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"Ser atriz me mantém curiosa e viva o tempo todo", afirma Flora Camolese

Atriz de 23 anos fala do processo para dar vida à complexa Nina, de "Dona de mim", e de como o ofício de atriz a afeta: "Raras vezes sinto que estou de fato trabalhando", observa ela, que tem no currículo a série "A vida pela frente" e a novela "Vai na fé"

Flora Camolese, atriz -  (crédito: Lucas Affonso/Divulgação)
Flora Camolese, atriz - (crédito: Lucas Affonso/Divulgação)

Há um certo mistério em atrizes que conseguem, com sutileza, transformar personagens em espelhos. Flora Camolese, aos 23 anos e no terceiro trabalho no audiovisual, parece dominar essa alquimia. Em Dona de mim, sua Nina é uma tempestade contida: filha distante de Filipa (Cláudia Abreu), ela carrega nas costas o peso de uma infância abandonada e, nas atitudes, a ambiguidade de quem oscila entre a revolta e a necessidade desesperada de ser vista.

Não é a primeira vez que Flora mergulha em águas profundas. Protagonista da série A vida pela frente, dirigida por Leandra Leal, e intérprete da vibrante Bia, em Vai na fé, ela já demonstrava uma maturidade rara para sua idade. Mas Nina é diferente — exige mais. "O maior desafio foi não julgá-la", confessa a atriz à Revista. "Ela age de um jeito que eu jamais agiria, e justamente por isso me fascina", completa ela, que chegou a cursar o primeiro semestre no Lee Strasberg Theatre and Film Institute, em Nova York, antes de ser chamada para o primeiro papel de destaque na tevê.

Para construir essa figura complexa, Flora mantém um diário íntimo da personagem, anotando pensamentos e justificativas invisíveis ao roteiro. Trabalha com preparadores como Helena Varvaki e Leo Lacca, mas é nos olhares trocados com Cláudia Abreu e Tony Ramos que encontra a centelha definitiva. "Eles são generosos, inteiros. A Cláudia me provoca, o Tony me ensina sobre escuta. É uma honra."

A vilania sutil de Nina — se é que se pode chamá-la assim — não nasce do vazio, mas de feridas antigas. Flora insiste nisso: "Por trás de qualquer comportamento existe uma história". E talvez seja essa a chave para sua interpretação: a capacidade de encontrar humanidade até onde há apenas sombra.

Fora das câmeras, Flora fala de moda como quem fala de arte — "é uma extensão da narrativa" — e do teatro como um amor antigo que ainda a chama. Mas é no presente, no ritmo frenético da novela, que ela se encontra. "Novela é entrega no primeiro take. Não há tempo para artesania, só para verdade." Sobre começar cedo a trabalhar, ela conclui: "É uma ocupação lúdica que envolve o brincar, experimentar, se divertir. É um privilégio enorme poder ter esse ofício, que me mantém curiosa e viva o tempo todo".

Flora Camolese, atriz
Flora Camolese, atriz (foto: Lucas Affonso/Divulgação)

Confira trechos da entrevista

Preparação

Minha preparação começou bem antes de começar a gravar e seguirá até o fim da novela. Mantenho um diário da personagem, no qual escrevo os pensamentos e a lógica de vida da Nina. Isso me ajuda a mergulhar no universo dela. Fora os atores com os quais eu contraceno que são fundamentais para minha construção. É um trabalho que mistura estudo prático e sensibilidade, e que vai se aprofundando a cada capítulo.

Sem julgamentos

O maior desafio foi não julgar a Nina. Muitas vezes, o jeito como ela age é completamente oposto ao que eu faria. Mas, justamente por isso, torna-se instigante tentar entender suas dores, suas contradições e dar verdade a tudo isso. Com muito estudo, diálogo com a equipe criativa e troca em cena, fui encontrando caminhos para me aproximar dela. 

Desafios

Novela tem um ritmo muito acelerado: a gente grava um volume enorme de cenas por dia e não existe muito espaço para refazer takes ou elaborar muito tempo em cima de uma mesma sequência. Afinal de contas, é um volume muito grande de entrega que impossibilita uma certa "artesania". Então, o desafio também está em estar sempre preparada, confiante e disponível para que o primeiro take traga a essência da cena. Isso exige uma escuta atenta, presença e bastante estudo prévio.

Conexão com o público

Acredito que o público vai se identificar com a Nina através da sua vulnerabilidade. Por trás das atitudes questionáveis, existe uma jovem marcada pela falta de afeto e olhar atento. Acho que ela expõe um lado humano que todos nós temos: o de lidar com feridas antigas, cada um do seu jeito. A mensagem que gostaria de passar é que por trás de qualquer comportamento existe uma história e que olhar para isso com empatia pode transformar a forma como enxergamos o outro.

Equilíbrio

Eu não acredito que o público de novela seja um espectador que precise receber tudo mastigado. Pelo contrário! Não sinto necessidade de simplificar a Nina para ser entendida, e acredito que cada espectador a completa com o seu próprio repertório de vida. Meu papel é encontrar verdade em cada gesto dela e confiar que, quando eu me conecto de verdade com a personagem, isso chega para quem está assistindo. 

Tony Ramos e Cláudia Abreu

Contracenar com a Cláudia Abreu é uma escola: ela é generosa, inteira, sempre aberta ao outro. Ela me instiga, me provoca. E o Tony Ramos tem um profissionalismo impressionante e uma escuta delicada que inspira qualquer ator. Estar ao lado deles é ter a oportunidade diária de aprender, não só sobre interpretação, mas também sobre postura, entrega e respeito pelo ofício. Ambos levam muito a sério o que nós fazemos.

A vida pela frente e Vai na fé

Cada passo na minha carreira é essencial. Cada projeto. Cada estudo. Cada filme que assisto. Tudo isso me alimenta para, no fim das contas, ser uma atriz (e pessoa) melhor. A vida pela frente me apresentou ao audiovisual e me fez me apaixonar por essa linguagem. Já Vai na fé me deu a experiência do ritmo intenso de uma novela, mas de forma gradual, com uma personagem menor. Isso foi fundamental para que eu chegasse mais preparada agora, entendendo a dinâmica e podendo mergulhar em uma personagem complexa como a Nina.

Ocupação lúdica

Começar cedo me deu responsabilidades e aprendizados que moldaram quem eu sou hoje. Às vezes, tenho uma sensação dúbia de ter crescido rápido por ter iniciado jovem, mas, ao mesmo tempo, ser atriz é justamente o que me impede de "crescer" completamente, no melhor sentido. Tenho a sorte de trabalhar com o que amo e raras vezes sinto que estou de fato trabalhando. É uma ocupação lúdica que envolve o brincar, experimentar, se divertir. É um privilégio enorme poder ter esse ofício, que me mantém curiosa e viva o tempo todo.

Moda e expressão

A moda sempre foi pra mim uma forma de expressão muito potente. Até quando construo um personagem, penso muito em como ele se veste, porque a roupa é quase uma extensão da narrativa: ela comunica antes mesmo da pessoa falar. No meu dia a dia, uso a moda do mesmo jeito, quem eu sou naquele momento, naquele dia ou até sobre o que estou sentindo. Gosto de brincar com referências, misturar estilos, arriscar. Assim como na atuação, na moda também existe esse espaço para experimentar, criar e, principalmente, se transformar. É muito chato ser a mesma pessoa todo dia!

Futuro

Tenho muita vontade de voltar ao teatro, que é uma paixão enorme e onde tudo começou pra mim. Também sonho em fazer cinema, filme! Trabalhar com diretores que admiro e experimentar outros formatos. Mas, ao mesmo tempo, gosto de deixar espaço para o inesperado. Até agora, as melhores coisas da minha carreira surgiram de forma surpreendente.

 


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postado em 17/08/2025 08:00 / atualizado em 18/08/2025 10:38
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