Música

Show no Sesc de São Paulo homenageia o compositor Paulo Vanzolini

Centenário do compositor, que era zoólogo de formação, é comemorado com show no Sesc Santana de São Paulo

Show em homenagem a Paulo Vanzolini: participações especiais de Eduardo Gudin, Mônica Salmaso e Roberta Oliveira -  (crédito: Daniel Kersys/Acervo do Violão Brasileiro)
Show em homenagem a Paulo Vanzolini: participações especiais de Eduardo Gudin, Mônica Salmaso e Roberta Oliveira - (crédito: Daniel Kersys/Acervo do Violão Brasileiro)

O país passou batido e desperdiçou uma boa oportunidade para lembrar, celebrar e fazer conhecer o talento de um peculiar artista, que produziu, nas suas horas vagas — seu ofício era outro —, uma vasta obra, com um repertório de canções de muitas dimensões. Paulo Vanzolini, zoólogo de formação, faria 100 anos na última quarta-feira.

O Correio acompanhou uma das poucas iniciativas de jogar luz na extensa produção do compositor, no belo Vanzolini 100 anos: sacode a poeira, realizado no Sesc Santana, em São Paulo, na semana passada. No palco, para lembrar suas canções líricas, de desfecho trágico também, a boemia e a noite da capital paulista ao bucólico do interior juntaram nomes representativos, como o cantor e compositor Eduardo Gudin, que foi parceiro do homenageado e a voz consagrada de Mônica Salmaso. E um grupo de músicos escolhidos igualmente a dedo, que passarão por esse texto.

Permearam as canções, boas histórias reveladas especialmente por Gudin, que conviveu de perto com o zoólogo, que não gostava de ser importunado quando estava lecionando na USP. Gudin, muito carinhosamente, contou da transição do "médico para o monstro", que se dava após o expediente da labuta docente, quando Vanzolini trocava o "jaleco empoeirado de giz" por um terno. O passo seguinte era abrir um armário, tirar uma garrafa de aguardente e bebericar um gole para começar a noite.

Gudin conta como compôs com o parceiro a canção Mente, gravada por Clara Nunes. Precisou interromper Vanzolini no trabalho. Temeroso, ligou e já foi logo avisando, para não levar uma bronca, que a cantora renomada estava interessada em gravar, mas era preciso acrescentar um trecho na letra.

"Ter citado a Clara Nunes me poupou de levar um pito. Ela me pediu para ligar em cinco minutos. Aguardei 15, foi mais prudente", contou Gudin no palco. E deu certo "apelar" à cantora, foi atendido no pedido.

Sucesso de tocar em rádio, Vanzolini fez duas, que são Ronda e Volta por cima. Injusto resumir a excelência do compositor a essas duas obras. Há muito mais, que pode ser conhecido na antológica caixa de quatro CDs, Acerto de contas, que reúne 52 canções com vários intérpretes.

Um trecho desses clássicos, que é parte de um muito difundido refrão, batiza o espetáculo. No show, é exibida uma saborosa declaração para este "levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima", versos que de forma surrada e recorrente são tratados como uma mensagem para as pessoas reagirem a situações adversas da vida. O autor jamais teve essa intenção, é o que conta.

"Eu fiz Volta por cima como se faz um samba. E foi interpretado aí como se fosse uma espécie de psicoterapia. Então, eu recebo cartas de pessoas me falando que essa música mudou a vida delas. Isso é pavoroso para mim. Eu não sou psiquiatra. Sou zoólogo e sambista. E negócio de Volta por cima não foi feito pra tratar ninguém", diz depoimento de Vanzollini em uma entrevista,  exibida no show.

A cantora Roberta Oliveira, que dividiu o palco com Mônica, já esteve no mesmo ambiente que Vanzolini, num bar onde cantava. O autor a viu cantar Mente e contou a experiência desse encontro.

"Depois que terminei de cantar, ansiosa, ele bateu uma palma tímida, com os pulsos juntos. Aquela palminha curta. E disse para mim: 'nossa, o Vanzolini não gostou'. E saí. Alguém que estava com ele foi atrás de mim e disse o contrário, que ele gostou muito. Mas, perguntei: 'e aquelas palminhas'?. E ouvi: 'é o máximo que ele consegue'".

Idealizador e diretor artístico do show, o jornalista e produtor Alessandro Soares fala dessa diversidade da obra de Vanzolini, o lado das histórias urbanas, do lírico e dos versos de amor e do cronista social, mas também o lado trágico e dramático de suas letras. A boemia, os bares e até do uso do humor são outras presenças.

"Paulo Vanzolini tem uma obra muito rica e diversa. Tem aquele final trágico de Ronda ('cena de sangue num bar na avenida São João'). Tem a canção José, do homem que morreu de saudade, que tem um lado engraçado. O lado afetivo é muito presente no trabalho dele", disse Soares ao Correio.

O diretor fala do caráter urbano e também rural da criação de Vanzolini. A que mais remete ao universo do interior é a conhecida Cuitelinho, tema recolhido por Antônio Carlos Xandó e que Vanzolini adicionou versos. Mônica Salmaso a entoa no show, num arranjo de harmônicos para dois violões de Paulo Aragão, tocado por ele e Carlos Chaves, integrantes do quarteto Maogani.

"Essa canção, Cuitelinho, é diretamente uma música caipira, com aqueles versos de linguajar interiorano na fala e grafia, no final das estrofes. Os casos do 'atrapaia', 'navaia' e 'espaia'".

Também participaram do show as percussionistas Gisah Silva e Simone Gonçalves, o violonista Guilherme Lamas (7 cordas) e o flautista Leandro Tigrão.

 


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postado em 30/04/2024 10:54 / atualizado em 01/05/2024 21:33
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