televisão

'Temos que entrar com respeito em temas espinhosos', afirma Claudia Souto

Claudia Souto, autora de 'Volta por cima', também fala sobre como o luto da pandemia inspirou sua obra e como ela própria lida com o fim de seus trabalhos. "Vivo um luto após o fim da novela, mas depois fica uma saudade boa", revela, em entrevista

Claudia Souto é uma das autoras mais talentosas da televisão brasileira, conhecida por criar histórias que capturam a atenção do público e abordam temas importantes da sociedade. Com uma carreira marcada por sucessos como Pega pega (2017), Cara e coragem (2022), indicada ao Emmy Internacional, e Volta por cima (2024), todas no horário das 19h, a carioca se consolidou como uma das principais vozes da dramaturgia brasileira.

Confira a entrevista exclusiva.

Como está sendo após o fim de Volta por cima?

Vivo um luto após o fim da novela. Lembrei de Pega pega, senti o mesmo. Não vou viver essas vidas, isso é triste, mas aí me lembrei que passa, fica uma saudade boa. De Pega pega, ainda existe um grupo ativo da equipe. Foi um filho muito desejado, cinco anos pra colocar no ar, sinopse entregue em 2012. Foi um sucesso do início ao fim, e, quando acabou, ficou a sensação de dever cumprido. Então, sinto o mesmo agora.

Como você definiria sua assinatura autoral hoje?

Sou autora nova, ainda estou me conhecendo também, ainda estou em construção com essa assinatura, minha marca. Volta por cima foi meu trabalho mais maduro. Não gosto de termo, porque reduz, mas eu sou da dramédia. Já passei pelo humor, estreei como roteirista no Casseta & Planeta. Mas o gênero folhetim tem signos e códigos próprios, o drama é necessário. Eu acho que estou no meio do caminho. Em novela posso ir mais fundo nos temas, nas relações.

E como você lida com esses temas mais profundos?

Em Pega pega, foi a síndrome do pânico, teve uma pesquisa embasada, com psiquiatra. Em Cara e coragem, me permiti uma fábula mais imaginativa. Quis falar subliminarmente de pandemia e armas, fiz uma disputa de dois irmãos por uma fórmula dúbia (medicina e bélica). São coisas distantes da realidade cotidiana, mas estão no mundo. Nossa tragédia era muito maior que a das novelas, 700 mil mortos no Brasil, então eu entendi que era mais difícil para as pessoas acompanharem isso numa novela das sete, ficou essa lição.

A pandemia influenciou Volta por cima?

Novelas feitas na pandemia deveriam estar em uma caixinha, serem exaltadas. Um mundo em transformação, acelerou a ida do público para o streaming, mudou a ordem mundial. Com esses aprendizados, desembocou Volta por cima. E eu quis falar do luto, da saudade. O Lindomar (MV Bill) é meu pai, ele faleceu quando eu tinha 19 anos. Parece que vivi mais tempo com ele do que sem ele. Personagens falando do luto, superando tristeza, era importante e foi aceito pelo público. Muita gente morreu na pandemia, e eu quis passar a mensagem de que está tudo bem a pessoa ainda estar aqui dentro.

Como você lida com a diversidade em suas histórias?

Estudei em escola pública, só no ginásio fui para a escola batista. Essa questão de pretos, brancos e amarelos sempre foi parte da minha vida. Vivi a diversidade total nos anos 1980, no curso de teatro do Sesc da Tijuca. Era começo da abertura política e eu convivia com todo tipo de classe social. Eu era menina de 15 anos, mas havia um senhor vendedor de loja de tecido, gays. O que sempre achei estranho era ver a televisão sempre branca.

E como foi criar núcleos negros em Cara e coragem e Volta por cima?

Penso nas histórias e depois defino se o personagem é preto ou branco, porque aí a gente traz a coisa cultural da sociedade. Em Cara e coragem não tinha a diversidade como pauta, como objetivo como é hoje, então houve um estranhamento quando criei um núcleo preto muito rico. Taís Araújo me disse: "Essa família não existe no imaginário brasileiro, eles têm que ser amorosos uns com os outros porque o público tem que ser pego pelo afeto." A gente tinha que tornar isso crível, então eu criei um núcleo familiar que era conflituoso, mas com muito afeto entre os membros. A gente cria novos imaginários, os Gusmão eram o começo disso. Volta por cima ampliou esse leque.

E no caso do Gigi (Rodrigo Fagundes), um personagem gay que foi um grande sucesso da novela, como foi essa construção?

É um país muito preconceituoso, temos que entrar com respeito em assuntos espinhosos. O Gigi precisou de uma jornada em que as pessoas se apaixonassem por ele, torcessem por ele. Ele tinha que se transformar, entrando com respeito, de mansinho, na casa das pessoas. Antes de haver o romance dele com o Bernardo (Bruno Fagundes), eu decidi: "Deixa eu te mostrar como começa isso, é um amor igual." O diálogo com quem pensa diferente é o grande desafio.

Como foi trabalhar com Renê Belmonte no filme Eduardo e Mônica, adaptado da música da Legião Urbana?

Um sonho, fiquei apaixonada por Faroeste caboclo. Eu estava fazendo Pega pega quando o Renê me pediu para ler a versão do roteiro. Fiquei apaixonada, era uma comédia romântica para todas as idades. Ele me pediu indicação de um roteirista, e eu disse a ele: "Você precisa de alguém que te traduza, não de novas ideias, mas dentro da sua visão. Você precisa de quase um colaborador." Já fui tradutora do Roberto Talma, do Jorge Fernando. Fui para Brasília vendo as coisas acontecendo, aquela costura final. E deu muito certo. Em roteiro, é importante saber em que posição você está nesse projeto, e jogar da melhor forma possível.

E agora, novas ideias, novos projetos?

É o período de observar de novo a sociedade, consumir muita arte, assistir muita novela. Não gosto de me afastar do gênero: se você assiste muita série, você escreve série. Voltei a ver muita novela, daí que vem as ideias.

Você tem medo de não repetir o sucesso?

O medo é de não encontrar o diálogo que desemboca nesse sucesso. Tem muitas maneiras de se chegar lá. Terminar a novela com uma palavra importante como reflexão, que foi a palavra que o grupo de discussão de Volta por cima usou para defini-la. As novelas não têm mais um arco só, tem que fechar e abrir histórias, é um momento novo da audiência. Então isso é um desafio grande.

E como foi a indicação ao Emmy por Cara e coragem?

Felicidade demais! Acho que foi pelos aspectos da história, ciência e armas. O universo dos dublês está no foco mundial, agora terá Oscar da categoria em 2028 pela primeira vez. Chamaram atenção as cenas fantásticas produzidas pela Impacto Dublês. 

Você faria uma novela das 21h?

Não é impossível, vai depender da história. Uma história com o "pulo do gato", sim.

Foto: Divulgação -
Globo/Divulgação -
Sérgio Zalis/ TV Globo -
Divulgação -

 


Mais Lidas