
Com a modéstia da infância humilde em Barreiras (Bahia) e a desenvoltura única que o permitiu contribuir no cenário musical da capital brasileira, o repórter Irlam Rocha Lima celebra as bodas de ouro no jornalismo. Sob o título de Artes em festa — 50 anos de reportagem cultural, uma publicação a ser lançada nesta segunda-feira (23/6), às 19h, no Beirute (109 Sul), marca a data. O livro vem uma década depois de Minha trilha sonora, primeira incursão literária do brasiliense honorário. Com direito a ilustrações de Kleber Sales (outro integrante da equipe do Correio), o livro tem conteúdo sintetizado por Irlam: “Ele reúne artigos que eu escrevi na página de Opinião, durante vários anos, e passaram agora pela edição de Clara Arreguy, que selecionou 50 desses textos considerados por ela como mais representativos da minha trajetória”.
“Coincidentemente à celebração dos 50 anos de Correio, serei agraciado com troféu, no oitavo Prêmio Profissionais da Música (evento entre os dias 26 e 29 de junho). Não sou só eu”, pontua o colunista, com um quê de acabrunhado. A cantora Alaíde Costa e o vanguardista compositor (in memoriam) Itamar Assumpção, junto com Reco do Bandolim, presidente do Clube do Choro, estão no seleto grupo de honrarias que, no passado, alcançaram personalidades como Roberto Menescal e Fernando Brant. Uma sessão solene na Câmara Legislativa do DF (na manhã do dia 26 de junho) será complementada por etapa musical no Clube do Choro (no mesmo dia, às 19h30, com performance surpresa de convidado).
Numa conversa com o prestigiado Irlam Rocha Lima, que mantém, no Correio, o blog Trilha Sonora e a coluna Sons da Noite, é possível detectar que apuro pela música de Tom Jobim, a quem entrevistou no Alto Leblon, e ainda a empolgante viagem por Liverpool, vestido na pele de fã incondicional dos Beatles. Entre risos, ele confessa que o desafio representado pelos aspectos tecnológicos incorporados ao jornalismo. “Pelo menos, um básico do básico, eu tenho e utilizo. Mas, poderia ter desenvolvido um pouco essa habilidade, mas com o que sei, eu ainda consigo me virar bem”, diverte-se. Singeleza, para quem traz no currículo o desbravamento de muitas frentes de conhecimento. “Certamente, eu fui a primeira pessoa a escrever, no Correio, sobre artistas como Renato Russo, Dinho Ouro Preto, Cássia Eller, Zélia Duncan, Rosa Passos e Hamilton de Holanda”, conta, entre interminável experiência.
Como você chegou ao jornalismo e à equipe de cultura do Correio?
Ao prestar vestibular para a UnB, em 1968, optei pelo curso de letras. Talvez fosse a porta mais larga para chegar à universidade. Na época, jornalismo era extensão de letras, e fiz a transferência. A partir dali, o jornalismo tomou parte da minha vida, comecei minha trajetória em 1973. Fazia estágio no jornal Diário de Brasília, quando assumi vaga em concurso para o governo local. Trabalhei no Palácio do Buriti. Lá, conheci José Natal, que era editor de esportes do Correio, e como conhecedor do meu trabalho, me convidou para o jornal. Fiquei por três anos na editoria de Esportes, quando o Oliveira Bastos (diretor de Redação), um intelectual, me disse para ir para cultura. Ainda em esportes, ia a todos os grandes shows, e, tendo a lacuna desta cobertura, me candidatei, e passei a escrever. O primeiro show que cobri foi o dos Doces Bárbaros, com a reunião de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Bethânia — foi na chamada Piscina Coberta (atual ginásio Cláudio Coutinho). Cobri shows muito importantes, como os do Gilberto Gil e da Rita Lee, no ginásio do Colégio Marista. Dali, a coisa deslanchou. Cobri todos os grandes shows que vieram para Brasília. Escrevia sobre, antes, e depois assistia para fazer a cobertura. O último visto foi bem recente, o do Ney Matogrosso.
Nos despedimos de uma fase áurea da MPB, não? Existe possibilidade de uma perpetuação? Como vê o painel da música contemporânea de hoje?
Convivemos com a geração de ouro da música brasileira, na época dos festivais, quando do surgimento de artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Rita Lee,Tom Zé, Paulinho da Viola e Chico Buarque. Essa geração de ouro despontou na década de 1960. Boa parte deles originários dos grandes festivais que a TV Record promovia. Eu assistia àquilo com ávido interesse. Boa parte do que vejo na música brasileira, hoje, não me agrada tanto. Pode parecer preconceito, mas é questão de gosto. Tenho pouco interesse por funk, quase que nenhum pela sertaneja comercial. Respeito a música sertaneja feita por artistas como Chitãozinho e Xororó, a quem assisti, recentemente, no Prêmio da Música Brasileira (no RJ). Respeito Zezé Di Camargo e Luciano, Ana Castela. Obviamente, há a sertaneja raiz de Renato Teixeira, de Almir Sater, que é do meu agrado. Não tenho interesse grande por hip-hop e por funk. Agora, gosto muito de choro, a música instrumental brasileira mais representativa. Vem do choro quem é considerado o pai da música brasileira: Pixinguinha. A partir dele, as coisas aconteceram na música brasileira. Vieram depois a Bossa Nova com João Gilberto, um gigante da música, e posteriormente a Tropicália, numa página importante da música brasileira. Ultimamente, aprecio demais a música da Marisa Monte, que é uma grande intérprete e foge completamente desse aspecto comercial.
Quais são teus shows inesquecíveis?
São muitos shows para eleger. Considero, por exemplo, o grande show, o dos Doces Bárbaros aqui em Brasília. Outro, imenso, foi no Rock in Rio, o histórico de 1985. Lá, vi o Ney Matogrosso se apresentando acompanhado, veja a curiosidade, por uma banda de Brasília chamada Placa Luminosa; ele fazia show no Rio e, na mesma época, abriu o Rock in Rio. Eu me emocionei muito no Rock in Rio, particularmente com o show do Cazuza. O país saia da ditadura e chegava à democracia: Cazuza abriu o show cantando Pro dia nascer feliz. Aquilo ali para mim foi um marco. O primeiro show da Rita Lee aqui no ginásio do Colégio Marista, mesmo local em que Gilberto Gil se apresentou, acompanhado pelo grande acordeonista Dominguinhos, que era o principal discípulo de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Recentemente, outro show me chamou a atenção: Caetano Veloso e Maria Bethânia fizeram revisão da trajetória, no Estádio Mané Garrincha, para 40 mil pessoas. Foi belíssimo. Também me traz boas recordações Chico Buarque, no Teatro Nacional, algo importantíssimo.
Como viu a estruturação e os destinos de artistas locais que tiveram a capital por plataforma?
Certamente, eu fui a primeira pessoa a escrever aqui, no Correio Braziliense, sobre os artistas que saíram de Brasília para brilhar, nacionalmente, como Renato Russo, Dinho Ouro Preto, Cássia Eller, Zélia Duncan, Rosa Passos e Hamilton de Holanda. São grandes nomes da música brasileira hoje em dia, e que surgiram em Brasília. Há até os que se tornaram conhecidos, e aplaudidos internacionalmente, como o caso de Holanda e Rosa Passos. Ambos circulam pelos Estados Unidos e Europa até com alguma frequência.
Valeu a pena investir num cotidiano solitário, em certa medida? O que a cidade te propiciou?
Costumo falar o seguinte: optei por viver sozinho, sozinho não no sentido de desgarrado das pessoas. Tenho muitos amigos, na redação do Correio, e outros tantos fora. Brasília, para mim, foi de importância muito grande: aqui, eu pude estruturar minha vida, conseguir viver com dignidade morando em bom apartamento, podendo ter acesso as coisas de que gosto. Frequentar um clube social, o Iate, ir a espetáculos, fazer aquisição de livros; enfim, de poder ajudar também as pessoas. Ultimamente, como eu já me aposentei no Correio, continuo lá por achar que a cabeça tem que permanecer funcionando. Acho que a vida não é só feita de ganhar, ganhar, mas também é de compartilhar.
Brasília trouxe reconhecimento que esperava aos 50 anos de profissão e outros tantos de vida?
Olha, chego na minha idade, ainda pleno de saúde. Faço meus exercícios: tenho um personal trainer, vou ao clube, nado, quando posso, faço massagem para poder segurar a onda do físico durante a semana. E, sim, Brasília reconhece meu trabalho. Quando eu volto aos lugares, notadamente lugares voltados para a cultura, como o Clube do Choro, como o Centro de Convenções Ulysses Guimarães, o Eixão do Lazer, as pessoas vêm para mim e, estando com alguém, falam assim: “Olha, este aqui é o Irlam do Correio”. Isso, para mim, é uma coisa que me emociona, porque eu ser reconhecido como um repórter e um colunista do Correio é tudo que eu gostaria de ser.
Serviço
Artes em Festa — 50 anos de reportagem cultural
- Segundo livro de Irlam Rocha Lima, com lançamento no Bar Beirute (109 Sul), nesta segunda-feira (23/6), das 19h às 21h. Outubro Edições, 108 páginas, R$ 50.
- Sessão Solene na Câmara Legislativa do DF, na manhã de 26 de junho, para homenagem que será complementada por etapa musical no Clube do Choro (no mesmo dia, às 19h30, com performance surpresa de convidado).