
Cantora, compositora e violonista, Rosa Passos espalha talento em todas as funções que desempenha enquanto musicista, desde que iniciou a trajetória artística, há 50 anos, quando ainda morava em Salvador (BA), onde nasceu. Mas foi ao se radicar em Brasília, em meados da década de 1970, que a carreira floresceu, após começar a se apresentar em casas noturnas.
O Brasil veio a descobrir Rosa um ano depois, quando ela lançou Recriação, o álbum de estreia, recebido com elogios pela crítica especializada. De lá para cá, ela construiu uma vasta discografia, de 25 títulos, incluindo os que reverenciam mestres da MPB como Ary Barroso, Djavan, João Bosco e os conterrâneos Dorival Caymmi e Gilberto Gil.
Com trabalho reconhecido no exterior, Rosa se apresentou nos Estados Unidos, países da Europa e Japão. Suas interpretações únicas e a habilidade, enquanto instrumentista, que une técnica e emoção, a levaram a ser agraciada com o título de Doutora Honoris Causa pela Berklee College of Music, de Boston (EUA), uma das mais prestigiosas instituições de ensino musical do mundo. Essa artista icônica voltará a ser homenageada em 9 de junho próximo, quando receberá o Troféu Tradições, atribuído pela União Brasileira de Compositores (UBC), em cerimônia no auditório localizado no centro do Rio de Janeiro.
Durante o evento, Rosa fará um recital no qual interpretará composições autorais e clássicos bossa nova e de compositores que tiveram músicas brilhantemente gravadas por ela. Ao tomar conhecimento da homenagem, ela afirmou: “Recebo essa distinção com grande alegria, vinda de uma casa que congrega aqueles que se dedicam ao sagrado ofício da música. Para mim, tem um brilho e um significado especiais”. Ela acrescentou: “Cantar e compor canções representa a tradição da essência mais pura do que sou”.
Marcelo Castelo Branco, diretor executivo da UBC, destaca a importância da artista: “Rosa Passos tem uma trajetória digna de grandes estrelas. É um dos talentos brasileiros reconhecidos no exterior, com seu estilo único e sua voz encantadora. Para a UBC, é uma honra ter Rosinha como uma das titulares mais ilustres e reverenciar seu talento com o Prêmio Tradições”.
No entendimento de Fernanda Takai, cantora, compositora multi-instrumentista e diretora da UBC, Rosa Passos tem aconchego na voz. “Ela é uma cantora de afinação impecável, que escolhe seu repertório com sabedoria. Como se não bastasse, ainda compõe e toca um violão magistral. Rosinha, somos todos apaixonados por você.” Para Paula Lima, que também integra a diretoria da instituição, a escolha de Rosa para ser homenageada na quinta edição do prêmio “simboliza perfeitamente a proposta desse evento celebratório”.
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Entrevista // Rosa Passos
Qual avaliação faz dos 50 anos de carreira?
É uma sensação de gratidão profunda. Foram décadas de muito estudo, dedicação e, acima de tudo, amor à música. Eu não esperava chegar tão longe, mas fui sendo levada pela música como quem segue um rio, com muita entrega. Sinto que minha trajetória é marcada pela coerência, pelo respeito às minhas raízes e pelo compromisso com a delicadeza.
Em que medida João Gilberto, sua principal referência, influenciou o trabalho que você tem desenvolvido?
João foi e sempre será meu farol. Quando o ouvi pela primeira vez, ainda menina, algo em mim despertou. O jeito dele tocar, cantar, respirar… Tudo foi escola. Ele me ensinou que menos é mais, que a música precisa de espaço para respirar. Eu bebo dessa fonte até hoje.
Receber elogios de João Gilberto, Caetano Veloso e outros grandes nomes da MPB tem que importância para você?
Muita. Não pelo ego, mas porque são artistas que sempre admirei profundamente. Ter o reconhecimento de pessoas que ajudaram a moldar a música brasileira é como receber um abraço da própria história da MPB.
Que representatividade tem, no seu ponto de vista, o Troféu Tradições da União Brasileira de Compositores?
É uma honra, claro. Esse troféu tem um significado especial porque celebra quem se mantém fiel às raízes, sem deixar de dialogar com o presente. Fico muito tocada de saber que meu trabalho é visto como parte desse legado.
Como avalia seu trabalho de compositora?
Eu sou uma intérprete que compõe. Sempre tive um respeito enorme pela canção. Quando componho, coloco meu coração inteiro.
No seu entendimento, quem ouve sua interpretação a considera uma bossanovista ou uma jazzista?
Acho que sou um pouco dos dois. A bossa nova é meu alicerce, mas o jazz me abriu caminhos de improviso, liberdade. Os dois estilos dialogam dentro de mim. Eu costumo dizer que sou uma brasileira que canta com alma jazzística.
Prefere ser vista como intérprete ou criadora de canções?
Gosto de ser vista como as duas coisas, porque ambas fazem parte de quem eu sou, artisticamente. Como intérprete, me realizo ao dar vida a obras de outros compositores, mergulhando nas emoções e nuances de cada canção. Mas como compositora, consigo traduzir minhas próprias vivências e sentimentos em música — é algo muito íntimo, muito meu. Então, uma coisa alimenta a outra. Sou uma intérprete que compõe e uma compositora que interpreta com o coração.
Entre os tantos discos que gravou, há os que têm sua preferência? Por quê?
Sim. Entre Amigos, com Ron Carter, de 2000, e o de 2002, em que homenageio Djavan, João Bosco e Gilberto Gil. O Rosa, de 2006, foi um marco porque me reconectei com minha essência. É Luxo Só, de 2011, em homenagem a Elizeth Cardoso, e Amorosa, que gravei nos Estados Unidos, foi um tributo direto a João Gilberto. Cada disco tem sua alma, mas esses me tocam de maneira especial.
Vê sua obra bem avaliada pela crítica musical?
Sim, e isso me deixa muito feliz. Sempre procurei fazer um trabalho honesto, sem modismos, e a crítica percebe esse cuidado. Não sou de grandes exposições, mas sei que meu trabalho tem um lugar especial no coração de quem realmente ouve.
A quais continentes e países levou seu trabalho?
Já cantei nas Américas, na Europa, na Ásia… mais de 40 países. A Europa e os Estados Unidos me acolheram com muito carinho, especialmente o público do jazz. Mas também estive no Japão e outras partes da Ásia… A música brasileira é muito amada lá fora.
Onde, na sua visão, ele foi mais bem acolhido?
Nos Estados Unidos e Europa. O público europeu é muito culto, muito sensível aos detalhes. E os americanos têm uma grande paixão pelo Brasil e pelo jazz, então encontraram em mim essa ponte.
O aval de João Gilberto, Caetano Veloso e outros grandes nomes da MPB tem que importância para você?
É um presente. Esses mestres foram formadores do meu ouvido. Saber que eles escutam e reconhecem o meu trabalho é como um selo de qualidade que carrego com muito respeito.
Está desenvolvendo algum projeto atualmente?
Por agora sigo com a turnê de Suíte Brasileira.
O que ouve, atualmente, na cena musical brasileira lhe desperta algum tipo de interesse?
Sim, há muita gente nova fazendo coisas lindas. Eu gosto de ouvir artistas que têm uma escuta atenta ao passado, mas que trazem algo de novo. Gosto da Vanessa Moreno, por exemplo, e do trabalho espetacular do Hamilton de Holanda.
Há algum compositor e intérprete que lhe tem despertado interesse?
Gosto muito do Jorge Vercilo. Ele tem um compromisso com a beleza, com o lirismo, que admiro. E como disse: adoro as composições de Hamilton de Holanda.
Como tem sido a turnê do show Suíte Brasileira que vem fazendo pelo país?
Tem sido uma bênção. Cada cidade tem me recebido com tanto carinho… É um show muito especial, porque revisita a tradição da música brasileira com novos olhares. Estou muito emocionada com a resposta do público.
Pretende levá-la para outros continentes?
Sim, queremos levá-la para a Europa e para os Estados Unidos no ano que vem. Já estamos em conversas com algumas casas e festivais. Vai ser bonito mostrar essa “suíte” do Brasil para o mundo.
Quando o fará em Brasília?
Estamos estudando datas, e é muito possível que aconteça no início de agosto. Tenho um carinho imenso pelo público da capital, sempre muito caloroso e receptivo comigo.
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