
H á vidas heroicas que não terminam bem, que desaguam em mortes e tragédias, apesar dos feitos memoráveis. Mas o Marechal Rondon é um herói sobre o qual dá gosto escrever. “É um herói brasileiro mesmo. Um herói bom de contar para as crianças, porque é o herói que não se deu mal, que não morreu enforcado”, diz Ciça Alves Pinto. Autora de mais de 20 livros infantis, Ciça adorou mergulhar na história do marechal para escrever Rondon Menino Cândido, para o qual contou com ninguém menos que Ziraldo na confecção das ilustrações.
Lançado na semana passada na Feira do Livro 2025, em São Paulo, o livro faz parte do projeto Documenta Pantanal, criado em 2019 para divulgar a memória de um dos biomas mais importantes do Brasil e alertar para as ameaças de destruição. Ciça e Ziraldo receberam o convite para realizar o livro há cerca de cinco anos. O cartunista morreu em abril de 2024, mas deixou todos os desenhos prontos. A cunhada Ciça, casada com o irmão de Ziraldo, tocou o projeto e acaba de publicar o livro.
Embora explore toda a vida do personagem, Rondon Menino Cândido se concentra na infância. A intenção é que os jovens leitores possam descobrir um pouco mais sobre como viveu e cresceu o homem que delimitou as fronteiras do Brasil, levou as linhas telegráficas para o Centro-Oeste brasileiro, criou o Serviço de Proteção ao Índio e ajudou a instituir o Parque Nacional do Xingu. “Tive muito prazer em pesquisar e conhecer melhor o Rondon. É uma história que não é tão conhecida. Era um militar que fez todas aquelas coisas, mas a história dele vindo de um lugar tão interessante quanto o Pantanal, naquela época, é muito incrível”, conta Ciça. Cândido Rondon nasceu em maio de 1865, em um pequeno povoado no vale do rio Cuiabá. Perdeu o pai antes de nascer e a mãe, descendente de indígena, aos 2 anos.
Foi criado pelo avô até este também morrer e o menino ser levado por um tio para a capital, na tentativa de evitar que se tornasse um vaqueiro. Em Cuiabá, estudou e, aos 16 anos, entrou para o Exército. Para escrever o livro, Ciça leu, principalmente, os diários do Marechal. Ficou impressionada com alguns aspectos da vida do personagem. “Primeiro, esse amor que ele tinha pelos índios, esse respeito. E a resiliência de um menino nascido no interior do Mato Grosso e que fez, já com 60 e poucos anos, toda fronteira do Brasil, de Norte a Sul. Acho isso uma coisa inacreditável. Imagina o que era, nessa época”, diz a autora.
Segundo Ciça, a infância do Marechal está bem documentada nos diários. “Tudo está escrito”, garante. “O que tive que fazer foi transformar essa linguagem militar para uma coisa mais infantojuvenil, mais acessível.” Quando terminou de escrever o livro, ela entregou o texto para Ziraldo, que foi então elaborar os desenhos. O traçado preto sobre um fundo colorido forma a base das ilustrações, que carregam o traço inconfundível do artista, mas com um tom mais dramático em relação aos clássicos infantis de Ziraldo. “Ele não podia fazer os desenhos cômicos que ele fazia, mas era um artista muito completo, sabia fazer um desenho mais realista que aqueles estourados maravilhosos”, repara Ciça.
Rondon Menino Cândido foi feito graças a uma parceria com o Instituto Ziraldo, detentor e organizador do acervo do artista. No início do ano, o acervo possibilitou o lançamento de Entre cobras e lagartos, também com desenhos deixados pelo autor de Menino Maluquinho e complementado por Guto Lins. O ilustrador é casado com Adriana Lins, sobrinha de Ziraldo e uma das idealizadoras do instituto. “A comunicação com públicos de todas as idades é uma das grandes características do acervo do Instituto Ziraldo. Apresentar a vida do Rondon, verdadeiro herói brasileiro, com as palavras da Ciça e as imagens do Ziraldo é um luxo só. Um presente para todos os leitores. Poder colaborar na difusão da memória nacional nos encheu de alegria”, afirma Adriana.