Uma investigação sobre a história do país a partir de um ponto de vista crítico que envolve até o iluminismo serviu de base para a artista Polyanna Morgana criar as obras de Brazil. Razilb. Brazil, em cartaz na Galeria Trama, da Fundação Athos Bulcão. O título foi extraído de uma publicação de Rafael Bordalo Pinheiro, autor português pioneiro das histórias em quadrinhos que, em 1872, esteve no Brasil e produziu um material sobre Dom Pedro II.
Polyanna quis jogar foco nas contradições do Brasil ao criar as séries de cartazes e desenhos da exposição. O Dom Pedro descrito por Bordalo forneceu o fio da meada — afinal, o imperador se considerava um pacifista, mas fez a Guerra do Paraguai, era contra a escravidão mas não assinou a Lei Áurea e se apresentava como democrata apesar de ter reinado por mais de 40 anos —, mas artista também bebeu nas ideias de colonialidade defendidas por autores latinoamericanos como Aníbal Quijano e no iluminismo que enaltecia o progresso sem associá-lo às riquezas extraídas das colônias. "É sobre o apagamento", avisa Polyanna. "A história da modernidade é contada apagando a contribuição do sul global. Uma parte do iluminismo apagou outros tipos de saberes, como os das populações autóctones. Por uma questão de poder, esses saberes foram ocultados."
Em uma das narrativas criadas pela artista em desenhos e cartazes, Dom Pedro II é um dos convidados no jantar final do romance Candide, de Voltaire, um dos nomes emblemáticos do iluminismo. Na cena, um grupo de reis decadentes lamenta a perda de poder e simboliza o nascimento de uma nova perspectiva pós-absolutista. Em outra série de impressos intitulada O pantone do comunismo, é a ditadura que Polyanna visa ao comentar um livro do militar Ferdinando de Carvalho, que decidiu categorizar os comunistas de acordo com um espectro de cores que vai de rosa claro e vermelho sangue.
O guerrilheiro Carlos Marighella também aparece em alguns cartazes nos quais a artista, ainda sob o impacto do poder das fakes news e do impeachment de Dilma Rousseff em 2016, reflete sobre a construção de narrativas. "Eu estava bastante afetada por essa coisa das fake news que levam as pessoas a aceitarem um discurso que vai na contramão da experiência direta", conta.
O mundo da edição é outro universo abordado nos trabalhos. O Brasil pode não ser um país de leitores, mas grandes editores atuaram para que obras indispensáveis estivessem presentes e disponíveis em livrarias e bibliotecas. Enio Silveira é um dos que aparece nos desenhos, que trazem ainda um lugar reservado a mulheres como Nísia Floresta, militante dos direitos das mulheres no Brasil do século 19, e Maria Firmino dos Reis, escritora negra e autora do primeiro romance abolicionista brasileiro. "Essas obras foram construídas a partir desse jogo de narrativas e imagens que extraí dessas referências", garante Polyanna.
Serviço
Brazil. Razilb. Brazil
Exposição de Polyanna Morgana. Curadoria: Marília Panitz. Visitação até 25 de março, de segunda a sexta, das 9h às 18h, e sábado, das 9h às 14h, na Galeria Trama, na Fundação Athos Bulcão (W3 Sul, CRS 510, Bloco B, Loja 51)
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