ou investigações de gênero, ou apresentam visões individuais da trajetória histórica do rap/hip-hop”, exemplifica Thiago.

Thiago e equipe acreditam que a pesquisa, amparada pela exposição na Galeria Risofloras, na Ceilândia Norte, pode contribuir para mais iniciativas em defesa do rap. A exposição foi inaugurada na terça-feira (9/1) e contou com a presença de três nomes fundamentais para o rap do DF: X, Japão e GOG, além de grande público para uma terça-feira à noite.

*Estagiário sob supervisão de

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